Segundo o historiador americano Matthew Raphael Johnson, o nominalismo é o grande inimigo da raça humana e, em especial, da Igreja. A natureza, explica Johnson, não é uma força cega, um cenário neutro, mas uma "habitação" de Deus e Seu poder. Em outras palavras, Deus não está "lá" no céu, mas existe imanente na criação, embora não se identifique com ela. As palavras escondem mais do que revelam, ou seja, elas são veículos ineficientes para expressar a ação da graça. A doutrina sempre será algo incompleto porque se manifesta em palavras. Eis porque a Igreja usa expressões artísticas para suplementar os canais da graça.
Guilherme de Ockham (1285-1347) rejeita a ideia de que as coisas tenham "espécies", ou seja, ele reduz toda e qualquer categorização à mera aplicação utilitária das palavras. O mundo seria apenas e tão-somente um "palco" ou "fluxo". Um "universal", portanto, seria uma palavra que convenientemente aplicamos a várias coisas, uma maneira fácil e prática que a humanidade usa para se comunicar e se referenciar às coisas. Se você ao ler isso pensou "mas é óbvio que as palavras são isso", então assume de maneira um tanto inconsciente que a realidade se estrutura de acordo com os ditames nominalistas. Em suma, a visão nominalista nega que a realidade seja substancial, ou seja, quando uma pessoa descreve um objeto que não está presente, segundo essa visão, o faz com referência a uma imagem mental que ela e as demais pessoas têm desse objeto. As palavras são meros nomes, daí "nominalismo". Ockham não nega a existência de ideias/formas, mas afirma que estão na mente de Deus e, portanto, são incognoscíveis.
O modernismo, conclui Johnson, é um fenômeno intelectual baseado na ideia nominalista de que os universais não são reais. Afinal, se houvesse um reino aespacial e atemporal no qual a ciência moderna não pudesse exercer nenhum controle então essa mesma ciência teria de adaptar seus métodos a ele, ou seja, teria de abrir mão de sua visão nominalista, o que é algo que não está disposta a fazer de maneira alguma.
A estrutura da realidade cristã, essencialmente platônica, ensina que os objetos individuais são símbolos, "emblemas" ou "marcas" que apontam para objetos mais abrangentes, mais amplos, mais abarcantes, que se encontram fora do espaço e do tempo. Uma vez que os apreendamos, que os percebamos, que os contemplemos, servirão de portais para experienciar as energias (ou seja, a presença) de Deus.
As leis naturais não são "naturais" no sentido de que são meras descrições de como o mundo funciona, mas elas têm uma fonte que as mantêm ativas, que as sustentam, que é a Lei das leis: Cristo, o Logos. Ele está presente na natureza como o Fiador de seu funcionamento normal. Contudo, a queda de Adão invadiu o mundo natural tornando o Logos menos transparente, mais opaco. O homem, nesta condição decaída, irremida, enxerga apenas causa e efeito no mundo, e não mais origem e propósito.
Quanto à Trindade, Johnson explica o seguinte:
"O Pai está sempre ontologicamente distante e para além de Sua criação. O Logos é o princípio "ativo", que Se manifesta na lei natural e na consciência humana. Neste sentido Ele não está de forma alguma distante. O Espírito Santo é a manifestação dessa graça especificamente na igreja e em seus membros. O Espírito não tem outra função que não a de agir como o "andaime ontológico" da igreja. Fora dela, o Espírito não funciona de maneira tão íntima. O "mundo" é matéria morta do ponto de vista da humanidade degenerada.O Pai é inacessível ao pensamento humano. Isso porque o Fundamento (Ground) do fundamento do ser (ground of being) não é um objeto entre muitos e, portanto, não pode ser descrito na linguagem dos homens. Ninguém é capaz de experienciar intelectualmente o Fundamento do fundamento, ou a realidade fundamental do fundamento de todos os seres. Se pudesse ser experienciado de alguma maneira humana então não seria o fundamento supremo. O Pai é acessível somente pela presença do Logos possibilitada pela ação do Espírito. O Logos é necessário porque Ele é Deus sob o ponto de vista da atividade [cf. E.F. Schumacher e as progressões do ser]; o movimento da lei natural no sentido biológico e químico, mas também no sentido ético de nosso arbítrio, uma liberdade que somente existe na igreja, já que fora dela não há espírito.Portanto, o "livre arbítrio" é algo a ser conquistado e com o qual ninguém nasce. Os homens nascem totalmente dependentes e determinados; somente com a maturidade e a graça o potencial para o livre arbítrio pode despertar, e mesmo assim será um grande esforço pensar e agir livremente. Conformar-se é muito mais fácil. Somente os santos têm livre arbítrio, no sentido normal do termo. O salário do pecado é a determinação natural, que é uma outro maneira de dizer "a morte". A humanidade degenerada não pensa livremente, mas conforma-se a um partido, paixão ou carreira, concentrando sua atividade de acordo. O santo vive em outro mundo, no mundo numênico inacessível ao mundo".
Johnson entende que a matéria morta, amorfa, é o Deus dos pagãos. Ela seria eterna (sempre existiu e sempre existirá) e é a partir dela que se produzem as coisas. O verdadeiro "maçom" é aquele que molda o caos primordial da matéria eterna em formas úteis. As máquinas e dispositivos são o produto da imitação demoníaca das formas orgânicas, formas essas que os demônios são incapazes de criar pois suas máquinas dependem somente da matéria já pré-existente. Um engenheiro não é um criador, mas tão-somente um manipulador. Ele não cria nada, mas apenas desloca a forma da matéria existente. Aqui cabe lembrar que "forma", no sentido platônico, não tem nada a ver com o "formato" ou "figura" que os objetos podem assumir pelas mãos humanas. Tais artes e engenhos foram ensinados aos primeiros homens por demônios. Altamente inteligentes e sempre tentando imitar a Deus, os demônios procuram "criar" mediante civilizações e estruturas burocráticas centralizadas. O Velho Testamento apresenta a Caim sendo ensinado por esses seres. Caim não poderia ter "edificado uma cidade" do nada. Ele foi ensinado para que se tornasse autossuficiente, sem Deus. Essa "cidade" se tornou o coração da civilização mesopotâmica. A tecnologia é demoníaca porque seu propósito é elevar uma classe dominante ao status de quase-divindade. A tecnologia procura substituir o mundo orgânico que, embora decaído, contém tudo o que é necessário para a salvação dos homens. Isso não significa que as invenções humanas sejam demoníacas em si, pois elas podem cooperar com o mundo orgânico, mas quando o objetivo da "civilização" é substituí-lo, então será certamente demoníaco.
São Basílio ensinava que o propósito da metafísica é fornecer bases sólidas para a paz mental e espiritual, ou seja, para que o pensamento não se disperse. A dispersão do pensamento é inimigo da paz, que exige unidade e concentração. Em sua famosa Segunda Carta a São Gregório Teólogo, São Basílio afirma que os "afazeres mundanos" prejudicam e mesmo destroem a "apreensão da verdade". Em outras palavras, a verdade é algo que se encontra à parte das ocupações mundanas, ou seja, é de uma ordem completamente diferente. Tudo o que nominalismo enxerga como importante e real (objetos físicos, dinheiro, reputação, destreza técnica etc.) é exatamente aquilo que está apartado da verdade. São precisamente essas coisas "reais" que não são reais. Bem, dizíamos que a metafísica ocupa-se de trazer a paz, ou seja, a concentração da mente: é precisamente o contrário do nominalismo, cujo efeito é dispersar o pensamento nas coisas sensíveis particulares do mundo. A dispersão do pensamento é a raiz do pecado. Ora, ao reduzir a natureza a praticamente nada, a um turbilhão caótico de qualidades e quantidades, o nominalismo oculta o Cristo, pois é nela, na natureza, que Ele reside. Lembre-se, a essência das coisas criadas não está nas coisas mesmas, então ceifar o mundo material de sua essência é ceifar o mundo da presença do Cristo. Pecar não é "errar", não é uma infração moral, mas é "incompletar", ou seja, é estar em um estado no qual a mente depende do mundo para ganhar identidade. "Quando o mundo produz sua identidade, eis o pecado", diz Johnson. O ato pecaminoso é efeito do pecado, não é o pecado em si. São as coisas individuais, as coisas valorizadas pelo nominalismo, que despertam nossas paixões. Alguém por acaso se excita pelos conceitos geométricos das curvas de uma mulher? Alguém se excita pela conceito ou ideia de "mulher"? Ou será que são as curvas individuais dessa mulher individual que me excitam? O homem só consegue controlar, ou seja, "possuir", "tornar útil", coisas individuais. Uma forma, um universal, é impossível controlar. Daí a luxúria, ou qualquer ato pecaminoso, se exerce sobre coisas individuais, sobre aquilo que o nominalismo entrona. Somente a ideia, a forma, o universal, pode integrar a mente.
E como se faz isso? Como se integra a mente? A ideia aqui é praticar as virtudes, ou seja, purificar a mente (noûs) para que reconheça e apreenda as energias dAquele que contém todas as ideias (logoi) das coisas criadas em Si, ou seja, as energias incriadas do Logos/Cristo na terra. O Cristo/Logos não se faz presente apenas na natureza, mas Ele se acerca daquele que se purifica para recebê-Lo mediante esforço. Esforçar-se em praticar as virtudes, isto é, em amar. É na experiência comunal, no convívio (cf Christos Yannaras e o conceito de "evento eclesial"), que o ego individual pode ser atrofiado para que a mente abra espaço para a ação do Espírito. Aqui Johnson deriva uma conclusão importante: o elemento primordial da vida não é o indivíduo, mas a comunidade. É quando minha vontade se mescla com a vontade do outro que se forma um laço de amor. O nominalismo, que só enxerga indivíduos ou, na melhor das hipóteses, agrupamentos de indivíduos, é incapaz de inspirar o verdadeiro amor entre as pessoas. O outro é sempre um instrumento para que meu ego se fortaleça, se estime. Daí que Johnson conclui que o nominalismo é a metafísica do inferno. E a democracia, a soma de indivíduos, é o sistema político do nominalismo por excelência. O orgulho, o motor do ego, eis o pecado primordial do nominalismo. Só o ego existe, só o ego tem valor, só o ego precisa ser salvo.
Neste sentido, em um ambiente onde grassa o nominalismo, a igreja é uma mera coleção de egos-indivíduos, e portanto não existe uma dimensão vertical na qual a interpretação da Bíblia possa se dar. Assim que todos os egos são capazes, ou estão aptos, a interpretá-la. O Protestantismo é a religião cristã do nominalismo. A oração protestante a Deus é feita como se Deus fosse um Ego como qualquer outro ego, com Quem falamos como falamos com um vizinho através de uma parede. É por isso que as orações protestantes estão recheadas de pedidos, como se Deus não soubesse o que você precisa ou o que você pode pedir. O status ontológico de Deus no Protestantismo é, a rigor, o mesmo que o nosso. Não somos indivíduos que lutamos para sermos pessoas, mas são as Pessoas que se reduzem a um Ego-Indivíduo.
Vimos que a natureza não é uma coleção de indivíduos, mas são comunidades. No entanto, isso vale para os animais também. Sim, é verdade, as espécies de animais estão contidas no Logos, que lhes fornece os instintos e desejos típicos de cada espécie. Mas não para por aí. Uma espécie faz parte também do ambiente no qual está inserido, e é esse ecossistema que lhe mantém viva. Portanto, os ecossistemas, enquanto comunidades de comunidades, também têm suas essências contidas no Logos.
Muito bem, vimos que as formas platônicas são um elemento fundamental da metafísica. As formas são mais reais que a "realidade" que nos cerca, mas, afinal, quem pode "ver" essas formas? As formas são reais para quem? Platão foi um "profeta" que "viu" as formas, mas a estrutura da realidade descrita por ele só poderia estar completa mais tarde, mediante a revelação de Jesus Cristo, mediante a revelação do EU SOU, porque foi através de Sua revelação, de Seus ensinamentos, de Seu exemplo, da Sua presença na forma de energias, que a ascese da mente adquiriu uma forma mais definida, um método mais assertivo e inequívoco. A Igreja enquanto "evento eclesial" ensina como purificar o homem de suas paixões, ou seja, como transfigurá-las sem reprimi-las. Vivemos em um mundo nominalista, ou seja, em um mundo em que os objetos são indivíduos, são meros exemplares, e a eles atribuímos nomes, e portanto não podem ser verdadeiros objetos de conhecimento no sentido profundo do termo "conhecimento". Daí que entra a ascese mental, a purificação do noûs: o objetivo é deixar o mundo dos objetos individuais e elevar o espírito para apreender, mesmo que de maneira limitada, as próprias formas desses objetos as quais, por sua vez, nos revelam o Logos que as contém. Eis ao quê se deve dedicar um filósofo, isto é, um amante da sabedoria. Novamente, os objetos individuais não estimulam a razão, mas estimulam a paixão, ou seja, o desejo de controlá-los, possuí-los e desfrutá-los. Observe que isso não é algo ruim em si. Em certo sentido é algo até mesmo necessário. Mas é incompleto. Não é a isso que nossa raça foi chamada: para isso estão os animais. Os objetos individuais que compõem nosso dia-a-dia implicam a existência de Objetos que existem eternamente. Os prazeres e apetites que desfrutamos no dia-a-dia desvanecem rápida e facilmente. Não são a eles que devemos nos devotar. Há um prazer e uma alegria que não desvanece, há um Amor que não vacila como os amores do mundo. Esse Amor, digamos logo, a Trindade, é algo que nossa mentalidade nominalista é incapaz de captar: Três Pessoas que compartilham uma e mesma substância. O mundo da Trindade é um mundo social, um mundo que exclui o conceito de individualidade. As relações da Trindade são tão importantes quanto as Pessoas que a compõem: são as relações de amor.
O Cristo, ao encarnar-Se, trouxe ao mundo as formas platônicas de maneira que os homens possam contemplar sua estrutura e seu propósito sem a necessidade de possuir conhecimento filosófico prévio. Ao observá-Lo, ao contemplá-Lo, ao segui-Lo, os apóstolos e as comunidades que surgiram a partir de suas pregações entenderam que é necessário purificar a mente, a vontade e os sentidos para que pudessem experienciar a graça (presença) dEle e para que pudessem "ver" (ser iluminados) pelo Logos/Sabedoria/Cristo e consequentemente vê-Lo no mundo natural. Ao vê-Lo no mundo natural entenderam que as qualidades desse mundo, embora emanem certa beleza e harmonia, são completamente secundárias em relação à sua causa final e formal. As qualidades (ou "acidentes") são ilusões que surgem da relação passional que estabelecemos com os objetos individuais. Essa paixão surge, claro, de uma mente que se dispersa nesses objetos, que os aborda como indivíduos, não como símbolos que apontam para o mundo da Forma. Johnson cita o filósofo ucraniano Gregor Skovoroda ao dizer: "A matéria é a mera qualidade da aparência". Ou seja, a matéria é o acidente de uma coisa, enquanto a essência permanece oculta. O objetivo da filosofia é ir além da aparência. A realidade apenas gera uma aparência, mas não é a aparência.
A Igreja, enquanto evento eclesial (e não mera indústria litúrgico-sacramental), existe para que as formas, e o Logos que as contém, possam ser conhecidas por todos, e não apenas pelas pessoas especialmente dotadas como Platão, os profetas do Velho Testamento, o imperador Marco Aurélio etc. O espírito dos homens quer conhecer a Verdade, a Forma, mas o mundo os "puxa para baixo", os distrai nos elementos que lhes servem de instrumento para dominar os objetos individuais e para se sentirem seguros, sejam governos, propriedades, exércitos, burocracias, fábricas, empresas, carreiras, fama etc. É necessário disciplina para escapar do mundo nominal, do mundo passional, do "fetiche das commodities", dos fantasmas e das respectivas emoções que criamos a partir do mundo das aparências, do mundo dos nomes que ocultam a realidade mais ampla e profunda. Para o homem nominalista, as coisas do mundo só têm valor quando uma máquina ou dispositivo lhe confere valor. Para o homem real, os símbolos não são irrealidades, mas são portais para uma realidade mais verdadeira e profunda.
O mundo nominal é um mundo medíocre. É um mundo no qual até mesmo os ignorantes podem viver. Os objetos do mundo nominal não são objetos para serem conhecidos, mas objetos acima de tudo para serem desejados, almejados.
A identificação das formas com os anjos é algo que Johnson explica, como não poderia deixar de ser, a partir da obra de São Dionísio Areopagita. Embora hoje em dia a comunidade científica negue que São Dionísio seja quem diz ser, ou seja, a pessoa convertida pelo Apóstolo Paulo (Todavia, chegando alguns homens a ele [Paulo], creram; entre os quais foi Dionísio, areopagita, uma mulher por nome Dâmaris, e com eles outros. Atos 17:34), Johnson não deixa de lembrar que os medievais tinham acesso a muito mais obras e fontes que nós temos hoje em dia e, portanto, poderiam muito bem estar corretos ao afirmar que São Dionísio foi realmente o discípulo do Apóstolo. A criação, segundo São Dionísio, provém de um "transbordamento" de Deus, ou seja, do amor de Deus, da vontade de Deus. É a transferência da ação de Deus do incriado para o criado. Nesse processo de criação, Deus cria ("transborda") duas coisas: (1) os objetos universais e (2) os objetos particulares que dependem dos objetos universais. A matéria manifesta a presença do Logos, embora, claro, em grau menor. O Logos está presente tanto na lama e na saliva quanto em uma Ideia. Os anjos, por sua vez, completam a estrutura metafísica da realidade no sentido de que eles são a manifestação dessa dependência ontológica mencionada em (2). Os anjos são universais concretos, ou seja, são universais que têm personalidade, pois a personalidade/vontade é um dos atributos de Deus. Aqui o nominalismo falha porque se recusa a acreditar que a natureza tenha personalidade/vontade. O ser dos anjos vem da Luz de Deus. "Luz" tem duplo sentido: é o centro unificado da Verdade e ao mesmo tempo é a "força" que mantém a Forma e a matéria que a informa unidos.
Em termos políticos, a ausência de ordem e hierarquia otológica na metafísica nominalista implica na intensificação de um aspecto no cenário econômico-político: o uso da força mediante revoluções políticas. Não há alternativa: a força tem de ser usada para que ela garanta a "ordem" na sociedade caótica engendrada pelo nominalismo.
Fonte: Matthew Raphael Johnson, The Ontology of Death, Hromada Books, 2022.