2 de março de 2006

Seis Grandes Idéias

Eis um breve resumo da obra mais famosa de Mortimer J. Adler depois de How to Read a Book: Six Great Ideas. Inspirado numa série de palestras que o autor proferiu no Aspen Institute, Six Great Ideas é, ao lado de Aristotle for Everybody, um apanhado geral do pensamento deste filósofo americano. Maiores detalhes de sua filosofia podem ser encontrados em livros que tratam de certos temas específicos. Sua visão em política (bastante controversa), por exemplo, é aprofundada em Haves Without Have-Nots; sua visão em metafísica em How to Think About God, The Angels and Us, Intellect: Mind over Matter e Truth in Religion; sua visão em estética em Art, the Arts, and the Great Ideas; sua visão em ética em The Time of Our Lives; sua visão sobre a Filosofia em The Four Dimensions of Philosophy; e assim por diante.

Fiz o estudo em forma de perguntas e respostas, nem sempre respeitando a divisão original em capítulos. Como se trata de um resumo pessoal, boa parte do raciocínio de Adler não está explicitamente descrito, mas pode ser derivado a partir do que aqui está exposto.

Introdução Geral

O que o autor espera do leitor, ao final da leitura?

Espera-se que o leitor, ao final da leitura, tenha conhecimento dos diversos significados de cada idéia, sendo capaz de lidar melhor com as questões que se lhe apresentarem no dia-a-dia, indo além do elementar.

O que é uma “idéia”?

Uma idéia, no sentido utilizado por Adler, não é o conteúdo de nossos pensamentos, como quando dizemos “Tive uma idéia”. Uma idéia é um objeto de pensamento, algo sobre o qual todos podemos versar. Uma analogia poderá nos ajudar a entender isso: se alguém me ajuda a vestir uma jaqueta, ambos teremos impressões distintas dela; no entanto, mesmo assim, a jaqueta será uma e a mesma jaqueta para ambos, ou seja, será o mesmo objeto para ambos. É por isso que Platão estava certo ao afirmar que as idéias existem enquanto objetos. Mas, acredita Adler, Platão estava errado ao atribuí-las existência independente das mentes humanas. Ou seja, se eu paro de pensar sobre gatos, isso não quer dizer que a idéia de gato deixe de existir. Mas se todas as mentes do mundo pararem de pensar sobre gatos, então a idéia de gato não mais existirá.

Por que devemos estudar as grandes idéias?

Devemos estudar as grandes idéias porque elas fazem parte do vocabulário de todas as pessoas. Ao contrário do vocabulário de um especialista, que é recheado de termos técnicos e específicos, as grandes idéias são de uso comum, mesmo que em variados graus. Como a ciência que lida com as idéias é a Filosofia, segue-se que a Filosofia deveria ser do interesse de todos. Como a Filosofia não lida com objetos sensíveis ou imagináveis, não empreende pesquisas científico-investigativas, não precisa de dados provenientes de outras ciências para ser aplicada (como é o caso da Física, da Economia, da Matemática etc), todos estão, em princípio, aptos a estudá-la.

Quais as grandes idéias versadas pelo autor?

As idéias versadas pelo autor são estas:

· Verdade
· Bondade
· Beleza
· Liberdade
· Igualdade
· Justiça

Por que o autor escolheu especificamente estas idéias?

O autor escolheu estas idéias porque são elas, na maioria dos casos, que iluminam o entendimento sobre as outras grandes idéias. As primeiras três idéias, que são as principais, referem-se a idéias com as quais julgamos coisas e pessoas. Elas são necessárias, mesmo se vivêssemos sozinhas numa ilha deserta. As últimas três idéias referem-se a idéias com as quais julgamos e convivemos. Se vivêssemos sozinhos numa ilha deserta, seu estudo seria inútil.

1) Verdade

O que é verdade?

Há duas definições de verdade, que correspondem aos dois tipos de verdade:

I) Verdade discursiva. Verdade é quando o que se fala ser aquilo que se pensa. Por exemplo: "Acho que este é um bom livro". Se, apesar disso, penso que o livro é ruim, então estarei mentindo.

II) Verdade de pensamento. Verdade é quando o que se fala corresponder à realidade dos fatos e das coisas. Por exemplo: "Este livro tem 500 páginas". Se, apesar disso, o livro tiver na realidade apenas 242 páginas, então estarei mentindo.

Em suma, dizer a verdade é colocar os predicados ontológicos no lugar certo, isto é, dizer "é" quando é e "não é" quando não é.

É possível duvidar da existência da verdade?

Sim, é possível duvidar da existência da verdade. Há desde as formas extremas de ceticismo, como a do filósofo grego Pirro, até formas mais brandas de ceticismo, como a de David Hume. A forma extrema é facilmente dispensável, uma vez que se autocontradiz ao afirmar que nada é certo ou verdadeiro.

Os céticos brandos ou moderados podem ser divididos em três grupos:

I) Aqueles que pensam ser sempre saudável duvidar um pouco dos julgamentos a respeito do que é certo ou errado, ou do que é verdadeiro ou falso. Esta é a posição adotada por David Hume.

II) Aqueles que pensam que o que é verdade para mim pode não ser verdade para você. Chamamos tal posição de relativismo ou subjetivismo.

III) Aqueles que pensam que o que era verdade ontem pode não ser verdade hoje.

Das três posições acima, apenas a última é digna de ser adotada porque não nega, em si, a objetividade da verdade, mas apenas enfatiza sua porção subjetiva, que pode, sim, mudar. Por exemplo: a Terra nunca foi plana, apesar de agumas pessoas sustentarem essa opinião no passado. Sempre foi verdade que a Terra não é plana, ontem e hoje. Se não fosse pelo terceiro ceticismo, estaríamos até hoje convictos de que a Terra é plana. Este terceiro ceticismo, portanto, é saudável na medida em que nos faz lembrar de quão poucass afirmações podemos ter certeza absoluta.

Quando algo deixa de ser duvidoso e passa a ser certo? Quando acaba a dúvida e começa a certeza?

O critério para identificar aquilo que é conhecimento líquido e certo é o seguinte:

I) O julgamento estabelecido não pode ser questionado por novas evidências.

II) O julgamento estabelecido não pode ser questionado por novas reflexões, raciocínios etc.

Ou seja, a diferença entre os julgamentos práticos que fazemos no dia-a-dia e a certeza genuína é a finalidade (isto é, quando já chegou ao fim) e a incorrigibilidade do julgamento indubitável. Por isso, mesmo as ciências (Biologia, Psicologia etc.) não são conhecimento, no sentido forte do termo, porque têm futuro (cf. o terceiro ceticismo branco acima), isto é, podem ser questionadas e melhoradas.

Conhecimento strictu sensu são somente as chamadas verdades auto-evidentes ("triângulo não tem diagonal", por exemplo) e as evidências perceptuais (a percepção direta dos objetos ao nosso redor).

Quando algo é verdadeiro e objetivo e quando é apenas uma questão de gosto pessoal, subjetivo?

A esfera da verdade é aquela na qual não há intromissão de emoções, preferências pessoais e wishful thinking (p.ex.: Matemática, Biologia etc.). Nessa esfera, a correção de disputas e discórdias é uma obrigação, como diz o lema de veritate disputandum est. É uma esfera transcultural e global.

A esfera do gosto é aquela na qual está em jogo questões puramente pessoais (p.ex.: culinária, moda etc.). Sobre elas, não vale a pena discutir, como diz o lema de gustibus non diputandum est.

Nos casos específicos da Filosofia e da Religião, Adler acredita que ambas não são nem 100% questão de verdade nem 100% questão de gosto. A Filosofia, entende Adler, mostrou-se muito menos concorde ao longo dos anos do que a Matemática ou a Biologia. Tal elevado grau de irreconciliabilidade não permite que classifiquemos a Filosofia inteiramente como uma questão de verdade. Raciocínio semelhante vale para a Religião. Há algo, nessas duas áreas, que escapa à análise puramente racional. No caso da Religião, Adler dedicou um livro específico, a ser estudado em breve aqui.

2) Bondade

Qual a diferença entre verdade e bondade?

Enquanto "verdadeiro" e "falso" são termos que aplicamos ao conteúdo de nossas mentes estar de acordo com a realidade, os termos "bem" e "mal" (ou "bom" e "mau") são aplicados às coisas em relação a nossos desejos.

Mas pode uma afirmação prescritiva ("você deveria fazer isto, pois é bom, e não aquilo, pois é mau") ser classificada de verdadeira ou falsa?

Sim, as prescrições não são puramente subjetivas, isto é, puramente questão de gosto. Para entendermos o porquê, temos de ampliar o escopo do que é verdadeiro. Aristóteles ensina um outro modo de verdade: a conformidade do julgamento ao desejo certo. Esse modo é o que se aplica às prescrições.

O que é desejo certo?

Desejo certo é aquilo que temos de desejar. E o que temos de desejar são os bens reais, ou seja, aqueles que herdamos de nossa natureza humana, presente em todos os indivíduos (são os needs). Ao contrário, os bens aparentes são aqueles que adquirimos ao longo da vida, que são circunstanciais, pessoais, individuais (são os wants). Podemos até mesmo desejá-los, desde que não interfiram na aquisição dos bens reais.

Um dos needs dos homens é o conhecimento, por exemplo.

Quais são esses bens?

Para melhor entendermos quais são esses bens, é útil elaborarmos algumas outras classificações, além da divisão básica entre bens reais e bens aparentes já delineada.

I) Bens que desejamos ter: podem ser reais ou aparentes. Subdividem-se em:
a) Posses, como riquezas e amigos. São sempre externas ao indivíduo.
b) Perfeições, como saúde. São sempre internas ao indivíduo.
ou
c) Bens por escolha, como bons hábitos e conhecimento. São sempre internos ao indivíduo.
d) Bens por acaso, como boa criação, amigos e riquezas. São sempre externos, pelo menos em parte, e dependem de sorte.

II) Bens que desejamos fazer: são as ações que são boas para nós porque nos fazem aproximar de nossos needs (ou, pelo menos, beneficiam outras pessoas), cujos bens resultantes são sempre reais. Por exemplo, quando agimos com correção e justiça em sociedade.

III) Bens que desejamos ser: é a excelência de um bom homem. Um bom homem é aquele que alcançou as perfeições que preenchem suas potencialidades de ser humano, e contam com a participação dos bens que desejamos ter e fazer. São sempre bens reais. Os bens que desejamos ser são medidos em graus de existência, por meio da actualização de nossas potencialidades. Por exemplo, segundo Santo Agostinho, é melhor ser um rato do que uma pérola porque o rato pode actualizar e melhorar suas capacidades, enquanto a pérola não.

A quais bens devemos dar prioridade?

Devemos dar o menor nível de prioridade aos bens que não são bens em si, mas meios para se alcançar outros bens melhores. Neste patamar encontram-se todos os bens externos.

Devemos dar um nível intermediário de prioridade aos bens que tanto podem servir como meio para alcançar outros bens melhores como podem ser bens em si. Neste patamar encontram-se, por exemplo, riqueza e saúde.

Devemos dar o maior nível de prioridade aos bens que são bens em si. Neste patamar encontram-se as perfeições, como o conhecimento.

Qual o maior bem de todos?

Não há exatamente um maior bem de todos. O que há é um bem que engolba todos os outros bens da escala de bens exposta acima. Trata-se da felicidade. É importante notar:

(1) A felicidade não é um bem terminal e superior aos outros bens (isto é, não é o summum bonum), mas é a totalidade de todos os bens (totum bonum). É o bem, e não apenas um bem.

(2) A felicidade não é um bem que possa ser plenamente atingível em vida pois a felicidade se define como uma vida preenchida pelos bens reais que todos necessitamos, além dos bens aparentes que este ou aquele indivíduo possa querer. Sendo "uma vida", não é possível haver um momento na vida em que se possa dizer "agora sim sou feliz". Somente no além, conforme ensinam os religiosos, há um estado terminal de felicidade, como a desfrutada pelos santos na presença de Deus.

(3) A felicidade pode diferir de um indivíduo para outro por causa dos bens aparentes que decidam buscar. Lembre-se que os bens aparentes fazem parte da definição de felicidade.

(4) A felicidade não é ilusória. Embora não possamos alcançá-la em plenitude aqui, podemos desfrutar de um grau ou porção dela. Cada indivíduo, então, terá seu grau de felicidade.

Como alcançar a felicidade?

Como dizia Santo Agostinho, "Feliz é o homem que no decurso de uma vida completa tem tudo o que deseja, desde que não deseje nada de errado".

Isso quer dizer que há dois fatores indispensáveis na busca da felicidade: (a) hábitos de escolher aquilo que é compatível com o alvo certo (virtude moral) e (b) ser abençoado com sorte, isto é, com as circunstâncias externas que facilitem a obtenção dos bens reais e aparentes.

3) Beleza

O que é beleza?

Santo Tomás define a beleza como "aquilo que nos dá prazer ao ser visto". Comidas, bebidas e roupas também nos dão prazer, mas não ao serem vistos, portanto não são passíveis de serem belos. Kant ensina que o prazer que a beleza nos dá deve ser totalmente "desinteressada". Se nós desejamos possuir aquilo que nos dá prazer ao ser visto, então deixa de ser belo.

Vale lembrar que "ver" vem do latim visum, que tem o sentido de contemplar, de conhecimento mental. É o que ocorre quando dizemos: "Vejo que você tinha razão". Isso inclui, se nos detivermos na definição de beleza acima, as músicas, poemas, e até mesmo a beleza encontrada em demonstrações matemáticas.

Essa contemplação, Kant notara, está destituída de conceitos, ou seja, está restrita a aquele objeto individualmente, em si e por si.

Há algo de objetivo na beleza? Ou é ela toalmente subjetiva?

Vimos na resposta acima que a beleza é aquilo que nos dá prazer ao ser visto. É a chamada beleza desfrutável, subjetiva, que varia de indivíduo para indivíduo. Mas a beleza nem sempre é uma questão de gosto.

Há um outro tipo de beleza, que chamamos de beleza admirável. A diferença é que enquanto a beleza desfrutável é imediata, a beleza admirável é mediada pelo pensamento e depende do conhecimento. O admirável é aquilo que possui excelência ou perfeição intrínseca, cujas partes estão coerentemente em ordem, formando uma unidade proporcional e clara.

O admirável exige um gosto superior (mais ainda gosto) ao desfrutável. Um expert admira uma pintura e, por conseguinte, desfruta dela. Um leigo poderá não desfrutar dela porque lhe falta a educação e treino para tanto; ou até mesmo poderá desfrutar dela, mas sem saber por quê.

No entanto, o admirável está objetivamente ligado às propriedades intrínsecas do objeto. Ao contrário da beleza desfrutável, que está destituída de conceitos, a beleza admirável depende de conceitos, tipos e classes. É por isso que um connoisseur de quadros não pode ipso facto ser um connoisseur de cães ou pérolas.

Conclusão: há, sim, objetividade na beleza, mas é necessário um gosto superior, treinado, conceitual (subjetivo, portanto) por parte do observador para detectá-la e, assim, admirá-la.

4) Beleza, bondade, verdade

Qual a relação entre beleza, bondade e verdade?

A beleza admirável é um tipo de bondade. Conforme vimos, a bondade de algo é comensurável pelo grau de seu ser, pela capacidade de actualizar e desenvolver suas potencialidades. Lembremos que, a partir dessa constatação, é melhor ser um rato do que uma pérola.

Mas quando comparamos coisas de mesmo tipo ou espécie (duas rosas, por exemplo), elas também possuem seus respectivos graus de perfeição ou excelência intrínsecos. O grau de excelência admirável é seu grau de bondade enquanto exemplar ou espécie desse tipo. Se uma rosa admirável fosse tida como uma rosa ideal, ela possuiria todas as perfeições que uma rosa ideal teria.

A teologia nos explica esse tipo de bondade. A excelência existencial de uma rosa, medida pelo seu grau de ser, reflete a bondade existencial de Deus enquanto Ser Supremo. Essa bondade existencial leva a uma verdade existencial, também identicamente intrínseca na beleza admirável. A rosa ideal, então, possui um si verdade e beleza existenciais que refletem (ou estão em conformidade) como que é uma rosa ideal na mente de Deus.

5) Justiça, liberdade, igualdade

Qual a relação entre justiça, liberdade e igualdade?

Das três idéias que regulam nossas ações em sociedade, apenas a justiça é um bem ilimitado, isto é, nunca é um bem que possuímos em excesso.

A liberdade ilimitada, como querem os libertários, acaba produzindo desigualdade de condições.

A igualdade ilimitada, como querem os igualitários, acaba produzindo falta de liberdade individual.

A justiça regula esses excessos, permitindo o exercício da liberdade ao mesmo tempo que exige certo grau de liberdade de condições.

6) Liberdade

Quais os tipos de liberdade?

Há três tipos de liberdade:

I) Liberdade inerente à natureza humana (liberdade natural). É o chamado livre arbítrio ou livre escolha.

II) Liberdade associada à sabedoria e à virtude moral (liberdade adquirida). Às vezes é chamada de liberdade moral. A virtude consiste em habitualmente fazer aquilo que é certo, isto é, escolher os bens reais que temos de desejar. Nossas paixões e apetites geram wants em conflito com os needs, e portanto devem ser controlados.

III) Liberdade dependente de circunstâncias externas (liberdade circunstancial). Ela pode ser possuída em diferentes graus, ao contrário das outras duas, que ou se tem ou não se tem. Consiste em fazermos o que quisermos, não importa se moralmente for certo ou errado.

Esta última liberdade é a que precisa ser regulada pela justiça. Se a liberdade circunstancial for ilimitada, isto é, se eu puder fazer o que bem entender a qualquer hora, isso resultaria num estado de total anarquia, ou de autonomia ("eu sou a lei de mim mesmo"). Há, portanto, a necessidadde de certos limites serem impostos quanto à liberdade cinrcunstancial.

A lei justa comanda ações que devem ser seguidas e proíbe ações que não devem ser feitas. O homem virtuoso continuará, sob um governo justo, a fazer o que quiser, pois ele faz aquilo que a lei já permite e não faz aquilo que a lei já proíbe.

Aristóteles ensina que o homem virtuoso faz livremente aquilo que o criminoso faz por temor à lei. Uma lei injusta diminui a liberdade do homem virtuoso.

Como é uma sociedade justa, em relação à liberdade?

Numa sociedade justa, temos direitos que correspondem aos nossos needs (saúde, conhecimento etc.). Chamamos a esses direitos de direitos naturais.

Mas o homem, ao contrário das abelhas e formigas, não é um ser meramente gregário. Ele é também político. Isso quer dizer que não agimos baseados apenas em instintos, mas também no exercício do raciocínio. Ou seja, as sociedade humanas não são apenas naturais, mas são convencionais.

É por isso que Aristóteles dizia que o homem é um animal político. Por isso, um outro direito natural é o de liberdade política, com as exceções de praxe: doentes mentais, crianças e criminosos.

7) Igualdade

Quais são os tipos de igualdade?

Podemos abordar a igualdade de três modos ou dimensões.

I) a) Igualdade pessoal
- Igualdade natural (genética etc.)
- Igualdade adquirida ( treino, hábito, estudo etc.)

b) Igualdade circunstancial
- Igualdade de condições (todos são iguais diante da lei, p.ex.)
- Igualdade de oportunidade (todos começarem com a mesma riqueza, p.ex.)

II) a) Igualdade declarativa: é quando se diz que algo é ou não é igual. A igualdade declarativa é válida tanto para a igualdade pessoal quanto para a circunstancial.

b) Igualdade prescritiva: é quando se diz que algo deve ou não deve ser igual. A igualdade prescritiva vale apenas para a igualdade circunstancial, simplesmente por que não faz sentido para a igualdade pessoal. P.ex.: todos devem poder votar.

III) a) Igualdade de grau. P.ex.: numa democracia moderna, todos podem votar, mas alguns acabam tendo mais poder político do que outros (uns são funcionários públicos nomeados, outros são delegados de polícia, outros são deputados, senadores, governadores, presidentes etc.). Todos tem um mínimo de poder político, mas uns têm mais poder político do que outros. É a desiguadade de grau.

b) Igualdade de tipo. P.ex.: numa democracia antiga, nem todos podiam votar. Isso significa que havia entre o não-eleitor e o eleitor uma desigualdade política de tipo. Uns tinham um mínimo de poder político, mas outros não tinham nenhum.

Como é uma sociedade justa, em relação à igualdade?

À exemplo da liberdade, as igualdades a que temos direito devem ser deduzidas a partir da natureza humana, para que preencham os nossos needs.

Os homens são iguais em sua humanidade, ou seja, todos compartilham as mesmas características da espécie humana. Neste aspecto, são todos iguais em tipo.

Portanto, a todos os homens deve ser dado o direito igual e circunstancial em termos políticos e econômicos.

Direitos políticos: Todos têm direito à cidadania com sufrágio, garantindo a todos o direito à participação política. Como vimos, isso garante a todos um direito político igual em tipo, mas não em grau.

Direitos econômicos: Um mínimo de alimento, vestuário, habitação, escolarização (para preencher os needs de conhecimento e habilidade), saúde, tempo livre para lazer e divertimento.

Todos devem ser iguais em tipo e em grau?

Jamais. Vale ressaltar novamente que a justiça requer que todos tenham tais igualdades em tipo, não em grau.
Na esfera política, os homens com maior capacidade e talento se encarregariam de funções que lhes dariam maior poder político.

Na esfera econômica, os homens com maior capacidade e talento se encarregariam de fazer as maiores contribuições à produção de riquezas. Aqueles que contribuem mais têm, com justiça, direito a receber mais.

Na esfera política, é impossível que um homem consiga obter, legalmente, uma quantidade de poder político que chegue a ponto de diminuir (ou destruir) o mínimo de poder político (sufrágio) a que todos têm direito.

Na esfera econômica, as coisas não são assim: é legalmente possível que um ou mais homens obtenham tanta riqueza que chegue a ponto de destruir o mínimo de riqueza a que alguns homens tenham direito. Portanto, no caso da esfera econômica, um limite para o acúmulo de riquezas deve ser estabelecido.

Chamamos de democracia a justa distribuição de poder político. Chamamos de socialismo a justa distribuição de riquezas. Há duas alternativas para alcançar-se o socialismo: pelo comunismo (capitalismo de Estado) e pelo capitalismo socializado (mercado livre, com algumas poucas restrições). Ambos são tipos de welfare state. O comunismo é um meio errado para um fim certo. Segundo Adler, o ideal socialista só pode ser atingido pelo capitalismo de livre mercado.

8) Justiça

Quais os tipos de justiça?

Há dois domínios nos quais a justiça atua:

I) A justiça do indivíduo em relação aos outros indivíduos e ao Estado.

O indivíduo merece ser tratado (ou ele deve tratar) de maneira justa nestes casos: (a) em função de seus direitos naturais (needs), (b) em comparação a outros indivíduos que mereceram mais ou menos sob as mesmas condições (p.ex., é um injustiça quando uma medalha de honra deixa de ser concedida a um soldado mas foi concedida a outro, quando ambos estavam exatamente sob as mesmas condições), (c) agir para o bem comum, isto é, para promover a ordem pública e o Estado de Direito (p.ex., não cometer traição contra a nação, não subornar um funcionário com fins ilícitos etc.).

Repare que todas essas formas de justiça não obrigam o indivíduo a fazer o bem para os outros, mas apenas a fazer o que é devido ou meritório. Do contrário, seria amor, não justiça.

II) A justiça do Estado em relaçao ao indivíduo.

A forma justa de governo é uma república com sufrágio universal, que possua uma constituição que assegure os direitos políticos e econômicos a todos, isto é, uma república democrática e socialista.

Como a lei ganha autoridade?

A autoridade da legislação é derivada das pessoas que a fizeram serem autorizadas a legislar para o bem comum e na própria lei ser justa no cumprimento dos preceitos da justiça natural.

A lei deve, portanto, ter uma fonte autoritativa, isto é, que lhe confira autoridade. É claro que, além disso, a lei precisa da força para que seja cumprida. Afinal, como disse Alexander Hamilton, "Se os homens fossem anjos, o governo não seria necessário".

A posição acima apresentada é a posição naturalista, ou seja, de que a justiça dos direitos naturais precede (é anterior) à formulação da lei. A posição positivista, ao contrário, sustenta que a lei é que determina o que é e o que não é justo. Trata-se, segundo Adler, de um erro tipicamente moderno. Segundo a posição positivista, a lei não pode ser classificada de justa ou injusta, já que é a própria lei que dá a medida de justiça a todo o resto. A lei, para os positivistas, não é justa ou injusta; ela simplesmente é.

Há, é claro, certas convenções e regras (como as leis de trânsito, por exemplo), cuja justiça ou injustiça é conferida pela própria lei. São os casos de mala prohibita. Por exemplo, o fato de um carro trafegar na contramão é injusto apenas porque a lei assim o determina. Se a mão de direção tivesse sido alterada naquele mesmo instante, trafegar na contramão teria sido justo.

Roubar, estuprar, matar a esmo etc. são mala per se, ou seja, mesmo que a lei permitisse tais males, continuariam sendo injustos do mesmo jeito. Os positivistas, como se vê, são incapazes de distinguir entre mala prohibita e mala per se, reduzindo tudo a mala prohibita.