Eis os verbetes
mais importantes do dicionário filosófico de Mortimer J. Adler, um dos últimos,
senão o último, livro publicado em sua longa e frutífera carreira. Deixei de lado a maioria dos verbetes relativos à filosofia moral, política e estética e concentrei-me mais nos termos metafísicos, epistemológicos e antropológicos, aos quais creio que Adler tem mais a contribuir.
* * *
ABSOLUTO E
RELATIVO
As palavras
"absoluto" e "relativo" são geralmente mal utilizadas.
Nesta época e no estado atual de nossa cultura, afirmar absolutos e afirmar que
nem tudo é relativo vai contra a opinião popular. A opinião popular é, em sua
maior parte, inculta. A diferença entre o que é absoluto e o que é relativo
precisa ser esclarecida.
Uma rápida consideração
da palavra "relativo" deve ajudar as pessoas a ver que o que é
relativo é chamado assim porque está em relação a certas condições ou
circunstâncias.
O absoluto é
aquilo que não está em relação a quaisquer condições ou circunstâncias.
Prevalece em qualquer momento ou lugar e sob quaisquer circunstâncias. Assim,
por exemplo, a verdade de que os átomos são divisíveis ou fissionáveis é
absoluta, mas o julgamento que podemos fazer de que essa afirmação é verdadeira
ou falsa é relativo ao tempo e ao local em que é feita.
Durante a
maior parte dos séculos passados, os maiores cientistas da Física teriam dito
que, se os átomos existem, eles são indivisíveis. Em relação ao tempo e lugar
em que esse julgamento foi feito, e ao conhecimento disponível naquele momento,
o julgamento tinha uma verdade relativa, mas ainda é absolutamente verdadeiro,
em todos os tempos e lugares, que os átomos são divisíveis ou fissionáveis.
A distinção
entre objetivo e subjetivo tem certa relação com absoluto e relativo e pode ser
levada em conta aqui. Objetivo é aquilo que é o mesmo para você e para mim e
para qualquer outro ser humano. Subjetivo é aquilo que difere de uma pessoa
para outra. O objetivo é absoluto; o subjetivo é relativo aos seres humanos
individuais.
Finalmente,
essas duas distinções (entre o absoluto e o relativo, e entre o objetivo e o
subjetivo) trazem à mente uma terceira distinção – entre questões de verdade e
questões de gosto. Aquilo que pertence à esfera do gosto e não da verdade
inclui tudo o que é relativo às circunstâncias de diferentes tempos e lugares.
As questões de gosto são aquelas que diferem de cultura para cultura e de um
grupo étnico para outro, como modos de saudação e preferências na culinária, na
dança, nos costumes. Mas se algo é absolutamente verdadeiro quando considerado
sem qualquer julgamento humano, como a divisibilidade ou fissionabilidade dos
átomos, essa verdade é transcultural.
Atualmente,
a matemática, as ciências físicas e a tecnologia são transculturais. Se cogitamos
que a história, as ciências sociais e a filosofia se tornarão transculturais no
futuro, depende de como as vemos agora – como corpos de conhecimento ou como
questões de opinião infundada.
* * *
ABSTRATO E
CONCRETO
As palavras
"abstrato" e "concreto" são usadas livremente na fala
cotidiana. Termos concretos são logicamente aqueles termos que se referem a
particulares sensíveis. Um particular é um indivíduo que é de um certo tipo; e
ser de um certo tipo é ser membro de uma classe. Os particulares sensíveis são
apreendidos ao mesmo tempo pela percepção sensorial e pelo intelecto, a menos
que sejamos cegos conceitualmente. Então estes são apreendidos apenas pelos
sentidos.
Tal
cegueira conceitual ocorre quando a coisa individual sensível é apreendida por
uma esfera da percepção sensorial e não por outra, como quando aquilo que é
percebido não é compreendido de forma alguma. Por exemplo, uma pessoa que é
conceitualmente cega em seu sentido do tato pode ser capaz de identificar o
objeto pelo olfato. Isso acontece quando uma pessoa não consegue identificar o
tipo de objeto ao tocá-lo, mas pode fazê-lo ao cheirá-lo. Quando é apenas
tocado por essa pessoa, o sensível individual é um indivíduo bruto, talvez de
alguma forma familiar, como já tendo sido tocado antes, mas sem uma identidade,
um nome.
Quando não
somos conceitualmente cegos, os termos "flor" ou "lápis"
nomeiam certas coisas que são percebidas e também compreendidas como sendo de
um certo tipo. A apreensão humana difere radicalmente da apreensão puramente
sensível de animais brutos que não têm intelecto. Para eles, o mundo consiste
em indivíduos brutos. Não podemos imaginar como o mundo dos objetos sensíveis
lhes parece.
Na
apreensão humana, que é tanto sensível quanto intelectual, o objeto abstrato do
pensamento é aquele que não pode ser instanciado. Chamamos de abstrato o objeto
do pensamento se não podemos dar exemplos particulares dele que sejam
sensíveis.
Palavras
como "liberdade" ou "justiça" nomeiam objetos de pensamento
que não podem ser instanciados pela percepção. Eles são, portanto, abstratos em
sua significação referencial.
Em resumo,
termos concretos são aqueles que podem ser exemplificados ou instanciados
perceptualmente; termos abstratos são aqueles que não podem ser exemplificados
ou instanciados perceptualmente. Eles se referem a objetos que são puramente
objetos de pensamento conceitual.
* * *
ANALÓGICO,
UNÍVOCO, EQUÍVOCO
As palavras
"analógico", "unívoco" e "equívoco" geralmente
não são usadas. Mas elas têm grande importância filosófica. Os filósofos se
preocupam com os diferentes sentidos em que atribuímos características a uma
série de coisas; gramaticalmente, eles se preocupam com as diferentes maneiras
pelas quais aplicamos um predicado a dois ou mais sujeitos.
Para a
maioria das pessoas, a única distinção com lhes preocupa é entre o unívoco e o
equívoco. Elas raramente estão conscientes de que estão dizendo algo
analogicamente. A única coisa que deve ficar clara para nós é que todos
precisamos estar cientes de que às vezes falamos de uma maneira que não é
unívoca nem equívoca, especialmente se nos aventuramos a falar sobre Deus e
suas criaturas, ou sobre coisas materiais e espirituais.
Falamos
univocamente quando, ao nomear as coisas, usamos uma palavra com exatamente o
mesmo significado. Se em um campo de vacas usamos a palavra "vaca" no
plural para nomear esta vaca, aquela vaca e todas as outras vacas que podemos
ver, estamos usando a palavra "vaca" exatamente no mesmo sentido toda
vez que a usamos. Da mesma forma, se chamarmos todas as vacas de animais,
estamos usando essa palavra no mesmo sentido quando a usamos para caracterizar
todas as vacas.
O equívoco
é de dois tipos: equívoco por acaso e equívoco por intenção. A equivocação por
acaso ocorre com pouca frequência no uso cotidiano da linguagem. Acontece
quando a mesma palavra é usada para nomear duas coisas que não têm nada em
comum - que não são semelhantes em nenhum aspecto. Que uma e a mesma palavra
deva ter uma ambiguidade tão estranha pode frequentemente ser explicada em
termos da história da língua, mas às vezes nenhuma explicação pode ser
encontrada.
Por
exemplo, a palavra pen em inglês é utilizada de forma equívoca por acaso
quando é utilizada para designar, por um lado, um recinto para porcos e, por
outro lado, um instrumento de escrita. Da mesma forma, a palavra ball em
inglês é usada equivocadamente por acaso quando é usada para nomear uma bola de
futebol ou uma bola de basquete, e também usada para nomear uma festividade
onde um grupo de pessoas será encontrado dançando.
O equívoco
intencional ocorre quando uma pessoa usa uma palavra em seu sentido literal,
por um lado, e em sentido figurado, por outro. Quando o imperador russo era
chamado de pai de seu povo, a palavra "pai" era usada em sentido
figurado. O imperador se relacionava com o povo russo de uma maneira que se
comparava às relações entre um pai, que é um progenitor biológico, e sua
descendência.
Palavras
usadas em sentido metafórico são geralmente palavras usadas de forma equívoca
por intenção. Toda metáfora é um símile condensado. Chamar o imperador russo de
pai do povo russo é dizer que ele se relaciona com eles como um progenitor
biológico de sua progênie.
Já disse
que falamos analogicamente de uma maneira que não é nem unívoca nem equívoca -
usando uma palavra nem no mesmo sentido, nem em sentidos diferentes, quando os
sentidos são relacionados (como no equívoco por intenção) ou não relacionados
(como no equívoco por acaso). No entanto, à primeira vista, o que estou
chamando de discurso analógico parece um pouco com equívoco por acaso.
Certamente não é um discurso unívoco.
O exemplo
que Aristóteles dá para a fala analógica envolve a mesma palavra aplicada a
objetos dos diferentes sentidos. Pegue a palavra "agudo". Falamos de
ponta aguda quando a nitidez está na esfera do tato. Falamos de som agudo
quando a nitidez está no campo auditivo; e de uma luz aguda quando está no
campo visual.
Nestes três
casos, estamos usando a palavra "agudo" de uma maneira que parece
equívoca; mas não é, porque os diferentes sentidos de "agudo" quando
usamos a palavra nessas três maneiras derivam das diferenças entre os sujeitos
dos quais predicamos "agudo". Além disso — e esta é a marca
distintiva do analógico — achamos impossível dizer o que é comum a esses três
usos do predicado "agudo". Não podemos especificar qual é a agudeza
que torna apropriado falar de uma ponta aguda, de um som agudo e de uma luz aguda.
A
importância deste ponto deve ser clara para as pessoas que falam de Deus e dos
seres humanos e outras criaturas de Deus. Reconhecemos que não estamos usando a
palavra "existe" no mesmo sentido quando dizemos que nós e outras
coisas existimos e que Deus existe; mas não podemos especificar a diferença
entre o modo de ser de Deus e o nosso modo de ser exceto negativamente. Sabemos
que não é o mesmo.
Sabemos que
no sentido em que Deus existe, nós não existimos; e no sentido em que
existimos, Deus não existe. A palavra "existe" é usada analogicamente
para Deus e as criaturas de Deus. Da mesma forma, a palavra "sabe" é
usada analogicamente quando dizemos que sabemos e que Deus sabe. A diferença
entre os dois significados de uma palavra usada analogicamente é como a
diferença entre duas palavras usadas equivocamente, mas aqui o equívoco não é
por intenção nem por acaso. É derivado da diferença entre os dois sujeitos aos
quais a palavra é aplicada.
Passando da
teologia para a filosofia, usamos a palavra "generalização"
analogicamente, se falamos do tipo de generalização que ocorre na esfera da
inteligência animal ou perceptiva e na esfera da inteligência humana ou
conceitual. Se os animais brutos não têm intelecto e os seres humanos têm,
então se alguma vez usarmos a palavra "conceito" para o que está na
mente dos animais e o que está na mente humana, quando tanto os animais quanto
os seres humanos resolvem problemas pensando, nós estamos usando as palavras
"conceito" e "pensamento" nem unívoca nem equivocadamente,
mas analogicamente.
* * *
SER
A palavra
"ser" é uma compreensão daquilo que no século XX se identifica com a
realidade.
O que
significa a palavra "real"? A esfera do real é definida como a esfera
da existência totalmente independente da mente humana. A conhecida distinção
entre aparência e realidade chama nossa atenção para o fato de que às vezes há
uma diferença entre a maneira como as coisas nos parecem e a maneira como elas
realmente são – a característica que elas têm independentemente de nossa
cognição delas.
Immanuel
Kant estava correto ao pensar que a história da filosofia seria dividida em
dois períodos — antes e depois de Kant. Nos dois mil anos ou mais antes da
revolução copernicana de Kant na filosofia, ninguém questionou a existência de
uma realidade independente e, exceto alguns céticos extremos, ninguém duvidou
que a realidade fosse cognoscível e inteligível. A partir de Kant, esse
realismo deixa de prevalecer e, pela primeira vez, toma seu lugar o que se
poderia chamar de "idealismo ontológico". Antes de Kant, nenhum outro
filósofo era idealista. O idealismo é um erro peculiarmente moderno, amplamente
prevalente hoje e que devemos a Kant.
Este não é
o lugar para explicar como Kant cometeu esse erro, exceto para dizer que não
teria ocorrido a ele se ele não pensasse que a física de Newton e a geometria
de Euclides representavam a verdade absoluta e, portanto, precisavam ser
defendidas contra os ataques de Hume. Basta dizer que, agora que Einstein
suplantou Newton e agora que temos geometrias não-euclidianas, a tentativa de
Kant de proteger as teorias de Euclides e Newton resultou numa teoria
engenhosamente elaborada de como a estrutura inata da mente humana impõe à
nossa experiência a forma de espaço que é euclidiano e o tipo de causalidade
que explica a mecânica celeste de Newton. Mas não passa de um artifício
engenhoso e pode ser descartado por não ser mais necessário ou sustentável.
Kant não
nega a existência da realidade. A coisa em si – o Ding an sich – existe,
mas é incognoscível. Sendo independente da mente humana, está fora de toda
experiência possível, que recebe sua forma e todas as suas características pela
mente humana.
No período
anterior a Kant, a teoria do ser extraía seus termos principais da Metafísica
de Aristóteles e do De Ente et Essentia (Do Ser e da Essência) de Tomás
de Aquino. Nos dias atuais, sendo os principais filósofos idealistas em vez de
realistas, estamos preocupados principalmente com a forma como as coisas
parecem ser em oposição à forma como elas realmente são.
Somos,
portanto, chamados a enfrentar um problema que Sir Arthur Eddington nos
apresenta no capítulo inicial de suas Gifford Lectures on The Nature of the
Physical World. A mesa à sua frente, diz ele, é sólida e impenetrável para
as mãos que nela se apoiam. Mas ele nos diz que, do ponto de vista físico, não
passa de um campo de espaço vazio, um vazio no qual as partículas elementares
se movem com grande velocidade.
Como pode a
mesma mesa ser o que parece ser para nossa percepção sensorial comum e o que
realmente é de acordo com a teoria física? Vou resumir minha solução do
problema. As partículas elementares existem realmente apenas quando existem em
um cíclotron, não quando são organizadas como constituintes de todas as coisas
físicas que são objetos da percepção sensorial. No último caso, as partículas
elementares estão presentes apenas virtualmente, e essa existência virtual pode
ser transformada em existência real apenas destruindo a coisa física na qual
elas estão virtualmente presentes.
Desde Kant,
os filósofos tentaram em vão provar a existência real do mundo externo - o
mundo fora de nossas mentes. Uma compreensão correta da percepção mostra por
que tais esforços são vãos e desnecessários. Com exceção do ato mental da
percepção, todos os outros atos da mente, como imaginação, memória e concepção,
nos apresentam objetos sobre os quais devemos perguntar se, além de serem
objetos da mente, eles também existem na realidade. Mas, salvo no caso da
percepção, não podemos separar o fato de termos o objeto perceptivo diante de
nossas mentes da afirmação de que ele também existe realmente.
Se assim
não fosse, não haveria distinção entre alucinação e percepção. A alucinação é
patológica. A percepção normal é sempre a percepção de algo que existe na
realidade. Se não afirmamos que o objeto perceptivo também existe realmente
como uma coisa perceptível, não podemos dizer que o estamos percebendo. Nenhuma
prova de um mundo exterior é necessária.
A
existência tem três modalidades. A primeira é a existência real, existência
independente da mente humana e não afetada por ela. A segunda modalidade é a
existência subjetiva. O conteúdo da mente humana, suas sensações, percepções,
imagens, memórias e conceitos, que existem em sua mente e na minha. Já que você
e eu realmente existimos, a existência subjetiva também é uma forma de
existência real.
Existe uma
terceira modalidade — um terceiro modo de existência que não é nem totalmente
independente da mente humana nem totalmente dependente da mente individual.
Este terceiro modo é a existência de todos os objetos da mente humana, exceto
objetos perceptivos. Além dos objetos perceptivos, devemos sempre perguntar se
eles têm existência real, bem como existência objetiva, isto é, existência como
objetos intencionados, os objetos que a mente humana intenciona ou significa.
Este
terceiro modo de existência é um meio termo entre a existência real e a
existência subjetiva. A existência real é a existência independente da mente; é
a existência que as coisas físicas tinham antes que houvesse seres humanos na
terra. A existência intencional não é independente da mente humana, mas também
não depende da existência de qualquer mente individual, como é a existência
subjetiva.
Objetos que
existem para duas ou mais mentes, objetos que podem discutir entre si, têm
existência intencional. Se não houvesse mentes na terra, não haveria objetos
que tivessem existência intencional. Para resumir esse meio-termo entre a
existência real e a existência mental, ele consiste em (1) não ser dependente
dos atos de nenhuma mente humana particular, e nesse aspecto difere da
existência subjetiva, e (2) não ser independente da mente humana em geral, e
nesse aspecto difere da existência real. É um modo de existência que depende da
existência e da operação de algumas mentes individuais.
Outra
distinção com a qual devemos lidar é aquela entre ser e devir, entre o ser
mutável de todas as coisas sujeitas à mudança e o ser imutável daquilo que é
atemporal e imutável. É eterno aquilo que está além do tempo e da mudança. No âmbito
da mudança e do tempo, os eventos passados existem apenas como objetos relembrados,
e os eventos futuros existem apenas como objetos imaginados.
Aqui
devemos levar em conta os seres necessários e contingentes; e entre os seres
contingentes, alguns estão sujeitos à transformação, como o ser humano quando
um indivíduo morre e se transforma em pó e cinzas. Um ser contingente pode ser
radicalmente contingente; apenas o cosmos como um todo é radicalmente
contingente. O cosmos pode ter um caráter diferente; e é evidentemente
verdadeiro que aquilo que é capaz de ser de outra forma também é capaz de não
ser de forma alguma - de ser substituído pelo ermo e vazio, pelo nada.
Finalmente,
devemos considerar as distinções entre o possível e o impossível. O impossível é
aquilo que é incapaz de ser. Na esfera do possível, devemos ainda distinguir
entre entia reale e entia rationis. Os entia rationis são
ficções da mente, coisas como sereias, centauros e unicórnios, e também
personagens fictícios como Antígona e Hamlet.
Deveríamos
ficar chocados com a afirmação ousada e errônea de Stephen Hawking de que o que
não é mensurável pelo físico não existe na realidade. No mesmo livro em que o
professor Hawking faz essa afirmação, ele também se refere com frequência à
mente de Deus, que certamente não é mensurável pelo físico. Ou ele está se
referindo a algo que não tem realidade, ou está errado ao dizer que aqueles
aspectos do tempo que não são mensuráveis pelo físico não têm realidade.
* * *
MUDANÇA
A palavra
"mudança" é um sinônimo para a palavra "devir" e um
antônimo para a palavra "ser". No verbete SER, discuto a antítese
entre o mutável e o imutável, o âmbito do mutável e o âmbito do imutável ou
permanente. Nem tudo que é imutável é eterno ou atemporal, como Deus é.
As coisas
que surgem e desaparecem têm um ser permanente na medida que estão sujeitas a
todas as formas de mudança acidental, como mudança de lugar, mudança de
qualidade e mudança de quantidade. Por exemplo, a maçã que amadurece na árvore
iluminada pelo sol é, a cada momento, a mesma maçã, caso contrário não se
poderia dizer que é um objeto idêntico que muda de cor ou tamanho.
Isso leva à
distinção entre mudança substancial e mudança acidental. O nascimento e morte
de organismos animais é uma mudança substancial; seus movimentos de um lugar
para outro, suas mudanças em qualidade e quantidade, são mudanças acidentais.
Aquilo que
muda substancialmente ao surgir e desaparecer não muda de ser para não-ser. A
mudança substancial é antes uma alteração no modo de ser, uma espécie de
transformação, como quando um organismo vivo se torna um cadáver em
decomposição. No cosmos físico nada passa absolutamente; nada viola as leis da
conservação.
Quando se
diz que Deus cria ex nihilo, o nada ou o não-ser absoluto é o
antecedente do cosmos criado. Mas quando os organismos animais procriam, sua
descendência é gerada a partir de sementes preexistentes. (Sobre este ponto,
veja o verbeto SER).
A
importância desse ponto é que, se o cosmos deixasse de existir, a consequência
dessa mudança seria o nada ou o não-ser absoluto. Essa mudança radical não é
uma transformação do ser, como é o cadáver em decomposição. É a negação do ser.
* * *
CLASSES,
TIPOS
No século
XX usamos duas palavras para aquilo que na Idade Média era chamado de universais.
Em vez de dizer que todo nome comum no vocabulário do inglês ou de outras
línguas europeias significa um universal, dizemos que significa uma classe ou tipo.
Essa nomenclatura vale não apenas para substantivos, mas também para adjetivos
e adverbios.
A pergunta
óbvia é: como tais universais – classes ou tipos – existem? Indivíduos, coisas
particulares ou eventos que percebemos, imaginamos ou lembramos, existem no mundo
físico. Eles são representados por todos os nomes próprios que usamos ou
quando, no lugar de um nome próprio, como "George Washington", aplicamos
uma descrição definida, como "o primeiro presidente dos Estados
Unidos". A resposta à questão colocada é, em primeiro lugar, negativa.
Classes ou tipos não têm existência real, o tipo de existência que você e eu
temos. Eles não têm existência mental - a existência em nossas mentes de
conteúdo mental cognitivo (que nos tempos modernos usamos mal a palavra "ideia"
para designá-la).
Positivamente,
então, devemos dizer que eles têm existência objetiva ou intencional. (Veja o
verbete SER). Eles existem como objetos da mente, não como itens na
mente. Eles existem para quaisquer dois seres humanos que tenham diante de suas
mentes um objeto sobre o qual possam versar.
Nos tempos
modernos, nos escritos de George Berkeley e David Hume, a existência objetiva
ou intencional de tipos ou classes é negada; e também negada é a existência
mental do que Berkeley e Hume chamaram de "ideias abstratas". Para
eles, apenas as palavras têm significado geral, aplicável a dois ou mais
indivíduos que possuem alguma característica ou traço em comum. Esse erro da
parte deles é chamado de "nominalismo". (Veja o verbete NOMINALISMO).
* * *
COGNIÇÃO
A palavra
"cognição" refere-se ao conteúdo da mente por meio do qual conhecemos
ou entendemos o mundo ao nosso redor. Mas os conteúdos da mente não são todos
cognitivos.
Exemplos de
conteúdos mentais não cognitivos são nossas sensações corporais, nossas dores e
sofrimentos, bem como nossas emoções e sentimentos. Estamos diretamente cientes
desse conteúdo mental não cognitivo. Uma dor de dente não é id quo, mas id
quod - algo que apreendemos diretamente, e não aquilo por meio do qual mantemos
algum objeto diante de nossas mentes.
Esta
definição levanta uma questão sobre se podemos conversar com os outros sobre
nossas dores e sofrimentos. O dentista com quem falo sobre minha dor de dente
não tem experiência dela. É só minha. Posso descrevê-la para ele e ele pode
entender minhas palavras, mas não pode senti-la.
Se a
comunicação implica em versar acerca de um objeto em comum, então minha
conversa com meu dentista sobre minha dor de dente é comunicativa? A rigor, a
resposta é não. Mas se meu dentista já teve dor de dente, ele pode
imaginar como é uma dor de dente enquanto falo sobre a dor de dente que estou
sentindo agora. Nessa medida, podemos nos comunicar mesmo que a dor de dente
não seja o mesmo objeto para nós dois.
* * *
CONTEMPLAÇÃO
No Livro X de
sua Ética, Aristóteles compara a vida ativa com a vida contemplativa, e
declara que a vida do filósofo é superior porque é contemplativa.
Esta
declaração, parece-me, é um erro platônico da parte de Aristóteles. Para
Aristóteles, o fim último é a felicidade, o totum bonum ou bem completo
– todas as coisas que são realmente boas para os seres humanos. O telos
ou fim último deve ser o mesmo para todos os membros da espécie. O bonum
commune bominis deve ser alcançável em diferentes graus por todos os seres
humanos. Não pode ser um fim que deva ser perseguido por alguns, mas não por
todos.
Se o fim
último é o mesmo para todos os seres humanos, qual é o maior dos bens que o
compõem? No totum bonum, qual é o summum bonum - o bem maior
entre todos os bens reais que compõem o totum bonum?
A resposta
não pode ser a contemplação em primeiro lugar porque somente Deus é o objeto
apropriado da contemplação; e, em segundo lugar, porque poder contemplar Deus é
em si um dom da graça divina.
Nesta vida
e fora da religião, a forma secular de contemplação ocorre quando os seres
humanos contemplam coisas belas, seja na natureza ou em obras de arte. A
contemplação do belo é, por analogia, a contraparte secular da contemplação
religiosa na terra e da visão beatífica no céu.
Qual é,
então, o bem maior, do qual todos os seres humanos podem participar em vários
graus? É a atividade intelectual, o pensamento discursivo, o trabalho que é autocompensador.
O intelecto é o maior poder do homem, e o bom uso dele é o maior bem.
O bom uso
do intelecto resulta em aprendizado, e todas as atividades pelas quais
aprendemos e crescemos intelectualmente são atos de puro lazer - não labuta,
nem trabalho de subsistência de qualquer tipo, a menos que seja mesclado com
lazer, não jogo ou diversão, mas trabalho que é genuinamente criativo. Uma vida
desprovida de lazer não é uma boa vida. É o lazer, não a contemplação, que é o
bem maior.
* * *
EMOÇÃO
Na tradição
do pensamento ocidental, a palavra "emoção" é geralmente
mal-empregada como sinônimo de sentimento e intuição - em geral, para afetos.
Estes não são, em termos neurológicos e fisiológicos, emoções.
A Retórica
de Aristóteles contém uma longa lista de emoções irascíveis e concupiscíveis em
pares, cada uma com seu oposto, como amor e ódio ou alegria e tristeza. Uma
classificação e agrupamento semelhantes são adotados por Tomás de Aquino em sua
Summa Theologica. Outras listas são apresentadas por Benedict Spinoza em
sua Ética, Livro IV, onde são chamadas de paixões e são tratadas em
relação à escravidão e liberdade humanas. Também podemos encontrar listas de
emoções ou paixões em Francis Bacon, Thomas Hobbes e John Locke, e posteriormente
em escritos de psicólogos empíricos britânicos, David Hume, George Berkeley e
J. S. Mill.
Uma lista
muito curta de emoções é apresentada na psicologia de William James, onde ele
homenageia o professor C. Lange, um fisiologista dinamarquês, por sua
contribuição a uma teoria das emoções que veio a ser conhecida como teoria de
James-Lange.
De acordo
com essa teoria, as emoções são alterações corporais e viscerais generalizadas
que são controladas pelo sistema nervoso simpático. Essa comoção neurológica e
fisiológica generalizada inclui fenômenos como dilatação pupilar, alterações no
sistema respiratório e no sistema psicogalvânico (eletricidade na epiderme),
presença de adrenalina na corrente sanguínea e alterações na pulsação cardíaca.
Esse complexo estado de mudanças, ocorrendo simultaneamente e acompanhado de
movimentos corporais de ataque e fuga, constitui uma emoção propriamente dita.
Com duas
exceções, todas as emoções são semelhantes em seus componentes viscerais,
diferindo apenas nas ações corporais de ataque e fuga. Raiva ou fúria é uma
delas, e susto ou medo é outra. São semelhantes visceralmente, mas se
diferenciam nos atos de ataque e fuga que acompanham a mesma comoção visceral.
Duas
exceções são o luto, por um lado, e o orgasmo sexual, por outro. Esses dois não
têm opostos. Não há emoção de alegria ou de amor. A maioria das chamadas
emoções (listadas e reunidas por filósofos como Aristóteles, Tomás de Aquino,
Spinoza e os psicólogos empíricos britânicos, até chegarmos à psicologia de
William James e à teoria das emoções de James-Lange) são sentimentos brandos,
sentimentos ou afetos que não contêm componentes fisiológicos, neurológicos ou
viscerais.
Tenho pouca
esperança de que as pessoas em geral desistam de compor longas listas de
emoções que enchem as páginas da literatura. Essas listas pertencem à poesia,
não à fisiologia e à neurologia científicas. A melhor palavra a ser usada para
os estados psicológicos a que se referem é a palavra "sentimento".
Os
sentimentos representam o aspecto não racional da natureza humana, o aspecto da
natureza humana que os seres humanos compartilham com outros animais. O conflito humano entre a razão e as
paixões que é discutido aflige os seres humanos porque eles são como os outros
animais, por um lado, e diferentes deles, por outro. A teoria das emoções de
James-Lange aplica-se tanto aos animais inferiores quanto aos seres humanos,
como sabe qualquer um que tenha observado um gato sibilante e feroz ou um
coelho assustado.
* * *
ETERNIDADE
Esta
palavra tem dois significados que nunca devem ser esquecidos. A maioria das
pessoas usa a palavra na linguagem comum para se referir ao tempo sem começo
nem fim — tempo perpétuo ou infindável. Nesse sentido da palavra, não se pode
dizer que Deus é eterno, pois Deus não está no tempo e, portanto, não está
sujeito à mudança ou mutabilidade que caracteriza todas as coisas no tempo.
O segundo
significado de eterno é estar fora do tempo. O ser eterno está além de nossa
capacidade de imaginar ou conceber em termos positivos. Nosso único sentido do
eterno nesse sentido do termo é negativo - a negação do tempo. Mesmo que
pensemos que podemos imaginar Deus, não podemos imaginar Sua eternidade.
O eterno é
como o imaterial no sentido de que só pode ser apreendido por nós em termos
negativos — o que não é. A maioria das pessoas usa a palavra
"espiritual" como sinônimo de "imaterial", mas esquece que
o único significado que pode atribuir a essa palavra é negativo, não positivo.
O espiritual é simplesmente aquilo que não é material. Assim, também, o eterno
é simplesmente aquilo que não está no tempo. O eterno é o imutável.
* * *
FELICIDADE
As palavras
que geralmente são mal utilizadas na fala cotidiana são como a maioria das
palavras que o filósofo não pode deixar de usar porque nomeiam grandes ideias
ou aspectos delas. Em alguns casos, outra palavra pode ser introduzida para
remediar a ambiguidade. A palavra "felicidade" é um excelente
exemplo.
Existe, por
um lado, o significado puramente psicológico de "felicidade" quando
essa palavra é usada para se referir à satisfação ou contentamento que um
indivíduo sente em conseguir o que deseja. Nesse sentido, pode-se sentir feliz
um dia e não sentir-se feliz no dia seguinte, mas em ambos os sentidos, o
indivíduo está relatando um sentimento subjetivo vivenciado. O ponto principal
a ser lembrado aqui é que, em seus significados psicológicos, felicidade e
infelicidade são sentimentos passíveis de experiência. Não é esse o caso quando
chegamos ao significado ético ou moral da palavra.
Em seu
significado ético ou moral, a palavra "felicidade" refere-se a uma
vida bem vivida, toda uma vida que é moralmente boa porque é o produto da
virtude (ou o hábito do desejo correto) acompanhada pelas bênçãos da boa
fortuna.
Nesse
sentido da palavra, felicidade não é algo que sentimos ou experimentamos. Em
nenhum momento ou período de tempo a felicidade neste sentido pode ser sentida
ou experimentada. Durante a vida de uma pessoa, ela pode estar no caminho da
felicidade, pode ser descrita como se tornando feliz, mas não se pode
dizer que ela é feliz. Somente quando sua vida terminar, outra pessoa,
comentando sobre sua vida, poderá declarar que você viveu uma vida boa e
pode ser descrito como uma pessoa que alcançou a felicidade.
A
felicidade no céu e fora do tempo é experimentada na eternidade e é
experimentada por aqueles que desfrutam da visão beatífica.
* * *
HONRA
As pessoas
geralmente usam a palavra "honra" fora do contexto da virtude moral.
Como resultado, muitas vezes confundem honra com fama.
Uma pessoa
virtuosa é uma pessoa honrada, uma pessoa que deve ser honrada pela comunidade
em que vive. Mas a pessoa virtuosa não busca honra, estando segura de seu
respeito próprio. A falta de honra não diminui a eficácia da virtude moral como
fator operativo na busca da felicidade – como meio de levar uma boa vida
humana.
Pessoas
virtuosas podem ser consideradas afortunadas se sua virtude for reconhecida e
aplaudida publicamente. Ser homenageado por sua virtude é um presente fruto da boa
sorte e, como outros presentes do destino, não ser honrado não é um grande
obstáculo para viver bem, como o seriam a pobreza, a perda da liberdade ou a
perda da saúde.
Esses
outros bens do destino são desejados com razão por pessoas virtuosas, que os
reconhecem como bens não inteiramente dentro de seu próprio poder de alcançar,
como o é a própria virtude moral. Embora esta afirmação também seja verdadeira
para a honra, as pessoas virtuosas podem gostar de ser honradas enquanto ainda
estão vivas, em vez de depois de mortas; mas elas não têm nenhuma obrigação
moral de procurá-la. Elas podem se sentir desonradas se outras pessoas não lhes
derem o respeito em consonância seu próprio respeito próprio.
A
distribuição pública de honrarias (como, por exemplo, aquela feita pela rainha da
Inglaterra) é considerada um dos principais problemas da justiça distributiva.
Para aqueles que sustentam que honra e fama são distintas em princípio, a
justiça não exige que a fama seja proporcional à posse da virtude moral.
Pessoas
carentes de virtude moral podem alcançar a fama tão prontamente quanto, ou
talvez mais facilmente, do que aqueles que possuem um alto grau de virtude
moral. A fama pertence aos grandes, aos notáveis, aos excepcionais,
independentemente de suas virtudes ou vícios. A infâmia é fama assim como boa
reputação. O grande canalha pode ser tão famoso quanto o grande herói. Pode
haver vilões famosos, assim como santos famosos. Presente na reputação que uma
pessoa tem, independentemente de suas realizações, a fama não mancha como a
honra quando é imerecida.
Normalmente
desejamos a estima de nossos semelhantes, mas esse desejo pela estima alheia não
seria um desejo de fama em vez de honra? Pessoas virtuosas não buscarão fama ou
serão infelizes por falta dela, pois a fama pode ser desfrutada tanto por
homens e mulheres maus quanto por bons. Quando é usufruída por pessoas
virtuosas sem ser procurada por elas, não se distingue da honra, pois então é
merecida.
Em um
governo constitucional, aqueles que ocupam cargos públicos exercem mais poder
do que os cidadãos comuns que não são eleitos ou nomeados para administrar o
governo. Mas tal poder é investido nos cargos políticos que ocupam, conforme
definido pela Constituição, não neles pessoalmente. É apenas o poder pessoal
sobre os outros, disputado em empreendimentos mundanos, que é um objeto de
desejo errado e que nenhuma pessoa virtuosa buscaria. O Príncipe, de
Maquiavel, estabelece as regras pelas quais esse tipo de desejo errado pode ser
alcançado.
* * *
IDEIA
Esta é uma
palavra tão importante no vocabulário filosófico que tenho que repetir aqui
algumas das coisas do verbete COGNIÇÃO.
No mundo
antigo, foi Platão, e não Aristóteles, quem usou a palavra "ideias"
para significar objetos inteligíveis do entendimento. Ele estava correto ao
considerar as ideias como objetos inteligíveis, mas incorreto ao afirmar que as
ideias existem na realidade para além de existirem na mente humana como objetos
do pensamento conceitual.
Nesse
ponto, Aristóteles corrigiu o erro de Platão ao cunhar a palavra
"conceito" para o conteúdo mental que intenciona ou significa ideias
como objetos intencionais. Foi Aristóteles e, depois dele, Tomás de Aquino quem
explicitamente distinguiu entre aquilo que o intelecto compreende e aquilo
pelo qual ele alcança tal entendimento.
Essa
distinção entre o id quod (aquilo que) e o id quo (aquilo pelo
qual) de nossos atos intelectuais nos impede de dizer que nossos conceitos são aquilo
que estamos conscientes ou cientes quando entendemos ideias. Não poderíamos
estar cientes dos conceitos em nossas mentes e também, ao mesmo tempo,
estar cientes de seus objetos inteligíveis. Se fôssemos, não poderíamos
distingui-los, o que significaria que não poderíamos afirmar que tais objetos
existem e são compartilhados por outras mentes.
Essa
distinção aristotélica e tomista entre o id quod e o id quo de
nossos atos intelectuais de compreensão foi completamente perdida no mundo
moderno, começando com Thomas Hobbes e Descartes, e especialmente com o
nominalismo de George Berkeley, David Hume e John Locke.
A tradição
da psicologia empírica britânica e também da psicologia alemã e francesa usava
a palavra "ideias" para o que não eram ideias. Nessa tradição moderna
até os dias atuais, a palavra "ideia" significa o conteúdo sensorial
da mente humana - suas sensações, percepções, memórias e imagens. Todo esse
conteúdo sensorial foi tratado como aquilo de que temos consciência quando
estamos engajados no pensamento.
Essa
compreensão levantou o problema insolúvel de como poderia haver existências
reais como objetos de pensamento. Uma vã tentativa de resolver este problema
consistiu em considerar os conteúdos sensoriais em nossas mentes como
representações de existências reais.
Se eles não
podem ser considerados assim, o próximo passo é o ceticismo completo. Se os
conteúdos sensoriais de nossas mentes, as tais ideias, não pudessem ser
consideradas como representações da realidade, então não poderíamos ter contato
com uma realidade independente de nossas mentes.
Kant,
falhando em corrigir os erros de Hume, afirmou existências reais, coisas em
si mesmas, mas também afirmou que elas são incognoscíveis por nós. A partir
dessa época, no mundo moderno, o maior de todos os erros filosóficos modernos
foi gerado - o erro do idealismo, negando que haja qualquer realidade
cognoscível independente de nossa mente. Nenhum filósofo antigo ou medieval foi
idealista nesse sentido da palavra.
Finalmente,
Berkeley e Hume eram nominalistas. Negavam a existência do que chamavam de
"ideias abstratas". Todos os substantivos comuns no vocabulário da
fala cotidiana têm significado geral, referindo-se a coisas que são iguais em
espécie. Berkeley e Hume tentaram explicar como isso era possível na ausência
de qualquer conteúdo intelectual na mente humana — na ausência de quaisquer
atos de pensamento conceitual e de ideias abstratas como objetos inteligíveis.
Ao fazer
isso, os nominalistas se contradizem sem perceber. O nominalismo deve ser
rejeitado como autocontraditório.
* * *
INFINITO
O
significado matemático da palavra "infinito" é tão bem conhecido que
há uma tendência a ignorar ou negligenciar seu significado metafísico; mas é o
último que é de primordial importância na teologia filosófica. Entre os
atributos negativos do ser supremo está a infinitude de Deus. O ser supremo não
é apenas eterno (não temporal) e imaterial, mas também infinito.
Em
matemática, lidamos com infinitos potenciais. Por exemplo, a série de números
inteiros é infinita. Para qualquer número inteiro, não importa quão grande,
outro número inteiro pode ser adicionado. Entre quaisquer dois números inteiros
existe uma série infinita de frações. Não há par de frações tão pequenas que
frações menores não possam ser encontradas. Este infinito potencial é o
infinitesimal. Chamar esses dois infinitos de potenciais é dizer que a adição
ou divisão pode continuar indefinidamente. Não existe um número realmente infinito.
Quando
dizemos do ser supremo que Deus é realmente infinito, como nenhuma coisa
física é, nem mesmo todo o cosmos físico, temos um significado bem diferente da
palavra "infinito" em mente. Uma coisa difere em espécie de coisas de
outra espécie. Cada um pertence a uma classe que exclui outras classes. Cada um
carece dos traços que o diferenciam de outros indivíduos dentro da classe da
qual ambos são membros.
A finitude
de todas as coisas do cosmos físico é revelada pelos traços ou propriedades que
lhe faltam. Mas o ser supremo é único. Existe apenas um ser supremo.
Deus não é membro de nenhuma classe que exclua outras classes; e Deus não é um
indivíduo diferente de outros indivíduos, todos os quais são membros de uma
determinada classe. Isso é o que queremos dizer quando dizemos que Deus não é
finito. Sua existência é ilimitada.
* * *
CONHECIMENTO
Ter
conhecimento consiste em possuir a verdade. O falso conhecimento é impossível.
Não se pode dizer "eu sei" e acrescentar "mas o que sei é falso
ou incorreto".
Existem
dois modos de verdade - teórico e prático. A verdade teórica é a verdade
descritiva. Temos essa verdade quando nossos julgamentos se ajustam à realidade
— uma realidade que independe de nossas mentes. Temos a verdade prática quando
nossos julgamentos sobre o que deve ser buscado ou o que deve ser feito estão
de acordo com o desejo correto.
A dicotomia
entre verdadeiro e falso é exaustiva apenas quando suspendemos o julgamento e
consideramos uma proposição sem fazer julgamentos. Nossos julgamentos podem ser
prováveis ou improváveis. Eles possuem certeza apenas quando não há sombra de
dúvida. Caso contrário, são altamente prováveis quando estão além de qualquer
dúvida razoável; têm menor grau de probabilidade quando, em determinado
momento, são sustentados por razões e evidências que apenas fazem pender a
balança a seu favor.
As
principais divisões no campo do conhecimento são (1) o conhecimento do senso
comum, (2) o conhecimento obtido pela pesquisa científica e histórica e (3) o
conhecimento da realidade que é filosófico – o conhecimento que é metafísico ou
moral, o conhecimento que é obtido sem pesquisa e investigação, por meio da
reflexão racional sobre o senso comum e a experiência comum.
A exemplo do
conhecimento filosófico, a matemática resulta do puro pensamento. Mas os
objetos do pensamento matemático não são questões de fato. A verdade matemática
não é uma verdade factual.
Estou
inclinado a dizer que o matemático tem uma compreensão clara e coerente dos
objetos com os quais a matemática lida, ou carece de tal compreensão. Os
julgamentos do matemático são verdadeiros ou falsos, corretos ou incorretos,
claros ou não claros. Eles nunca são mais ou menos prováveis. Os problemas
matemáticos ou são solucionáveis com certeza, ou são indecidíveis.
Existem
duas dimensões nas quais o filósofo não possui conhecimento metafísico ou
moral, mas sim entendimento filosófico. Uma delas é a consideração das ideias
como objetos inteligíveis. Nunca devemos dizer que os filósofos conhecem
objetos como a verdade, o bem e o mal e a beleza, mas sim que eles entendem
esses objetos inteligíveis – esses objetos do pensamento.
Esse
entendimento pode ser claro ou obscuro, adequado ou inadequado, mas nunca é
verdadeiro ou falso. Além da compreensão de objetos inteligíveis, os filósofos
podem ter uma compreensão clara e adequada de várias disciplinas intelectuais,
como a filosofia da matemática, a filosofia da ciência e a filosofia da
história.
Essa
distinção entre conhecimento e entendimento está de acordo com a análise
aristotélica das virtudes intelectuais. O que chamamos de conhecimento ele
trata como ciência, distinguindo-o do entendimento e da sabedoria, que é o
entendimento dos primeiros princípios e dos fins últimos.
* * *
LINGUAGEM
Ao usar a
palavra "linguagem", temos em mente as línguas humanas que são
naturais e convencionais, como inglês, francês, alemão e sueco. São naturais no
sentido de que o ser humano nasce com a potencialidade de falar e de
aprendê-las; são convencionais no sentido de que as diferentes sociedades nas
quais os seres humanos são criados determinam as línguas que eles aprendem e
falam.
Além dessas
linguagens naturais, existem as linguagens especiais que os seres humanos
concebem ou inventam, como a linguagem de uma partitura musical ou coreográfica
e a linguagem das artes visuais. Essas são linguagens não-verbais, e as notações
significativas nelas deveriam ser chamadas de símbolos em vez de signos.
Considere a
linguagem da música. O que significam os símbolos não verbais de uma partitura
musical? As notas em uma partitura musical designam os sons a serem tocados em
vários instrumentos ou os sons a serem ouvidos por qualquer pessoa que saiba ler
a partitura.
Essa
distinção chama a atenção para a diferença entre signos designativos (nomes em
uma linguagem verbal) e os símbolos em uma linguagem não-verbal, como a música.
Mas há outra dimensão de significado. Além da significação designativa, existem
signos ou símbolos que funcionam como sinais.
Por
exemplo, algumas nuvens no céu significam a probabilidade de chuva; ver fumaça
no céu indica um incêndio invisível. Esses fenômenos naturais são entendidos
por nós como tendo o significado de sinais. Quando usamos palavras em vez de
símbolos, o "grito de fogo" em um cinema sinaliza uma combustão
invisível. Quando o cozinheiro de um acampamento grita da varanda: "Comam,
venham pegar", esse imperativo verbal funciona como um sinal, não como um
designador. Os gritos naturais dos animais sinalizam o comportamento que outros
animais podem esperar deles ou são avisados para adotarem.
Somente os
seres humanos possuem linguagens naturais com signos designativos ou
nominativos que significam os objetos do pensamento conceitual em oposição ao
pensamento perceptivo; assim, apenas os seres humanos têm uma linguagem
sintática. No laboratório, outros animais que vivem no mundo do pensamento
perceptivo podem ser treinados para aprender o significado de um pequeno
vocabulário de signos designativos. Na natureza, sem intervenção humana, os
outros animais não se comunicam por meio de sinais designativos, mas apenas por
sinais.
O bebê
humano aprende uma linguagem natural de duas maneiras. Uma delas é aprendendo o
significado das palavras que nomeiam ou designam objetos perceptualmente
presentes. A outra é por descrição verbal. Quando uma criança ouve a palavra
"jardim de infância" pela primeira vez, ela pode perguntar: "O
que é jardim de infância?" Ele ou ela aprende o significado dessa palavra
ao ouvir que um jardim de infância é um lugar onde as crianças pequenas vão e
aprendem a brincar umas com as outras.
Esta é a
base para dizer que apenas os seres humanos têm uma linguagem verbal que lhes
permite comunicar uns com os outros não apenas sobre os objetos do pensamento
perceptivo e conceitual, mas também sobre objetos que não podem ser percebidos
ou imaginados, como verdade, bondade e beleza; liberdade, igualdade e justiça.
* * *
HOMEM
Quando
usamos a palavra "homem" não para o gênero masculino ou membro
masculino da espécie humana, mas para todos os membros da espécie, devemos
assumir uma posição que responda a estas perguntas:
1. O homem
é diferente em tipo ou apenas em grau dos animais, especialmente dos outros
mamíferos?
2. Se é diferente
em tipo, não em grau, essa diferença é superficial e, portanto, redutível a uma
diferença de grau, ou é radical e irredutível?
Duas entidades
diferem em grau se ambas têm as mesmas características definidoras, mas uma tem
mais e a outra menos da mesma característica.
Uma
diferença superficial de tipo entre duas coisas torna-se uma diferença de grau
por meio de uma análise mais aprofundada da diferença entre elas. Então, a
diferença superficial de tipo será apenas uma diferença aparente, não real, de tipo.
Considere,
por exemplo, os três estados da matéria: o sólido em oposição ao líquido e o
estado gasoso. No estado sólido, podemos andar sobre a água, mas não no estado
líquido. Isso parece ser uma diferença de tipo entre o estado sólido da matéria
e o estado líquido. Mas quando descobrimos que esses dois estados da matéria
são redutíveis à velocidade com que as moléculas de água e de gelo estão em
movimento, aprendemos que a diferença de tipo entre a água e o gelo é apenas
uma diferença no grau da velocidade de partículas moleculares. É apenas
superficialmente uma diferença de tipo e é realmente redutível a uma diferença
de grau.
O mesmo se
aplica à diferença superficial de natureza entre a matéria em seu estado
líquido e a matéria em seu estado gasoso. Parece ser uma diferença de tipo:
podemos tomar um copo de água, mas não podemos tomar um copo de vapor d’água.
Quando a
diferença de tipo não pode assim ser reduzida a uma diferença de grau, ela
permanece uma diferença de tipo. A mente humana intelectual tem propriedades
que não podem ser reduzidas a uma diferença de grau das mentes de outros
mamíferos. A diferença de tipo é radical, não superficial, é real, não
aparente.
Afirmar que
a diferença entre a mente humana e a mente de outros mamíferos é uma diferença
radical de tipo é afirmar que a mente humana tem poderes intelectuais que as
mentes dos animais não têm. A mente de outros mamíferos pode ser explicada em
termos materiais, ao passo que a faculdade intelectual da mente humana não.
Isso não significa que se possa negar que compartilhamos outras faculdades mentais
com os animais, que, como nós, operam no mundo do pensamento perceptivo - o
mundo das coisas que estão presentes na percepção, o mundo da sensação,
imaginação e memória.
Além disso,
a mente humana opera no mundo do pensamento conceitual, onde lida com objetos
que não estão perceptivamente presentes, nem poderiam estar. Essa habilidade o
torna radicalmente diferente em tipo.
* * *
MATÉRIA
A palavra
"matéria" tem um significado totalmente diferente na filosofia antiga
e medieval daquele que tem na física moderna.
Na física
moderna, seu significado usual reside em frases como "matéria e
energia". De fato, a matéria é uma forma de energia e pode ser
transformada nela pela fórmula E = mc2 onde c é a velocidade constante da luz.
Na teoria quântica, especialmente na eletrodinâmica quântica (QED), a matéria
obedece às leis da física de partículas.
Na
filosofia aristotélica, a palavra "matéria" significa potencialidade.
Potencialidade pura, sem realidade, não pode existir. A matéria existente, ou o
que tem sido chamado de materia signata (“matéria assinalada”), é
formada por uma potencialidade um tanto actualizada. Deus é pura realidade
porque Deus é totalmente imaterial. A palavra grega para forma sem matéria, ou
realidade pura, é energeia, da qual deriva a palavra inglesa [e portuguesa]
"energia".
Na fala
cotidiana, a palavra "matéria" costuma ser usada para designar de que
são feitas as coisas físicas. A causa material na produção artística é a
matéria transformada. A causa formal é a forma na mente do artista, que ele ou
ela usa ao tentar transformar a matéria moldando-a de uma maneira ou de outra.
Em outras palavras, a causa material é a materia signata – uma
potencialidade já atualizada e, portanto, limitada – que o artista transforma
ao actualizar as potencialidades limitadas da matéria.
No processo
de alimentação, envolvendo ingestão, digestão e absorção, a matéria envolvida é
uma potencialidade definida que é actualizada no processo de absorção tornando-se
actualmente semelhante ao corpo da pessoa que come o alimento.
No processo
de reprodução, o código genético contido na molécula de DNA determina todas as
potencialidades herdadas do corpo da prole. Elas são actualizadas no processo
de crescimento e desenvolvimento.
Se estou
correto em minha teoria da imaterialidade do intelecto humano, é uma actualidade
e não uma potencialidade e, portanto, não pode ser determinada geneticamente.
No entanto, as capacidades intelectuais parecem ser herdadas. Isso é um
mistério.
* * *
MEMÓRIA E
IMAGINAÇÃO
Juntamente
com a percepção, a memória e a imaginação nomeiam os principais poderes
sensitivos. Muitas de nossas memórias são verbais e implementam todos os
processos do pensamento, tanto o pensamento perceptivo quanto o conceitual.
Quando
nossas memórias não são verbais, aquilo de que nos lembramos recorda eventos ou
ocasiões passadas. O passado, que não existe mais, torna-se presente para nós
na lembrança. Na verdade, temos um passado inexistente presente em nossas
mentes.
A
imaginação também apresenta à nossa mente objetos que na verdade não existem. É
o poder pelo qual exploramos o reino do possível. Quando nossos sentidos
cooperam com nosso intelecto e não somos conceitualmente cegos, podemos
imaginar objetos que podem existir em algum momento futuro, ou que são meramente
invenções ou ficções de nossa imaginação. Eles são inteligíveis para nós,
embora os entendamos como construídos por nós, como sereias e centauros.
A
imaginação intelectual enriquece a experiência humana dando-nos o poder de
lidar com objetos que não são acessíveis a outros animais. O mundo em que os
animais vivem é limitado ao que é perceptivamente presente ou lembrado.
Os
personagens da ficção narrativa são nossas próprias construções imaginativas.
Júlio César, por exemplo, conforme descrito nas Vidas de Plutarco, pode
ser lembrado por nós, mas Júlio César, um personagem de uma peça de
Shakespeare, é nossa própria construção imaginativa. Existe apenas em nossa
imaginação. É uma ficção mental.
As memórias
verbais não persistem por longos períodos. Elas são logo esquecidas, embora
possam ser revividas. Não há memória puramente intelectual. Em vez disso, o
intelecto forma hábitos. Quando adquirimos o hábito do entendimento, ele retém
o que outrora entendemos. Esse hábito do entendimento é fortalecido e reforçado
pelo exercício do hábito.
* * *
METAFÍSICA
"Metafísica"
é uma palavra que os editores de Aristóteles inventaram para dar nome aos
livros que ele escreveu depois de seus livros sobre física. Esses últimos
livros tratam dos modos de ser ou existência, da realidade que independe de
nossas mentes e é imaterial ou não física. Ao contrário da matemática, a
metafísica não lida com objetos ideais abstraídos do reino das coisas físicas.
Trata do imaterial, como Deus e o intelecto humano. Aristóteles às vezes se
refere a ela como teologia e hoje a chamaríamos de teologia filosófica.
No século
XIX, algo chamado positivismo surgiu nos escritos de Auguste Comte. Para ele,
somente as ciências empíricas positivas nos dão conhecimento da realidade. Para
ele, religião e filosofia eram o jargão de uma época passada.
O
positivismo foi desenvolvido no século XX pelo círculo vienense de autores
antimetafísicos. Mais tarde, tornou-se a posição conhecida como
"positivismo lógico". Sem qualquer compreensão do que significava chamar
o livro de Metafísica, os positivistas lógicos descartaram a discussão
metafísica como sendo mero mau uso da linguagem.
Hoje, outro
erro exclusivamente moderno se opõe a reviver o que Aristóteles tratou como um
ramo válido do pensamento filosófico. É o erro do idealismo ontológico – a
negação de qualquer realidade independente de nossas mentes. Essa posição, é
claro, invalida a própria filosofia como uma disciplina de primeira ordem.
* * *
NOMINALISMO
A palavra
"nominalismo" refere-se a um grave erro que ocorreu na filosofia
moderna, especialmente nos escritos de George Berkeley e David Hume. É um erro
de psicologia filosófica.
Tanto
Berkeley quanto Hume pensam que o homem é dotado apenas com faculdades
sensíveis. Eles pressupõem que o homem não tem intelecto, ou negam sua
existência. O problema que enfrentaram foi explicar o significado das palavras
gerais em nossa linguagem cotidiana; por exemplo, os substantivos comuns que
significam classes ou tipos.
Se os seres
humanos desfrutassem do poder do pensamento conceitual, em oposição ao
pensamento perceptivo, não haveria dificuldade em explicar como as palavras
significam generalidades ou universais. Eles derivariam seu significado de
conceitos que nos dão nossa compreensão de classes ou tipos.
Mas
considerar os seres humanos como privados de pensamento conceitual representa
um problema para Berkeley e Hume. Eles são compelidos a dizer que, quando
usamos palavras que parecem ter um significado geral, estamos aplicando-as a um
número de indivíduos percebidos indiferentemente; isto é, sem nenhuma
diferença no significado da palavra assim aplicada. Isso equivale a dizer que
há uma certa mesmice nas coisas individuais que o falante ou escritor
reconhece.
Eles não
estão se contradizendo quando oferecem essa explicação do significado de termos
gerais ou substantivos comuns? Se os seres humanos não têm pensamento
conceitual, como podem reconhecer a mesmice que permite aos nominalistas dizer
que a mesma palavra pode ser aplicada indiferentemente a vários indivíduos?
Eles não
estão se contradizendo? Não deveria o nominalismo — a afirmação de que os nomes
têm significado geral, embora os seres humanos não possam ter uma compreensão
de tipos ou classes — ser rejeitado?
* * *
OPINIÃO
A palavra
"opinião" está na mesma família de palavras a que pertence
"conhecimento". Ambas as palavras se referem a atos da mente que
podem ser objetivamente verdadeiros ou falsos. Mas há uma diferença importante.
O falso conhecimento é autocontraditório. Se uma afirmação é falsa, ela não
expressa nosso conhecimento. Mas uma declaração de opinião pode ser verdadeira
ou falsa.
Para levar
em conta essa diferença entre conhecimento e opinião, é necessário considerar
as opiniões como apenas provavelmente verdadeiras ou falsas, enquanto o
conhecimento é verdadeiro sem sombra de dúvida. Possui certeza. Verdades
autoevidentes, verdades cujos opostos são impensáveis, são verdades
invariáveis. Além disso, tudo aquilo que pode ser validamente deduzido de tais
verdades está igualmente além da sombra de dúvida. São coisa que possuem certeza.
A língua
grega tinha duas palavras que podemos traduzir para o inglês [e português] referindo-nos
à certeza que temos sobre sua veracidade. Uma delas era a palavra episteme.
A outra era a palavra doxa.
Episteme, da qual obtemos a palavra
"epistemologia", representa verdades que têm certeza invariável para
nós. Doxa é a palavra da qual derivamos a palavra "ortodoxo".
Essa palavra significa opinião correta - opinião da qual, em um determinado
momento e à luz de todas as evidências e razões então disponíveis, nos sentimos
seguros além de qualquer dúvida razoável ou pelo menos por uma preponderância
das evidências e razões então disponíveis. Mas, ao contrário do conhecimento no
sentido mais forte do termo (episteme), a doxa nunca está isenta
de sombra de dúvida; inclui todas as verdades duvidosas. A segurança que temos
sobre a sua veracidade é sempre determinada, num dado momento, pela
características das provas e razões que então temos à nossa disposição.
Deixando de
lado, por enquanto, as poucas proposições que são autoevidentes ou
demonstráveis em termos de deduções válidas de verdades autoevidentes, todas as
proposições da história, das ciências empíricas e da filosofia caem na esfera
da dúvida. Elas são manifestações de doxa, não episteme.
Foi apenas
nos últimos séculos da era moderna que os filósofos se confundiram com os
problemas da epistemologia. Se eles tivessem se preocupado com as opiniões de historiadores,
cientistas empíricos e filósofos, suas investigações teriam sido muito mais
frutíferas.
* * *
FILOSOFIA
Em outro
lugar, distingui a filosofia da matemática, da história e de todas as ciências
empíricas, declarando que a filosofia é uma disciplina não investigativa que
emprega a evidência da experiência comum. Ao contrário da história e das
ciências empíricas que empregam a evidência da experiência especial descoberta
por seus métodos especificamente investigativos, a filosofia é estrita e
exclusivamente uma atividade pensante.
Mas pode-se
dizer também que a matemática é uma atividade puramente pensante. Como o
filósofo, o matemático não precisa deixar o escritório por um único momento
para realizar qualquer investigação a fim de se engajar no pensamento
matemático. Mas, ao contrário do filósofo, o matemático não se preocupa com
objetos que tenham alguma existência em uma realidade independente de nossas
mentes.
Este
conjunto quádruplo de disciplinas — filosofia, matemática, história e ciências
empíricas — distingue-as umas das outras por seus métodos caracteristicamente
diferentes. Perguntas que podem ser respondidas por um método não podem ser
respondidas por outros métodos. Algumas questões podem não ser puramente
científicas ou puramente filosóficas. Mas se uma questão é puramente
filosófica, então é uma questão para a qual os métodos das outras três
disciplinas não podem contribuir.
Essa
abordagem nos permite explicar como, nos tempos modernos, quando a filosofia é
descartada pelos positivistas lógicos por não nos fornecer verdades sobre uma
realidade independente, a odiosa rejeição da filosofia como mera opinião pode
ser combatida mostrando a maneira pela qual há progresso em filosofia tanto
quanto na ciência, concórdia tanto na filosofia quanto na ciência, e utilidade
prática tanto na filosofia quanto na ciência.
Em todos os
casos, o progresso, a concórdia e a utilidade da filosofia serão
caracteristicamente diferentes do que ocorre nas ciências empíricas.
Também
somos capazes de lidar com a história da filosofia, nos tempos antigos,
medievais e modernos, não por referência às várias doutrinas defendidas nessas
diferentes épocas, mas apenas por referência ao lento desenvolvimento do método
que é verdadeiramente filosófico. Isso eu chamo de história da filosofia
puramente procedimental, não substantiva; e deste ponto de vista procedimental,
a filosofia atingiu sua maturidade apenas nos últimos anos.
As quatro
dimensões da filosofia são metafísica, moral, objetiva e categórica.
* * *
PRAZER E
DOR
Existem
dois significados para a palavra "prazer" e apenas um para a palavra
"dor" - palavras que são usadas por todos no discurso diário sem
observar a diferença entre esses significados.
A dor é uma
sensação. Em nossos corpos, existem terminações nervosas periféricas e
viscerais que, quando estimuladas, nos fazem sentir dor. O prazer, em clara
distinção da dor, não é uma sensação, embora a sintamos. Não temos centros
neurofisiológicos de prazer.
Os dois
significados de prazer referem-se a prazeres que todos nós sentimos. Um é o
prazer sensual, o prazer que é um objeto de desejo. O seu aspecto corporal
encontra-se em certos estímulos sensoriais, como o prazer que sentimos quando
temos sede num dia de calor e nos dão um gole de um líquido frio, o prazer que
sentimos quando nos fazem cócegas, o prazer que sentimos quando a tensão do desejo
sexual é aliviada por um orgasmo.
Todos esses
são prazeres sensíveis e sensuais que são objetos de desejo, embora não haja
pontos neurofisiológicos em nossos corpos que sejam terminações nervosas para o
prazer, como existem terminações nervosas para a dor. As zonas erógenas podem
ser tais pontos de prazer fisiológico.
O outro
significado da palavra "prazer" reside no prazer que sentimos quando
nossos desejos são satisfeitos. É o prazer do contentamento. Usamos a palavra
"prazer" dessa maneira quando dizemos que algo que fizemos ou algo
que fizeram a nós nos agrada.
Essa
identificação do prazer com a satisfação do desejo dá outro significado à
palavra "dor" que não tem base em nosso sistema nervoso. Costumamos
dizer que estamos aflitos quando queremos dizer que estamos descontentes ou
insatisfeitos.
* * *
REALIDADE E
APARÊNCIA
A palavra
"realidade" teve um significado especial nos tempos modernos desde
que a chamada revolução copernicana na filosofia de Immanuel Kant declarou que
a coisa em si - o Ding an sich - não é cognoscível por nós.
Foi a
revolução copernicana de Kant que introduziu na filosofia o erro fundamental do
idealismo ontológico, um erro não encontrado no pensamento antigo e medieval.
Antes de Kant, havia céticos auto-refutantes, mas não idealistas. A palavra
"realidade" significava não apenas aquilo que existe em completa
independência da mente humana, mas também aquilo que é cognoscível e
inteligível para nós.
Os grandes
filósofos da antiguidade e da Idade Média eram todos realistas. Aristóteles e Tomás
de Aquino, por exemplo, afirmaram que poderíamos conhecer e compreender um
passado que não existia mais, mas que, apesar disso, era objeto de pensamento
perceptivo. Essa realidade tem existência para nós. (Veja o verbete COGNIÇÃO.)
É neste
contexto que a palavra "aparência" é usada. Tem significados
diferentes para realistas que ingenuamente afirmam que a realidade é exatamente
a mesma que parece ser e aqueles que afirmam mais criticamente que o que nos
parece pode não ser caracteristicamente idêntico ao que realmente existe.
* * *
CIÊNCIA
A palavra
"ciência" mudou de significado à medida que passamos da antiguidade e
da Idade Média para os tempos modernos, especialmente para os séculos XIX e XX.
Hoje
significa as ciências observacionais ou investigativas, às vezes chamadas de
ciências empíricas e experimentais. Deve-se acrescentar que a palavra
"ciência" também é usada para se referir à matemática, que é
claramente não empírica e não investigativa.
O adjetivo
"científico" é usado como um termo de elogio conferido a outras
disciplinas; tais disciplinas empregam métodos que têm uma certa objetividade
em seu apelo à evidência que os distingue da mera opinião infundada. Embora a
história não seja uma ciência, nem a filosofia, como ramos da erudição
humanística, ambas podem ser conduzidas de uma maneira elogiosa quando são
chamadas de científicas.
A palavra
"ciência" deriva da palavra latina scientia, para a qual o
equivalente grego é episteme ou doxa. Na antiguidade e na Idade
Média, os vários ramos da filosofia eram chamados de ciências. Hoje, do ponto
de vista das ciências empíricas, quando os filósofos empregam um método
louvável, eles são chamados de científicos. (Veja o verbete CONHECIMENTO.)
Com a
ascensão do positivismo nos séculos XIX e XX, que afirma que o conhecimento
empiricamente confiável pode ser encontrado apenas nas ciências empíricas e
experimentais, tornou-se necessário separar a ciência investigativa da
história, da matemática e da filosofia.
Já
expliquei em outro lugar de que maneira os ramos da filosofia, especialmente a
metafísica (ou teologia filosófica) e a psicologia filosófica, podem ser
adequadamente comparados com as ciências empíricas e experimentais no que diz
respeito à concordância e discordância, progresso e critérios de verdade e
falsidade.
É de grande
interesse que todas as disciplinas comparadas (as ciências empíricas, a
matemática, a história e a filosofia) tenham uma história e uma filosofia, mas
nenhuma ciência (no sentido moderno, positivista) aplicável à compreensão das
ciências eles mesmos. Não existe ciência da ciência.
Anteriormente,
escrevi um relato metodológico do passado, presente e futuro da filosofia. Ali
expliquei por que a filosofia demorou tanto para amadurecer. A filosofia tem um
futuro melhor nos próximos séculos.
Se a
filosofia não existisse, não teríamos filosofia moral como um ramo do
conhecimento e não teríamos compreensão da própria ciência, pois quando os
cientistas escrevem sobre ciência, eles o fazem como filósofos, não como
cientistas.
* * *
SENTIDO
Esta
palavra é usada como uma abreviação do que mais precisamente deveria ser
designado nossos poderes sensitivos humanos.
A
enumeração abrangente de nossos poderes sensitivos, ou o que também pode ser
chamado de nossos poderes de pensamento perceptivo, inclui a própria sensação,
tanto externa quanto perifericamente. Também inclui nossa memória sensível e
nossa imaginação.
Como também
temos o poder do pensamento conceitual, pode-se perguntar se esses dois conjuntos
de poderes cooperam ou funcionam independentemente um do outro. Nossos poderes
intelectuais dependem de nossa imaginação. O que na Idade Média era chamado de
fantasma é uma condição necessária, mas não suficiente, do pensamento
conceitual. Essa dependência é uma dependência causal.
A atividade
puramente intelectual não pode ocorrer sem alguma ação de nossos poderes
sensitivos, mas o conteúdo do pensamento conceitual não é afetado por ela.
Podemos pensar conceitualmente naquilo que absolutamente não é sensível nem imaginável.
A
dependência de nossos poderes sensitivos de nossos intelectos é de uma ordem
diferente. O conteúdo do pensamento perceptivo é sempre afetado pela ação
simultânea de nossos intelectos. As pessoas que são conceitualmente cegas em um
ou outro de seus órgãos sensoriais periféricos podem exercer o órgão sensorial
conceitualmente cego sem saber o que estão sentindo. Eles podem, por exemplo,
cheirar uma rosa que é colocada sob seu nariz, mas não sabem que é uma rosa que
estão cheirando.
O que às
vezes é chamado de imaginação intelectual representa a atividade simultânea dos
poderes sensíveis e intelectuais. É impossível para nós experimentar o mundo ao
nosso redor como os animais brutos o experimentam, apenas com poderes sensíveis
e sem intelecto. Para nós é um mundo significativo; para eles, não tem sentido.
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ALMA
A palavra
"alma" é usada por quase todos com o entendimento negativo de que, ao
contrário dos corpos físicos e materiais, ela representa algo que não é físico
nem material. Mas essa compreensão da alma, em si e em relação ao corpo, deixa
muitas questões filosóficas sem resposta.
A questão
mais importante na compreensão da alma ocorreu no início da história da
filosofia. É a diferença entre as visões de Platão e Aristóteles.
Para Platão,
a alma era uma substância espiritual unida a um corpo material ou físico. Além
disso, para Platão essa união de alma e corpo ocorre apenas nos seres humanos.
Plantas, animais e outros organismos vivos não têm alma.
Na visão
platônica, a imortalidade da alma humana é evidente, ou pelo menos facilmente
demonstrada, porque quando a morte ocorre, a alma, sendo uma substância
simples, é liberada e continua existindo.
A Ode on
the Intimations of Immortality de Wordsworth fala da alma como vinda do
céu, que é seu lar; e se refere ao corpo como "a prisão da alma".
A doutrina
platônica do corpo e da alma assume outra forma nos tempos modernos com a
distinção de Descartes entre res extensa e res cogitans. Tanto
para Platão quanto para Descartes, o ser humano é uma união quase inexplicável
de duas substâncias separadas — corpo e mente. Desde Descartes, o problema
mente-corpo tem obcecado a filosofia moderna. Como afirmou Descartes, esse
problema é insolúvel.
Para
Aristóteles, a palavra "alma" designa a forma que se encontra na
substância de toda matéria viva. Um organismo vivo, ao contrário de uma
substância inanimada, é "dotado de alma" - o que significa
"vivo". Essas duas palavras são intercambiáveis.
Para
Aristóteles, a questão da imortalidade da alma humana não é levantada, embora
Aristóteles declare que o intelecto, que é um dos poderes específicos da alma,
é imortal porque é imaterial. No entanto, quando os teólogos cristãos
consideram a imortalidade da alma humana, eles também devem afirmar a
ressurreição do corpo, porque a imaginação é uma condição necessária, mas não
suficiente para o exercício do pensamento conceitual humano.
Do ponto de
vista puramente filosófico em oposição ao teológico, o máximo que se pode dizer
é que a imortalidade da alma humana é possível, mas sua realidade não pode ser
demonstrada filosoficamente.
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VERDADE E
GOSTO
A palavra
"verdade" é frequentemente usada sem qualquer compreensão da
diferença entre verdade descritiva e prescritiva, e sem diferenciação clara entre
questões de verdade e questões de gosto.
A verdade
descritiva, que consiste na concordância da mente com a realidade, exige a
afirmação da existência de uma realidade independente. O erro moderno do idealismo
ontológico deve ser corrigido. (Veja o verbete REALIDADE E APARÊNCIA.)
A verdade
prescritiva consiste na concordância da mente com o desejo correto.
Em ambos os
casos, é importante distinguir entre a definição de verdade e os critérios
empregados para testar se uma determinada proposição ou julgamento é verdadeiro
ou falso, seja sem sombra de dúvida, sem dúvida razoável, ou por preponderância
da razão e da evidência, no momento em que a proposição (como considerada ou
julgada) possui certeza, ou tem algum grau de probabilidade.
Além dos
testes de verdade que dependem da concordância da mente com a realidade ou
desejo correto, existe o teste de coerência. Se a mente humana é confrontada
com uma incompatibilidade entre seus julgamentos anteriores e um novo
julgamento, ela deve buscar coerência ou compatibilidade intrínseca, escolhendo
entre seus julgamentos anteriores e o novo. Em suma, a mente deve escolher
entre suas hipóteses anteriores e uma nova hipótese que exige consideração. O
teste de coerência é regido pelo princípio da incompatibilidade.
Há mais uma
consideração, que é a distinção entre questões de verdade e questões de gosto.
Se alguma coisa é uma questão de verdade, é transculturalmente verdadeira. As
verdades da matemática, da física teórica e de todas as outras ciências
naturais empíricas são transculturais nesse sentido.
Mas ainda
há uma questão sobre se as reivindicações da filosofia, da história e das
ciências sociais podem ser consideradas da mesma forma. Tudo o que podemos
dizer no momento é que a pretensão da filosofia de chegar à verdade deve ser
considerada transcultural, não apenas uma questão de gosto que sempre diferirá
de uma cultura para outra.
Negar à
filosofia esta pretensão, enquanto a atribui às ciências empíricas ou
experimentais, é apenas mais um indício do positivismo que prevaleceu em todo o
mundo no final do século XX.
Ninguém
duvida que as ciências naturais possuam verdades transculturais. Poucos
acreditam que a filosofia as possua. A filosofia alcançará o status que deveria
ter, e em minha opinião pode ter, apenas quando conseguir justificar sua
pretensão de estar na esfera da verdade e não na esfera do gosto.
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VONTADE
Esta
palavra nomeia uma faculdade humana, de caráter apetitivo. Assim como nosso
intelecto é uma potência cognitiva, nossa vontade é uma potência apetitiva. Para
aqueles que pensam na força de vontade como uma faculdade de caráter sensível,
possuída tanto pelos mamíferos superiores quanto pelos seres humanos, é
necessário corrigir sua visão da vontade dizendo, filosoficamente, que a
vontade é um apetite intelectual. e, como tal, é imaterial assim como o
intelecto é imaterial.
O livre-arbítrio
é uma liberdade de escolha. Consiste em sermos capazes de escolher o contrário,
não importa como escolhamos.
Fonte: Mortimer J. Adler, Adler's Philosophical
Dictionary, Touchstone Editions, Nova York, EUA, 1996.