Caros leitores, nós fomos criados para Deus, e somente nEle
encontramos a felicidade suprema a qual nossos corações aspiram. Somente Deus
pode nos fazer felizes! Dê ao homem o que quiser. Ele o desfrutará por uns
tempos, mas depois se tornará indiferente à coisa porque sentirá que algo mais,
algo mais elevado, está faltando. Ora, não é exatamente assim que as crianças se
comportam, se divertindo com um brinquedo novo até que comecem a sentir fome? Elas
deixam o brinquedo de lado e vão atrás de comida. Uma espécie de fome interior por
verdade, alegria e paz no Espírito Santo (cf. Romanos 14:17) tormenta a alma e
não nos deixa em paz, mesmo entre os maiores prazeres da vida e entre as
realizações mais invejáveis do mundo.
É em vão que algumas pessoas não esclarecidas tentam situar
os maiores males da humanidade em outra parte que não no pecado. Alguns consideram
a doença com o maior dos males, outras a pobreza, outras ainda a morte. Mas nem
a doença, nem a pobreza, nem a morte, nem qualquer outro desastre terreno é tão
maligno quanto o pecado. Essas desgraças terrenas não nos separam de Deus se O estivermos
buscando com sinceridade, mas, pelo contrário, aproximam-nos dEle.
[...]
“Não cometi nenhum pecado importante”. Não mesmo? Quando
alguém fica num quarto fechado por muito tempo acaba se acostumando ao ar
impuro e nem percebe como ele está desagradável. Mas se alguém de fora entra no
quarto não aguentará o fedor e fugirá.
Os Santos Padres ensinam que é muito difícil para o homem
enxergar seus próprios pecados. Dizem eles que essa cegueira é causada pelo
diabo. Abba Isaías afirma: “Quando o homem se aparta daquele que está à sua
esquerda, isto é, da comunhão com os demônios e de suas sugestões, então
enxergará plenamente seus pecados contra Deus; então ele conhecerá Jesus. Mas o
homem será incapaz de enxergar seus pecados até que se aparte deles mediante
esforços e sofrimentos. Quem conseguiu alcançar essa condição encontrou
lágrimas e orações; à medida que se recordam da amizade dissimulada com as
paixões, não se acanham em olhar à Deus e viver constantemente com o espírito
aquebrantado”.
Se fosse fácil enxergar nossos pecados Santo Efraim, o Sírio,
não teria rezado assim: “Senhor, permita que eu enxergue minhas transgressões”.
Nem teria São João de Kronstadt dito: “Eis um autêntico dom de Deus: poder
enxergar seus pecados em sua multidão e em toda sua repugnância”.
No fim das contas, quem acha que não tem pecados importantes
está verdadeiramente cego.
Normalmente, os pecados menores são mais perigosos do que os
maiores crimes, pois estes pesam muito na consciência e insistem em serem
expiados, confessados, resolvidos, apagados, enquanto os pecados menores,
embora não pesem tanto na alma, possuem aquela característica perigosa de a tornarem
insensível à graça de Deus e indiferente à salvação. Poucas pessoas perecem por
conta de animais ferozes, mas muitas morrem por causa da ação de minúsculos micróbios,
invisíveis a olho nu. Por serem considerados insignificantes, os pecados pequenos
normalmente passam desapercebidos. Embora sejam facilmente esquecidos, eles criam
em nós o pior dos hábitos – o hábito de pecar, de embotar a consciência moral.
Assim, o miserável pecador acaba enganando-se a si próprio, concluindo que não
é pecador coisa nenhuma, que tudo está bem, quando na verdade ele não passa de
um escravo abjeto do pecado.
Os pecados menores engendram uma verdadeira estagnação na vida
espiritual da pessoa. Assim como o relógio de parede para de funcionar por
causa do acúmulo de poeira, assim também o pulso espiritual do homem
gradualmente desaparece sob a camada grossa de pecados acumulados. Para que o
relógio volte a funcionar, a poeira tem de ser eliminada. Para que o homem
restaure sua vida espiritual, ele tem de confessar até mesmo o menor dos
pecados.
Fonte: Arquimandrita Seraphim Aleksiev, The Forgotten Medicine, St. Xenia Skete, Wildwood, CA, EUA, 1994.
Imagem: O anjo da guarda indica o caminho dizendo: "Vá, confessa teus pecados a teu pai espiritual". O demônio, porém, opondo-lhe, diz: "Tu és ainda jovem, e o que quer que tenhas pecado poderás confessar no teu leito de morte". - Gravura do livro Instruções Espirituais ao Penitente, séc. XIX.