14 de julho de 2024

O único evento da minha vida


Pombas brancas voam sobre meu lago azul, como anjos brancos sobre o céu azul.  As pombas não seriam brancas nem o lago seria azul, se o grande sol não abrisse os olhos sobre elas.

Ó minha Mãe celestial, abre Teu olho em minha alma, para que eu possa ver o que é o quê - para que eu possa ver quem está habitando em minha alma e que tipo de frutos estão crescendo nela.

Sem o Teu olhar, vagueio desesperadamente pela minha alma como um viajante, na escuridão indistinguível da noite. E o viajante cai e se levanta, e o que encontra ao longo do caminho ele chama de “eventos”.

Tu és o único evento da minha vida, ó lâmpada da minha alma. Quando uma criança corre para os braços da mãe, os eventos não existem para ela. Quando uma noiva corre ao encontro do noivo, ela não vê as flores na campina, nem ouve o estrondo da tempestade, nem sente o cheiro da fragrância dos ciprestes ou sente o humor dos animais selvagens – ela vê apenas  o rosto do seu noivo; ela ouve apenas a música dos lábios dele; ela cheira apenas a alma dele. Quando o amor vai ao encontro do amor, nenhum evento acontece. O tempo e o espaço abrem caminho para o amor.

Andarilhos sem rumo e pessoas sem amor têm eventos e têm história. O amor não tem história e a história não tem amor.

Quando alguém desce ou sobe uma montanha sem saber para onde vai, os eventos lhe são impostos como se fossem o objetivo de sua jornada. Na verdade, os eventos são o objetivo dos que não têm objetivo e a história dos que não têm caminho.

Portanto, os sem objetivo e sem caminho são bloqueados pelos eventos e brigam com os eventos. Mas eu tranqüilamente corro até Ti, tanto subindo quanto descendo a montanha, e eventos desprezíveis furiosamente se afastam dos meus passos.

Se eu fosse uma pedra e estivesse rolando montanha abaixo, não pensaria nas pedras contra as quais estou batendo, mas no abismo no fundo da encosta íngreme.

Se eu fosse um riacho de montanha, não estaria pensando no meu percurso irregular, mas no lago que me esperava.

Verdadeiramente assustador é o abismo daqueles que estão apaixonados pelos eventos que os arrastam para baixo.

Ó Mãe celestial, meu único amor, liberta-me da escravidão dos eventos e faze-me teu escravo.

Ó dia esplendoroso, nasce em minha alma, para que eu possa ver o objetivo do meu tortuoso caminho.

Ó Sol dos sóis, único evento no universo que atrai meu coração, ilumina meu eu interior, para que eu veja quem ousou habitar ali além de Ti - para que eu possa erradicar dele todos os frutos que parecem doces por fora, mas cheiram podre por dentro.

Fonte: São Nicolau Velimirovich, Prayers by the lake, Oração XV

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Embora belíssimo, é inegável que o poema traz elementos gnósticos ligados ao Eterno Feminino. Deve ser lido, portanto, com a devida precaução.