Esta é a famosa carta de Eugene (Pe. Seraphim) Rose a seus pais na qual comunica que abandonará a vida acadêmica para abraçar as coisas do Alto. É o testemunho contemporâneo de um ato exercido milhares e milhares de vezes no passado: homens que, respondendo ao chamado do Cristo, deixam para trás a glória e os prazeres ilusórios do mundo para abraçar a vida sublime e grandiosa do esforço ascético rumo à união com Deus.
A carta é de 14 de junho de 1961.
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Liebe Eltern,
Faz calor hoje – parece até verão aqui em San Francisco.
Finalmente consegui terminar minha dissertação de mestrado. Entreguei-a na
sexta-feira passada, mas a nota só vai ser divulgada em setembro, não sei exatamente
por quê. Enquanto isso, continuo me envolvendo com coisas chinesas. Nesse
momento, estou ajudando meu ex-professor de chinês a traduzir (do chinês) um
artigo sobre filosofia chinesa para publicação em um jornal de filosofia. A hipocrisia do mundo acadêmico é algo que se
vê com muita clareza no caso dele. Ele provavelmente sabe mais de filosofia
chinesa do que qualquer pessoa do país, estudou com filósofos e sábios chineses
de verdade, na China, mas não consegue arrumar emprego em nenhuma faculdade
porque ele não tem diplomas de faculdades americanas, e também porque ele não
fala com muita fluência – ou seja, ele é autêntico demais.
Foi-se o tempo em que eu escolhia a vida acadêmica acima de
tudo, pois Deus havia me dado inteligência para servi-Lo, e o mundo acadêmico seria
em princípio o lugar onde a inteligência deveria ser utilizada. Mas, depois de
oito ou nove anos, sei muito bem o que se passa nas universidades. A
inteligência é respeitada somente por alguns poucos professores “das antigas”,
os quais muito em breve estarão fora de combate. Quanto aos demais, a vida
acadêmica é um trampolim para juntar dinheiro, conseguir um emprego estável e
para usar a inteligência como se fosse um brinquedinho útil para fazer alguns
truques e serem pagos por isso. Em suma, são palhaços de circo. O amor à
verdade simplesmente desapareceu deles; as pessoas que têm alguma inteligência
são obrigadas a se prostituírem para viver a vida. Quanto a mim, acho isso tudo
difícil de aceitar, pois meu amor à verdade é muito grande. O mundo acadêmico
não passa de um emprego para mim, mas não vou me deixar escravizar a ele. Não
estou servindo a Deus no mundo acadêmico. Tenho um pouco de dinheiro guardado e
mais algum está a caminho quando eu terminar um pequeno serviço, então eu acho
que vou conseguir viver frugalmente por um ano fazendo o que minha consciência está
me mandando fazer: escrever um livro sobre as condições espirituais do homem
contemporâneo, sobre as quais, pela graça de Deus, tenho algum conhecimento. O
livro provavelmente não vai vender nada, pois as pessoas preferem se esquecer
das coisas sobre as quais versarei; elas preferem ganhar dinheiro do que adorar
a Deus.
Sim, é verdade que esta é uma geração confusa. A única coisa
de errado comigo é que não estou confuso. Sei muito bem qual o dever do homem:
adorar a Deus e Seu Filho e preparar-se para a vida do século futuro sem
explorar o próximo só para ter uma vida feliz e confortável e esquecer-se de
Deus e Seu Reino.
Se Cristo estivesse por aqui, no mundo contemporâneo, sabem
o que aconteceria com Ele? Seria internado num hospital psiquiátrico e lhe
submeteriam a sessões de psicoterapia. Os santos não ficariam por menos. O
mundo crucificaria o Cristo exatamente como há 2000 anos, pois esse mundo nada
aprendeu, exceto formas mais sofisticadas de hipocrisia. E se eu dissesse a
meus alunos que todo o conhecimento deste mundo não tem nenhuma importância,
que o importante mesmo é adorar a Deus, aceitar o Deus-homem que morreu por
nossos pecados e preparar-se para a vida do século futuro? Eles provavelmente
ririam de mim, e os diretores da universidade, se descobrissem, me demitiriam –
pois é contra a lei pregar a Verdade nas universidades. Dizem que vivemos numa
sociedade cristã, mas é mentira: a sociedade atual é mais pagã, mais
anticristã, do que a sociedade na qual Cristo nasceu. Recentemente, um padre
católico da UCLA teve a audácia de dizer que o ambiente da UCLA era pagão. Os
diretores da universidade o chamaram de “fanático” e “insano”. Mas o que ele
disse era verdade; mas os homens odeiam a verdade, e é por isso que eles
crucificariam Cristo de novo se Ele retornasse.
Sou cristão, e tentarei viver como um autêntico cristão.
Cristo ensinou-nos a dar todo o dinheiro que tivéssemos e segui-Lo. Estou
longe, muito longe, de fazer isso. Mas vou tentar não angariar mais dinheiro do
que preciso para viver; se conseguir fazer isso trabalhando um ou dois anos na
universidade, tudo bem. Mas no restante do meu tempo vou tentar servir a Deus
com os talentos que Ele me deu. Neste ano terei a chance de fazer isso, então é
isso que vou fazer. Meu professor, que é russo (a amor a Deus parece estar mais
bem enraizado nos russos do que em outros povos), não tentou me convencer a
abandonar minhas ideias; ele sabe muito bem que o amor à verdade, o amor a
Deus, é infinitamente mais importante do que o amor à estabilidade, ao dinheiro
e à fama.
Sou obrigado a seguir minha consciência. Não posso enganar a
mim mesmo. E sei que estou fazendo a coisa certa. Se o que vou fazer parece
tolice aos olhos do mundo, resta-me responder ao mundo com as palavras de São
Paulo: Porque a sabedoria deste mundo é loucura diante de Deus. Eis algo que esquecemos muito facilmente.
Bem, deixem-me voltar à minha tradução de chinês. Mandem
lembranças a Eileen [irmã de Eugene].
Liebe,
Eugene
Foto: Eugene Rose em foto oficial de graduação na Pomona College, 1956.
Fonte: Cathy Scott, Seraphim Rose: The True Story and Private Letters, Regina Orthodox Press, 2000.