Um espectro assombra o mundo ocidental: a “subclasse”.
Essa subclasse não é pobre, ao menos pelos padrões que
prevaleceram ao longo de grande parte da história humana. Existe, em graus
variados, em todas as sociedades ocidentais. Como todas as outras classes
sociais, beneficiou-se enormemente do grande aumento geral da riqueza dos
últimos cem anos. Em certos aspectos, de fato, desfruta de comodidades e
confortos que dariam inveja a um imperador romano ou a um monarca absolutista.
Também não é politicamente oprimida: não teme dizer o que pensa nem tem medo de
ser surpreendida por forças de segurança durante a madrugada. Sua existência,
no entanto, é miserável, de um modo especial de miserabilidade que lhe é
próprio.
Por ter trabalhado anteriormente como médico em alguns dos
países mais pobres da África, bem como em comunidades pobres do Pacífico e na
América Latina, não hesito em dizer que o empobrecimento mental, cultural,
emocional e espiritual da subclasse pobre ocidental é maior que o de qualquer
outro grande grupo de pessoas que já tenha conhecido em qualquer outro lugar.
O comportamento humano não pode ser explicado sem fazer
referência ao significado e às intenções que as pessoas dão aos próprios atos e
omissões; e todos possuem um Weltanschauung,
uma visão de mundo, saibam ou não disso.
A ideia de que a pessoa não é agente, mas uma vitima
indefesa das circunstâncias, ou de grandes forças ocultas sociológicas ou
econômicas, foi propagada incessantemente por intelectuais e acadêmicos que não
acreditam nisso no que diz respeito a eles mesmos, é claro, mas somente no que
concerne a outros em posições menos afortunadas. Há nisso um elemento
considerável de condescendência: algumas pessoas não chegam à condição plena de
humanos.
Na verdade, a maioria das patologias sociais apresentadas
pela subclasse tem origem em ideias filtradas da intelligentzia. O clima de relativismo moral, cultural e
intelectual – um relativismo que começa como um modismo de intelectuais – foi
comunicado de maneira exitosa para aqueles menos capazes de resistir aos seus
devastadores efeitos práticos. O relativismo linguístico e educacional ajuda a
transformar uma classe em casta – quase em uma casta de intocáveis.
Os intelectuais dizem não existir alta ou baixa cultura: a
própria diferença é a única distinção reconhecível. Esse é um ponto de vista
disseminado pelos intelectuais ávidos por demonstrar entre si opiniões abertas
e democráticas.
A falta de sinceridade dos elogios que os intelectuais fazem
à baixa cultura é óbvia para qualquer pessoa que tenha um conhecimento mínimo
da grandiosidade dos feitos humanos. O fato é que a cultura aviltada recebe
tamanha atenção e elogios sérios que ilude seus consumidores, levando-os a
supor que não existe nada melhor que aquilo que já conhecem e de que gostam.
Tal adulação é, portanto, a morte da aspiração, e a falta de aspiração é,
certamente, uma das causas da passividade.
Será que o destino dessa subclasse importa? Se a miséria de
milhões de pessoas importa, então, certamente, a resposta é sim. Mesmo se
estivermos satisfeitos em confiar o destino de tantos cidadãos ao purgatório da
vida nos bairros pobres, esse não seria o fim da questão.
No mundo moderno, más ideias e suas consequências não podem
ficar confinadas ao gueto. O relativismo cultural se alastra muito facilmente.
Os gostos, a conduta e os costumes da subclasse estão se infiltrando na escala
social com surpreendente rapidez. No que diz respeito à moda do vestuário, dos
adornos corporais e da música, é a subclasse quem, de modo crescente, imprime o
ritmo. Nunca antes aspirou-se alcançar níveis culturais tão baixos.
O padrão desastroso de relações humanas que existe na
subclasse também tem se tornado comum na escala social mais alta. A violência e
posterior abandono são, em geral, muito previsíveis dados o histórico e a
personalidade dos homens da subclasse, mas as mulheres que foram tratadas dessa
maneira dizem que se abstiveram de julgar o companheiro porque é errado fazer
juízos de valor. Se, contudo, não forem capazes de emitir um juízo sobre o
homem com quem viverão e com que terão filhos, sobre o que emitirão juízos? “Não
deu certo”, dizem, e o que não deu certo foi o relacionamento, que concebem
como algo possuidor de existência independente das duas pessoas que o compõem,
e que exerce uma influência nas suas vidas como se fosse uma conjunção astral.
Para a subclasse, a vida é sorte.
Fonte: Theodore Dalrymple, A Vida na Sarjeta, É Realizações Editora, São Paulo, 2014, p.
16-23, adaptado.