Antes de
sua conversão, Justino (+165) era um proeminente acadêmico. Ao estudar as escolas
modernas de filosofia – estoicos, pitagóricos entre outros – deteve-se no
neoplatonismo, cuja filosofia supostamente percebia a Divindade. Porém esta
filosofia tampouco o satisfez. Foi então que interessou-se pelo Cristianismo.
As acusações que os pagãos lançavam contra o Cristianismo nas quais em
princípio ele acreditava provaram ser meras calúnias, enquanto os cristãos
morriam tão corajosamente por sua fé. E eis que nesta época, exatamente quando
despertava em Justino uma simpatia pelo Cristianismo perseguido, ele encontrou
por acaso, à beira-mar, um mestre cristão – um ancião – cuja conversa
influenciou sua decisão em converter-se ao Cristianismo. A conversa com o
ancião foi longa, e sua substância foi puramente filosófica. Citaremos aqui
apenas os momentos mais marcantes para Justino.
Eis como
tudo aconteceu. Um dia, Justino, que vivia em uma cidade próxima ao mar
(provavelmente Éfeso), estando ocupado na ocasião com pensamentos e questões
sérias, saiu para caminhar em uma campina não muito distante da costa a fim de entregar-se
às suas reflexões em solidão. Ele queria ficar a sós com seus pensamentos, mas
conforme vagueava à beira-mar, notou que estava sendo seguido por um velho
desconhecido, muito belo, que portava-se de maneira majestosa. Surpreso,
Justino olhou em torno e, de maneira um tanto suspeitosa, fitou-lhe os olhos.
“Você me
conhece?”, perguntou de repente o velho a Justino.
“Não”,
respondeu Justino.
“Então por
que você está olhando para mim?”
“Não
esperava encontrar alguém aqui neste lugar quieto e tranquilo”, respondeu
Justino.
Após estas palavras
iniciais, travou-se uma conversa entre ambos. E esta conversa versou sobre
questões filosóficas.
“Diga-me”,
perguntou o velho a Justino a certa altura da conversa, “o que é filosofia e no
que consiste sua felicidade?”
“A
filosofia”, respondeu Justino, “é o entendimento de tudo o que existe e o
conhecimento da verdade; a felicidade
transmitida pela filosofia consiste na posse deste entendimento”.
Observe que
o pagão Justino, o Filósofo, em essência disse exatamente a mesma coisa que
encontramos hoje nos livros de nossa intelligentsia. Notamos que nada mudou nestas
definições ao longo dos últimos dezoito séculos. A mente filosófica inquisitiva,
naqueles tempos bem como hoje, encontram a felicidade no conhecimento. Todavia,
o coração cristão, conforme aprendemos na Philokalia
e na vida de Serafim de Sarov, encontra a felicidade antes de tudo na aquisição do Espírito Santo. E o
conhecimento surge apenas depois, em função da consecução deste objetivo
principal.
Bem,
retornemos à conversa de Justino com o ancião cristão. Da filosofia o assunto
da conversa mudou para o entendimento da Divindade, e eis que lhe pergunta o
ancião a Justino: “Como podem seus filósofos helênicos raciocinarem corretamente
acerca de Deus e afirmarem alguma verdade a Seu respeito se eles nunca viram a
Deus, nunca ouviram a Deus e, portanto, nunca obtiveram conhecimento algum acerca
dEle?”
Respondeu
Justino: “O poder da Divindade não é visto com os olhos corporais. . . . Somente
com a mente pode-se perceber a Deus. É isto o que ensina Platão, a cujos
ensinamentos eu sigo”.
Dizendo
isso, Justino foi levado por este assunto tão interessante. Ele começou a
desenvolver perante o ancião a explicação de como, segundo a doutrina de
Platão, a Divindade é percebida. Por fim, o ancião asseverou a Justino: “A
mente do homem, se não for dirigida pelo Espírito Santo e iluminada pela fé
(isto é, se não adquirir o Espírito Santo), é totalmente incapaz de conhecer e
entender a Deus”.
E eis que o
ancião começou a falar-lhe sobre o Espírito Santo, sobre o Salvador do mundo,
sobre os profetas; e assim concluiu sua dissertação: “Em primeiro lugar, reze
diligentemente ao Deus verdadeiro para que Ele lhe abra as portas da luz, pois
somente aquele a quem o próprio Deus considerou digno de revelação pode
contemplar e entender as coisas divinas; e Ele abre a todos que buscam a Ele em
oração e dEle se aproximam com amor”. Dito isto, o ancião partiu.
Justino foi
deixado a sós à beira-mar com seus pensamentos. Nunca mais encontraria o
ancião, mas as palavras do ancião muito impressionaram ao filósofo. Justino
expressou os sentimentos da ocasião desta forma:
“Uma
espécie de chama explodiu dentro de mim, inflamando minha alma a esforçar-se em
busca de Deus e aumentando em mim o amor pelo santos profetas e pelos amigos de Cristo. Ao ponderar sobre as palavras do [ancião], dei-me conta que a
filosofia proclamada por ele era a única verdade; comecei então a ler os livros
dos profetas e apóstolos e a partir daí tornei-me um verdadeiro filósofo, ou
seja, uma verdadeiro cristão.”
Contudo, Justino
só pôde ser tocado pelas palavras do mestre cristão porque seu coração já
estava próximo de sentir a Deus. A razão superior de Justino, apesar de sua
vida pagã, não estava completamente sufocada. O instinto desta razão
foi despertado pelas inspiradoras palavras do ancião.
Fonte: Mitrofan Lodyzhensky, Light Invisible, Holy Trinity Publications, Jordanville, NY, EUA,
2011. Pág. 107-109. Trechos selecionados.