História da Filosofia
Giovanni Reale e Dario Antiseri, Volume 1, capítulos selecionados
Origem da Filosofia
A religião é um dos elementos mais importantes para explicar a gênese da filosofia grega. Em linhas gerais, é dividida em dois tipos:
Giovanni Reale e Dario Antiseri, Volume 1, capítulos selecionados
Origem da Filosofia
A religião é um dos elementos mais importantes para explicar a gênese da filosofia grega. Em linhas gerais, é dividida em dois tipos:
- Religião pública: Tudo é divino, isto é, tudo que ocorre pode ser explicado pelas intervenções divinas (Numes, Zeus, Posseindon, Apolo, Atena, Afrodite etc.). Esses deuses são homens idealizados e amplificados, distinguindo-se dos homens comuns apenas na quantidade, não na qualidade. Assim, essa religião pode ser classificada de naturalista porque pede ao homem que se atenha à sua natureza e não que se eleve acima dela.
- Religião dos mistérios: Para círculos restritos, tinha suas próprias crenças e práticas, embora inseridas no contexto politeísta da religião pública. Os mistérios órficos (do poeta Orfeu) são os mais importantes porque introduziram um novo esquema de crenças: (a) no homem se hospeda um demônio (alma) que caiu em um corpo por causa de uma culpa original; (b) esse demônio não morre com o corpo, mas reencarna-se sucessivamente para expiar aquela culpa original; (c) a vida órfica é a única capaz de terminar o ciclo de reencarnações; e (d) para os iniciados nos mistérios órficos, há um prêmio no além. Não há naturalismo nesse esquema de crenças porque há um conflito entre alma (que deve ser purificada) e corpo (que possui tendências a serem reprimidas). O orfismo é essencial para se explicar Pitágoras, Heráclito, Empédocles e Platão, ou seja, a filosofia antiga.
A fundação da metafísica – Platão
Há um ponto fundamental da filosofia platônica que consiste na descoberta de uma realidade supra-sensível. Platão chamava de “primeira navegação” os cursos percorridos pela filosofia naturalista – aquela que se detém exclusivamente em causas mecânicas –, enquanto a “segunda navegação” consistia nas contribuições do próprio Platão. Platão e sua segunda navegação introduziram as noções de “material”, “imaterial”, “sensível”, “supra-sensível”, “empírico”, “metaempírico”, “físico”, “suprafísico” etc. Isso quer dizer que Platão admitia a idéia de que as causas das coisas físicos estão além do físico, isto é, metafísico.
Platão denominou essas causas de natureza não-física de Idéia (eidos), que significa “forma”. As Idéias platônicas são as essências das coisas, não se submetendo aos caprichos do sujeito mas, pelo contrário, se impõem ao sujeito de modo absoluto. O conjunto dessas Idéias é o Hiperurânio, o objeto próprio da verdadeira ciência.
Todavia, há alguns dilemas a respeito do Hiperurânio que precisavam ser resolvidos. Ora, como no Mundo das Idéias há Idéias para todas as coisas, concluímos que lá há muliplicidade. Então:
Há um ponto fundamental da filosofia platônica que consiste na descoberta de uma realidade supra-sensível. Platão chamava de “primeira navegação” os cursos percorridos pela filosofia naturalista – aquela que se detém exclusivamente em causas mecânicas –, enquanto a “segunda navegação” consistia nas contribuições do próprio Platão. Platão e sua segunda navegação introduziram as noções de “material”, “imaterial”, “sensível”, “supra-sensível”, “empírico”, “metaempírico”, “físico”, “suprafísico” etc. Isso quer dizer que Platão admitia a idéia de que as causas das coisas físicos estão além do físico, isto é, metafísico.
Platão denominou essas causas de natureza não-física de Idéia (eidos), que significa “forma”. As Idéias platônicas são as essências das coisas, não se submetendo aos caprichos do sujeito mas, pelo contrário, se impõem ao sujeito de modo absoluto. O conjunto dessas Idéias é o Hiperurânio, o objeto próprio da verdadeira ciência.
Todavia, há alguns dilemas a respeito do Hiperurânio que precisavam ser resolvidos. Ora, como no Mundo das Idéias há Idéias para todas as coisas, concluímos que lá há muliplicidade. Então:
- Como podem existir, no plano do supra-sensível, os seres “múltiplos”? Platão responde, no diálogo Parmênides, que, apesar de existir o Um (a unidade, a Idéia suprema, o princípio supremo), esse Um não existe sem os muitos assim como os muitos não existem sem o Um.
- Como pode existir, no plano supra-sensível, o “não-ser”? Platão responde, no diálogo Sofista, que o não-ser existe enquanto “alteridade” ou “diversidade”, ou seja, uma Idéia para “ser” deve “não ser” todas as outras Idéias.
Platão concebia o Mundo das Idéias como um sistema hierarquicamente organizado, até a Idéia que ocupa o vértice da hierarquia. Tal é a Idéia do Bem que, na República, Platão chamava de Um, o princípio supremo. Ao Um se contrapunha um segundo princípio, a Díade (dualidade).
Desses dois princípios Platão explica a totalidade da Idéia. O Um age sobre a multiplicidade ilimitada (as inúmeras Idéias) como princípio que limita e determina, isto é, como princípio formal (ou seja, essa forma, que é inteligível e não sensível, determina e delimita a matéria, que neste caso também é inteligível e não sensível). A Díade funciona como princípio que ilimita e indetermina, isto é, como substrato (ou, poderíamos dizer, princípio material, embora aqui temos de levar em conta que estamos no plano do inteligível, e não do sensível). Eis por que o Um é o Bem: enquanto a Díade indetermina e ilimita, o Um traz ordem e perfeição a tal multiplicidade ilimitada, dando a cada Idéia sua essência.
A partir desses dois supremos princípios (Um e Díade), Platão menciona, hierarquia abaixo, cinco Idéias mais gerais: Ser, Repouso, Movimento, Identidade, Diversidade. E depois seguem outras: Igualdade, Desigualdade, Semelhança, Dessemelhança etc. Elas são gerais porque nelas não estão implícitas as idéias menos gerais. Por exemplo, na Idéia de Ser não está implícita, necessariamente, a Idéia de Homem mas, em contrapartida, a Idéia de Homem tem de, necessariamente, estar implícita a Idéia de Ser.
Segundo Platão, os entes matemáticos (números, figuras geométricas etc.) ocupam o lugar mais baixo, em termos hierárquicos, do Hiperurânio.
Mais metafísica – Aristóteles
Aristóteles forneceu quatro definições de metafísica, todas harmônicas entre si:
Desses dois princípios Platão explica a totalidade da Idéia. O Um age sobre a multiplicidade ilimitada (as inúmeras Idéias) como princípio que limita e determina, isto é, como princípio formal (ou seja, essa forma, que é inteligível e não sensível, determina e delimita a matéria, que neste caso também é inteligível e não sensível). A Díade funciona como princípio que ilimita e indetermina, isto é, como substrato (ou, poderíamos dizer, princípio material, embora aqui temos de levar em conta que estamos no plano do inteligível, e não do sensível). Eis por que o Um é o Bem: enquanto a Díade indetermina e ilimita, o Um traz ordem e perfeição a tal multiplicidade ilimitada, dando a cada Idéia sua essência.
A partir desses dois supremos princípios (Um e Díade), Platão menciona, hierarquia abaixo, cinco Idéias mais gerais: Ser, Repouso, Movimento, Identidade, Diversidade. E depois seguem outras: Igualdade, Desigualdade, Semelhança, Dessemelhança etc. Elas são gerais porque nelas não estão implícitas as idéias menos gerais. Por exemplo, na Idéia de Ser não está implícita, necessariamente, a Idéia de Homem mas, em contrapartida, a Idéia de Homem tem de, necessariamente, estar implícita a Idéia de Ser.
Segundo Platão, os entes matemáticos (números, figuras geométricas etc.) ocupam o lugar mais baixo, em termos hierárquicos, do Hiperurânio.
Mais metafísica – Aristóteles
Aristóteles forneceu quatro definições de metafísica, todas harmônicas entre si:
- A metafísica indaga as causas e os princípios primeiros.
- A metafísica indaga o ser enquanto ser.
- A metafísica indaga a substância.
- A metefísica indaga Deus e a substância supra-sensível.
Na primeira definição, o mestre grego indaga sobre as causas primeiras. Mas quais são essas causas? Segundo Aristóteles, as causas são quatro:
- Causa formal. (Forma, eidos)
- Causa material. (Matéria, hylé)
- Causa eficiente.
- Causa final.
Se o mundo fosse totalmente estático, então as duas primeiras causas (forma e matéria) seriam suficientes para explicar a realidade. No entanto, como vivemos num mundo dinâmico (em movimento), as outras duas causas fazem-se necessárias. Por exemplo, um homem é sua forma (alma) e sua matéria (corpo). Mas, como ele é dinâmico, ou seja, alguém o gerou (causa eficiente), possui desejos e vontades (causa final)etc., então matéria e forma não mais bastam.
A segunda definição nos fala de ser. Mas o ser, Aristóteles nos ensina, possui múltiplos significados:
A segunda definição nos fala de ser. Mas o ser, Aristóteles nos ensina, possui múltiplos significados:
- O ser enquanto categorias. (Estudado pela metafísica).
- O ser enquanto ato e potência. (Estudado pela metafísica).
- O ser enquanto acidente. (Obviamente não há ciência que se preste a estuda-lo).
- O ser enquanto verdadeiro. (Estudado pela lógica).
O ser enquanto categorias são as divisões (gêneros) do ser: substância, qualidade, quantidade, relação, ação, paixão, lugar, tempo, ter e jazer. O ser enquanto ato e potência se dá em todas as categorias: a planta de trigo é trigo em potência, enquanto a espiga já madura é trigo em ato. O ser enquanto acidente é o ser casual, fortuito. O ser enquanto verdadeiro é aquele ser pensado pela mente humana, que conjuga na mente as coisas que estão conjugadas na realidade ou separa na mente as coisas que estão separadas na realidade.
Na terceira definição, Aristóteles indaga a substância. Mas o que é a substância? Segundo o Estagirita, a substância é composta de matéria (hylé) mas a matéria em si não é a substância porque a matéria é potencialidade indeterminada, sendo tal indeterminação eliminada pela forma (eidos). A forma seria, portanto, substância a pleno título. Mas o sinolo (o nome que Aristóteles dá ao conjunto de forma e matéria) não seria, também, substância a pleno título? Afinal, o sinolo reúne tanto o princípio material quanto formal.
Em Categorias, Aristóteles diz que o sinolo é a substância primeira. Na Metafísica, o mesmo Aristóteles ensina que a forma é a substância primeira. Equívoco do Filósofo? Não necessariamente. Em resumo, interpreta-se tal aparente dualidade entendendo-se que para nós, enquanto indivíduos, o concreto (sinolo, matéria+forma) é a substância por excelência; em si e por natureza, a forma é que é a substância por excelência.
Na quarta definição, Aristóteles se refere a Deus e à substância supra-sensível. Ora, há duas substâncias que são incorruptíveis: o tempo e o movimento. O tempo não foi gerado nem se corromperá, sendo eterno, e o movimento, tendo sido determinado pelo movimento, também é eterno.
Mas como um movimento eterno é possível? Por meio de um Princípio que seja causa dele. Esse Princípio tem de ser também eterno (porque o movimento o é), imóvel (para que possa mover o móvel, isto é, causar o movimento) e ato puro (porque se fosse potência poderia ser movimento por uma causa anterior). Esse Primeiro Motor, ou Ato Puro, move o mundo não de maneira propulsiva (caso contrário seria móvel), mas atrativa, enquanto causa final. Deus, o Ato Puro, atrai o mundo sem se mover.
E mais metafísica – Plotino
Plotino inicia seu raciocínio afirmando que todo ente é tal em virtude de sua “unidade”. Ora, há princípios de unidade em diversos níveis, mas todos pressupõem um princípio supremo, denominado por Plotino de Uno, concebido como sendo infinito. Plotino descobre o infinito na dimensão do imaterial e o caracteriza como potência produtora ilimitada. Assim, Plotino caracteriza o Uno de maneira negativa, e reserva as características positivas à linguagem analógica.
O Uno é causa de todo o resto. Mas por que há o Absoluto e por que ele é o que é? Porque o Uno é atividade auto-produtora, absoluta liberdade criadora, causa de si mesmo, aquilo que existe em si e para si, o “transcendente a si mesmo”.
Por que e como as outras coisas derivam do Uno? O Uno produz todas as coisas permanecendo firme, gerando aquilo que é inferior por não lhe servir. Assim é, por exemplo, no fogo: a) por um lado, há o calor concernente à sua essência; (b) por outro lado, há o calor que nasce derivado dessa essência. Assim, existe a) uma atividade do Uno, e existe b) uma atividade que deriva do Uno.
[J. Ferrater Mora: HIPÓSTASE. [...] Assim, “hipóstase” pode ser entendida como “verdadeira realidade”, “verdadeira ousía”. Diante das aparências, há realidades que se supõe existirem verdadeiramente, “por hipóstase”. [...] Plotino, por exemplo, chamava de “hipóstases” as três substâncias inteligíveis: o Uno, ou o “primeiro Deus”, dá origem, por contemplação, à segunda hipóstase, a Inteligência, e esta dá origem à terceira hipóstase ou Alma do mundo. ‘Gerar’ significa aqui, é claro, ‘emanar’. Os próprios princípios não se “movem”: como diz Plotino, “permanecem imóveis gerando hipóstases”. Cada uma das hipóstases ilumina a hipóstase inferior; por isso Plotino compara cada uma das três hipóstases com um tipo de luz: o Uno é comparável à própria “Luz”; a Inteligência, ao Sol; a Alma do mundo, à Lua.]
Da primeira hipóstase deriva a segunda, chamada de Nous ou Intelecto. Reale prefere chamar de Espírito. Como nasce o Espírito? A atividade que procede do Uno é como que uma potência informe (algo como “matéria inteligível”) que, para subsistir, deve a) voltar-se para a “contemplação” do princípio do qual derivou e fecundar-se ou preencher-se dele, e depois, b) deve voltar-se para si mesma e contemplar-se, plena e fecunda. Enquanto o Uno era a “potência de todas as coisas”, o Espírito torna-se “todas as coisas”. É o Pensamento por excelência, as Idéias de Platão.
[J. Ferrater Mora: PLOTINO. [...] O diverso nasce, por conseguinte, por causa de uma superabundância do Uno, como a luz se derrama sem sacrifício de si mesma. Esta relação do Uno com o diverso é, propriamente falando, uma emanação na qual o emanado tende constantemente a manter-se igual a seu modelo, a identificar-se com ele, como o mundo sensível tende a realizar em si mesmo os modelos originais e perfeitos das idéias. Do Uno, dessa suma unidade, transbordante e indefinível, nasce por emanação a segunda hipóstase, o Inteligível. Este já não é a absoluta indiferenciação que caracteriza o Uno, a unicidade absoluta anterior a todo ser, mas o Ser mesmo ou, como diz Plotino, a Inteligência (nous). [...] O Uno contempla o Inteligível que, por sua vez, é produto desta mesma contemplação.]
O Uno, se quiser criar um universo e um cosmos físico, deve fazer-se Alma. A Alma deriva do Espírito do mesmo modo como este deriva do Uno. Existe a) uma atividade do Espírito, e existe b) uma atividade que procede do Espírito. O resultado da atividade que procede do Espírito é a Alma. A natureza específica da Alma não consiste no puro pensar (senão, não se distinguiria do Espírito), mas sim no dar vida a todas as coisas que existem, ou seja, a todas as coisas sensíveis, ordenando-as, dirigindo-as e governando-as: “Quando a Alma olha o que está depois dela, então a Alma ordena, dirige e comanda isso”. Ela é a “última idéia”, ou seja, a última realidade inteligível. A Alma, assim, tem uma “posição intermediária” e, portanto, tem como que “duas faces”.
Para Plotino, há uma hierarquia de almas:
Na terceira definição, Aristóteles indaga a substância. Mas o que é a substância? Segundo o Estagirita, a substância é composta de matéria (hylé) mas a matéria em si não é a substância porque a matéria é potencialidade indeterminada, sendo tal indeterminação eliminada pela forma (eidos). A forma seria, portanto, substância a pleno título. Mas o sinolo (o nome que Aristóteles dá ao conjunto de forma e matéria) não seria, também, substância a pleno título? Afinal, o sinolo reúne tanto o princípio material quanto formal.
Em Categorias, Aristóteles diz que o sinolo é a substância primeira. Na Metafísica, o mesmo Aristóteles ensina que a forma é a substância primeira. Equívoco do Filósofo? Não necessariamente. Em resumo, interpreta-se tal aparente dualidade entendendo-se que para nós, enquanto indivíduos, o concreto (sinolo, matéria+forma) é a substância por excelência; em si e por natureza, a forma é que é a substância por excelência.
Na quarta definição, Aristóteles se refere a Deus e à substância supra-sensível. Ora, há duas substâncias que são incorruptíveis: o tempo e o movimento. O tempo não foi gerado nem se corromperá, sendo eterno, e o movimento, tendo sido determinado pelo movimento, também é eterno.
Mas como um movimento eterno é possível? Por meio de um Princípio que seja causa dele. Esse Princípio tem de ser também eterno (porque o movimento o é), imóvel (para que possa mover o móvel, isto é, causar o movimento) e ato puro (porque se fosse potência poderia ser movimento por uma causa anterior). Esse Primeiro Motor, ou Ato Puro, move o mundo não de maneira propulsiva (caso contrário seria móvel), mas atrativa, enquanto causa final. Deus, o Ato Puro, atrai o mundo sem se mover.
E mais metafísica – Plotino
Plotino inicia seu raciocínio afirmando que todo ente é tal em virtude de sua “unidade”. Ora, há princípios de unidade em diversos níveis, mas todos pressupõem um princípio supremo, denominado por Plotino de Uno, concebido como sendo infinito. Plotino descobre o infinito na dimensão do imaterial e o caracteriza como potência produtora ilimitada. Assim, Plotino caracteriza o Uno de maneira negativa, e reserva as características positivas à linguagem analógica.
O Uno é causa de todo o resto. Mas por que há o Absoluto e por que ele é o que é? Porque o Uno é atividade auto-produtora, absoluta liberdade criadora, causa de si mesmo, aquilo que existe em si e para si, o “transcendente a si mesmo”.
Por que e como as outras coisas derivam do Uno? O Uno produz todas as coisas permanecendo firme, gerando aquilo que é inferior por não lhe servir. Assim é, por exemplo, no fogo: a) por um lado, há o calor concernente à sua essência; (b) por outro lado, há o calor que nasce derivado dessa essência. Assim, existe a) uma atividade do Uno, e existe b) uma atividade que deriva do Uno.
[J. Ferrater Mora: HIPÓSTASE. [...] Assim, “hipóstase” pode ser entendida como “verdadeira realidade”, “verdadeira ousía”. Diante das aparências, há realidades que se supõe existirem verdadeiramente, “por hipóstase”. [...] Plotino, por exemplo, chamava de “hipóstases” as três substâncias inteligíveis: o Uno, ou o “primeiro Deus”, dá origem, por contemplação, à segunda hipóstase, a Inteligência, e esta dá origem à terceira hipóstase ou Alma do mundo. ‘Gerar’ significa aqui, é claro, ‘emanar’. Os próprios princípios não se “movem”: como diz Plotino, “permanecem imóveis gerando hipóstases”. Cada uma das hipóstases ilumina a hipóstase inferior; por isso Plotino compara cada uma das três hipóstases com um tipo de luz: o Uno é comparável à própria “Luz”; a Inteligência, ao Sol; a Alma do mundo, à Lua.]
Da primeira hipóstase deriva a segunda, chamada de Nous ou Intelecto. Reale prefere chamar de Espírito. Como nasce o Espírito? A atividade que procede do Uno é como que uma potência informe (algo como “matéria inteligível”) que, para subsistir, deve a) voltar-se para a “contemplação” do princípio do qual derivou e fecundar-se ou preencher-se dele, e depois, b) deve voltar-se para si mesma e contemplar-se, plena e fecunda. Enquanto o Uno era a “potência de todas as coisas”, o Espírito torna-se “todas as coisas”. É o Pensamento por excelência, as Idéias de Platão.
[J. Ferrater Mora: PLOTINO. [...] O diverso nasce, por conseguinte, por causa de uma superabundância do Uno, como a luz se derrama sem sacrifício de si mesma. Esta relação do Uno com o diverso é, propriamente falando, uma emanação na qual o emanado tende constantemente a manter-se igual a seu modelo, a identificar-se com ele, como o mundo sensível tende a realizar em si mesmo os modelos originais e perfeitos das idéias. Do Uno, dessa suma unidade, transbordante e indefinível, nasce por emanação a segunda hipóstase, o Inteligível. Este já não é a absoluta indiferenciação que caracteriza o Uno, a unicidade absoluta anterior a todo ser, mas o Ser mesmo ou, como diz Plotino, a Inteligência (nous). [...] O Uno contempla o Inteligível que, por sua vez, é produto desta mesma contemplação.]
O Uno, se quiser criar um universo e um cosmos físico, deve fazer-se Alma. A Alma deriva do Espírito do mesmo modo como este deriva do Uno. Existe a) uma atividade do Espírito, e existe b) uma atividade que procede do Espírito. O resultado da atividade que procede do Espírito é a Alma. A natureza específica da Alma não consiste no puro pensar (senão, não se distinguiria do Espírito), mas sim no dar vida a todas as coisas que existem, ou seja, a todas as coisas sensíveis, ordenando-as, dirigindo-as e governando-as: “Quando a Alma olha o que está depois dela, então a Alma ordena, dirige e comanda isso”. Ela é a “última idéia”, ou seja, a última realidade inteligível. A Alma, assim, tem uma “posição intermediária” e, portanto, tem como que “duas faces”.
Para Plotino, há uma hierarquia de almas:
- Alma Suprema. É a Alma como pura hipóstase.
- Alma do todo. É a Alma enquanto criadora do mundo e do universo físico.
- Almas particulares. São as Almas que “descem” para animar os corpos, astros e todos os seres vivos.
Mas por que a realidade não termina com o mundo incorpóreo, existindo ainda um mundo corpóreo? Como surgiu o sensível? A matéria sensível deriva de sua causa como possibilidade última, ou seja, como etapa extrema daquele processo em que a força produtora se enfraquece a ponto de exaurir-se. Desse modo, a matéria torna-se exaustão total e, portanto, privação extrema da potência do Uno, ou, em outros termos, privação do Bem. Nesse sentido, a matéria é “mal”: mas, no caso, o mal não é uma força negativa que se oponha ao positivo, mas simplesmente falta ou “privação” do positivo.
Mas por que as almas descem aos corpos? Plotino ensina que a alma deve descer aos corpos por uma necessidade ontológica. Ao mesmo tempo, diz que seria “melhor” que não descesse, pois a descida é uma espécie de “culpa” (uma espécie de “audácia” ou “temeridade”). Plotino distingue então duas espécies de “culpa” da alma:
Mas por que as almas descem aos corpos? Plotino ensina que a alma deve descer aos corpos por uma necessidade ontológica. Ao mesmo tempo, diz que seria “melhor” que não descesse, pois a descida é uma espécie de “culpa” (uma espécie de “audácia” ou “temeridade”). Plotino distingue então duas espécies de “culpa” da alma:
- A primeira culpa consiste na própria “descida”, que, enquanto é inelutável, é também involuntária.
- A segunda culpa diz respeito à alma que já tomou corpo, consistindo no excesso de cuidado com o próprio corpo, com tudo o que segue a isso, ou seja, o afastamento de suas próprias origens para pôr-se a serviço das coisas exteriores, esquecendo-se de si mesma. Este é o tipo que constitui o grande mal da alma, ou seja, o mal que a leva a esquecer-se de suas próprias origens.
Os destinos da alma consistem na reconjunção com o divino. Plotino sustenta que já nessa terra é possível realizar a separação do corpóreo e a reconjunção com o Uno.
[J. Ferrater Mora. HIPÓSTASE. [...] Indicou-se algumas vezes que o uso do conceito de hipóstase no sentido apontado aproxima a idéia platônica de hipóstase da cristã, especialmente quando se leva em conta o suposto paralelismo das duas “Trindades”: a trindade do Uno, da Inteligência e da Alma do mundo, e a do Pai, do Filho e do Espírito Santo. Todavia, as diferenças entre a noção de hipóstase, por um lado, e a concepção da Trindade, por outro, são tão consideráveis que é difícil, senão impossível, equipará-las. ]
[J. Ferrater Mora. HIPÓSTASE. [...] Indicou-se algumas vezes que o uso do conceito de hipóstase no sentido apontado aproxima a idéia platônica de hipóstase da cristã, especialmente quando se leva em conta o suposto paralelismo das duas “Trindades”: a trindade do Uno, da Inteligência e da Alma do mundo, e a do Pai, do Filho e do Espírito Santo. Todavia, as diferenças entre a noção de hipóstase, por um lado, e a concepção da Trindade, por outro, são tão consideráveis que é difícil, senão impossível, equipará-las. ]