É possível
educar os sentimentos? Ou, pelo contrário, os sentimentos devem ser o guia em
torno do qual devem orbitar nossos pensamentos, condutas e juízos? Vejamos o
que diz o filósofo espanhol Julián Marías.
O homem tem um caráter convivial, social e histórico. Em outras palavras, se imagina e se projeta dentro de uma forma histórico-social. Mas é necessário acrescentar que é possível sair dessa forma, que é algo que muitas vezes tem sido negado com notória falsidade. Mais ainda: sempre se sai dessa forma porque toda situação é instável, e justamente por isso existe a história.
É um grave erro portanto a “programação”, a fixação das formas, que nunca podem ser mais do que um ponto de partida. Isso elimina algo decisivo: a espontaneidade. Na vida é essencial o aporte dos impulsos, dos desejos, da imaginação – realidades sobre as quais pesa certo “descrédito”. É fundamental a reação viva, imediata, direta aos elementos da circunstância, especialmente às pessoas. É preciso que reivindiquemos a importância e a validade do “gosto”, que não coincide necessariamente com o prazer.
É preciso dar o devido valor à atração pessoal imediata, que costuma ser muito mais ampla e completa que a atração deliberada ou “racional” (aquela é mais racional, mas da razão vital).
Alguém poderia pensar que esta insistência na espontaneidade, esta preferência por ela, exclui a educação ou a relega a uma posição secundária. Acredito que, pelo contrário, ela a exige: é preciso educar a espontaneidade. Ela se nutre de experiências, imaginações, ensaios, explorações do desconhecido. Ora, a espontaneidade deseducada é pobre, limitada à herança, não somente biológica, mas sobretudo social. Entendo a educação como cultivo e incremento à espontaneidade.
É evidente a enorme influência que a ficção tem aqui: poesia, teatro, literatura, cinema; e não menos importante, a conversação. Aliada às vivências e experiências reais, as virtuais que se recebem do outro – do próximo presente com quem se conversa ou do criador, talvez falecido há séculos – são ótimos instrumentos de dilatação e intensificação da vida.
A diversidade de idades, a convivência com várias gerações, é essencial. Isso permite a libertação da circunstância temporal, a ampliação do horizonte.
[...]
O “estar” carrega em si o conceito de instalação, que é a maneira como o homem “se encontra” na vida, fazendo já algo e sendo alguém. Poderíamos definir temperamento como a modulação dessa instalação. O temperamento portanto é uma modulação essencial daquilo em que se está quando se está vivendo. [...] Alegria e tristeza, austeridade e jovialidade, severidade e piada, secura e afetuosidade; eis alguns exemplos possíveis de temperamento, que contêm incontáveis variedades e matizes. Existem temperamentos habituais que poderíamos chamar de vigentes. E existe a possibilidade de sua alteração estimulada ou artificial, como festas, orgias, álcool, drogas.
A afetividade, o mundo dos sentimentos, é o envolvente da vida. [...] A vida apresenta certos sintomas de grosseria, de pobreza, de monotonia, de instabilidade; e, mais ainda, de secura, de prosaísmo (achatamento, insipidez). Será que não nos falta uma educação sentimental adequada?
Fonte: Julián Marías, La educación sentimental, Alianza Editorial, Madrid, Espanha, 1992.