Podemos ser
levados a crer que quanto mais naturalista, detalhada e fiel à realidade
pictórica for uma obra de arte tanto mais desenvolvida e superior ela será em relação
às representações abstratas e de inspiração geométrica. Inspirado pela obra e
ensinos de Alois Riegl, o historiador alemão Wilhelm Worringer chega a
conclusões não só divergentes como de certa forma contrárias a tal senso comum.
Worringer
parte da ideia de que o gozo estético
é um autogozo objetivado. Em outras palavras, a beleza extraída de uma obra
de arte é resultado do contraste, ou mesmo fusão, da ampliação do olhar interno até o ponto que abarque toda a obra com
a delimitação da imaginação para que
a isole de seu ambiente originário. Se posso abandonar-me sem antagonismo interior à tal atividade de ampliação/delimitação, então
disso resultará um sentimento de liberdade e prazer. O objeto estará como que
compenetrado por minha atividade, por minha vida interior. Eis o “autogozo
objetivado”. O “belo” seria uma projeção positiva, enquanto o “feio” uma projeção
negativa.
Concomitantemente, identifica dois polos estilísticos claramente distintos
encontrados na estética das obras de arte: (1) o afã de projeção sentimental (Einfühlung, ou “empatia”), cuja satisfação
se encontra na beleza do orgânico, e (2) o afã de abstração, cuja satisfação se
encontra na beleza do inorgânico, do que nega a vida, do cristalino.
Ora, se o
autogozo objetivado é a definição mesma de gozo estético, então Worringer
rejeita a ideia de que somente a projeção sentimental possa cumprir com louvor
os critérios para extrair tal gozo da criação artística. Isso porque, com base
no método criado por Riegl, a vontade
artística absoluta, ou seja, a vontade artística desligada de quaisquer
objetos, sendo uma exigência interior latente nos homens, se manifesta como
vontade de forma. Toda obra de arte é,
em seu mais intimo ser, tão-somente uma objetivação dessa vontade de forma.
Observe que
a arte genuína é uma satisfação profunda de uma necessidade psíquica. Não cabe,
portanto, confundir “arte” com “imitação”. Trata-se de um erro muito comum: a imitação
é mera habilidade manual (um “gosto brincalhão pela reprodução de modelos
naturais”) e carece de importância estética. A arte genuína é a expressão estilística
da vontade artística absoluta.
O estilo
resultante do afã de abstração – como nas formas de uma pirâmide ou nos
mosaicos bizantinos – se trata de um impulso diametralmente oposto ao afã de projeção.
A tendência abstrata se revela na vontade de arte dos povos em estado de
natureza, na vontade de arte de todas as épocas primitivas e de certos povos
orientais de cultura superior. Trata-se de uma tendência resultante de uma
intensa inquietação interior ante os fenômenos do mundo circundante. Worringer
lança mão da expressão agorafobia
espiritual para designar tal impulso: algo como uma ansiedade em ficar em situações
ou locais sem uma maneira de escapar facilmente ou em que a ajuda pode não
estar disponível no caso de a ansiedade intensa se desenvolver. Há uma intensa
necessidade por quietude, por desprender cada coisa individual pertencente ao
mundo exterior de sua condição arbitrária e de sua aparente casualidade e
eternizá-la mediante a aproximação a formas abstratas e em encontrar dessa
maneira um ponto de repouso na fuga dos fenômenos. Observe: não há intromissão do
intelecto no estilo abstrato, ou seja, não há nenhum tipo de aspiração a
conformar-se a supostas leis de regularidade geométrica, mas sim uma
necessidade interior elementar.
Os dois
polos – projeção e abstração – são, ao fim e ao cabo, diferentes níveis de
uma necessidade comum: a ânsia de alienar-se do próprio ego. Tal ânsia de alienação
é incomparavelmente mais intensa e mais consequente no afã de abstração.
Worringer não deixa de notar que a ânsia de alienação do ego é a essência suprema
do gozo estético e, por que não, da felicidade humana mesmo.
Concluo
portanto que a arte abstrata, embora primitiva em termos cronológicos, é
primordial em termos ontológicos, pois é ela que retrata melhor o anseio dos
homens em escapar da escravidão ao ego e alçar novos e maiores voos no plano
sobrenatural. Os povos que não aposentaram sua arte abstrata mas, pelo
contrário, a sofisticaram e aprofundaram, são provavelmente aqueles que melhor
combinaram gozo estético e elevação espiritual.
Fonte: Wilhelm Worringer, Abstracción y naturaleza, Fondo de Cultura Económica, Cidade do México, México, 1953.