16 de janeiro de 2013

Carta a um convertido



Prezado “João”,

Pelo que eu entendi, você está prestes a se tornar ortodoxo. Não sei nada sobre você a não ser o fato de que é inglês.

Antes de mais nada, há um ponto que eu gostaria de deixar claro. Não me disseram por que você quer se converter, mas eu lhe garanto que não faz o menor sentido se sua conversão for motivada por razões negativas. Você vai encontrar tantas coisas “erradas” (se não mais) na Ortodoxia quanto na Igreja Anglicana ou na Igreja Romana.

Portanto, o ponto principal aqui é: você está preparado para encarar mentiras, hipocrisias, maledicências etc. na Ortodoxia tanto quanto nas demais religiões ou denominações? Você está achando que vai encontrar uma espécie de paraíso na Terra, cheio de incensos e do tipo certo de música? Você acha que vai direto para o céu só porque faz o sinal da Cruz lentamente, com o devido cuidado e correção? Você tem um livro de culinária com todas as receitas dos autênticos pratos russos de Páscoa? Você já é um especialista em beijar três vezes em todas as ocasiões possíveis ou impróprias? Você consegue se prostrar com elegância, sem deixar cair papéis dos bolsos?

OU.....

Você leu os Evangelhos? Você já encarou o Cristo crucificado? Você esteve em espírito na Última Ceia – o sentido da Santa Comunhão?

E.....

Você está preparado, com toda a humildade, para entender que você nunca, jamais, nesta vida, saberá nada para além da Fé; que a Fé significa aceitar a Verdade sem prova. Fé e conhecimento são o píncaro da contradição – e a absorção última uma na outra. A Ortodoxia viva baseia-se no paradoxo, o qual é transmitido na adoração – pública e privada. Conhecemos porque cremos, cremos porque conhecemos.

Acima de tudo isso, você está preparado para aceitar que todas as coisas vêm de Deus?

Se o que importa é “ser feliz”, então por que a Crucificação? Você está preparado, não importa o que aconteça, a acreditar que de alguma forma, em algum lugar, isso faça sentido? Isso não significa aguentar as coisas passivamente, mas a eterna vigilância; acima de tudo, Amor.

Pobres, velhos, doentes, até nosso último suspiro, conseguimos amar. Não essa bobagem sentimental que chamam de amor, mas o amor sacrificial – a crucificação interior da ganância, da inveja, do orgulho.

E nunca confunda amor com sentimentalismo.

E nunca confunda adoração com afetação.

Seja humilde – ame, mesmo que seja difícil. Não essa coisa sentimental que chamam de amor. E não faça da adoração na igreja um jogo de cena!

Espero que alguma coisa do que disse faça sentido.

Atenciosamente,

Madre Tecla


Foto: Madre Tecla com seu filho espiritual, o compositor britânico Sir John Tavener.