1. Educação
Em algum grau todos nós fomos mal-educados pelo
meio (pais, família, professores, cultura). A primeira providência para enfrentar essa situação é retirar o paciente
da posição de vítima, ou, mais especificamente, combater a postura vitimista
que o paciente traz ao consultório. O passado, por mais duro, injusto e cruel
que tenha sido, tem de ser trazido para o presente e nele articulado. O aqui
e agora é o que importa. O paciente tem de entender que a direção da vida é
competência dele. É ele quem deverá enxergar o que não foi construído resultando
em ignorância, o que foi destruído resultando em malícia e o que
foi mal construído resultando em fraqueza. Para isso, o passado será
usado como instrumento meramente pedagógico, ou seja, o paciente nunca será
convidado a "morar" nesse passado.
Observa-se que toda terapia tem caráter
pedagógico, e isso torna-se claro quando notamos que há um projeto de desenvolvimento
humano que busca não uma resolução específica de um tema ou problema, mas a
integralidade da saúde psíquica do paciente. O todo, do ponto de vista
aristotélico-tomista, é superior à simples soma das partes. É ele, o todo, que
tem de ser tratado. A pessoa humana como um todo precisa de ordem, e o
terapeuta precisa ser o porta-voz dessa ordem. Um mau terapeuta será aquele que
reforçará a soberba do paciente: é o mundo que está errado, não o paciente.
Aqui, segundo Rafael de Abreu, entra o papel da correta definição dos termos:
[É] fundamental que o paciente saiba de
forma ordenada o que ele está expressando. Diante de uma má definição um
paciente pensa de modo equivocado, sente de modo equivocado e age de modo equivocado.
[...] Nomear errado abre espaço para pensar e imaginar como foi nomeado, sentir
com foi nomeado e, como consequência, agir errado. [...] O paciente vai construindo
uma narrativa em cima de uma mentira. É uma mentira não necessariamente porque
ele inventou um fato, mas porque omitiu alguns outros. Ao não falar o que
deveria e só pronunciar algumas coisas forma-se uma mentira na qual ele vai
acreditando ao longo do tempo. Essa atitude é justamente a neurose na qual ele
passa a acreditar e que passa a transfigurar a existência da pessoa. Os
pacientes chegam ao consultório com a neurose das palavras. Como consequência,
surge o vício das meias palavras. [...] Após ouvir atentamente a fala do
paciente, será necessário apontar a falta de clareza e objetividade dele para
que a comunicação seja mais ordenada e alcance o objetivo: permitir que o outro
compreenda o que ele realmente deseja transmitir. [...] Quanto mais o paciente
vive no mundo da neurose das palavras, mais se distancia da verdade. É a
realidade paralela. [...] Em muitos momentos, para neutralizar a neurose das
palavras, o psicoterapeuta terá de explicar de forma clara e objetiva aquilo
que o paciente está tentando expressar sem sucesso. [...] Dar uma boa definição
para termos usados no dia a dia faz o paciente se movimentar...para o
bem, para a beleza e para a verdade.
2. Ordenamento das paixões
A “paixão” é uma resposta emocional à
percepção de algo. O problema obviamente não é “ter” paixões, mas ser vencido
por elas. No paciente, nota-se que a paixão é o motor de seus atos porque ele
deixa de fazer o que deveria fazer por alguma questão emocional. A rigor, ele é
vencido por um sentido (interno ou externo, não importa). As paixões, portanto,
não devem ser eliminadas, mas ordenadas. Dessa forma, a vontade, antes escravizada
às paixões (a “criança mimada”, o “adolescente rebelde”), será libertada. Vejamos
o que diz Tomás de Aquino a respeito:
Pois, estando todas as potências da alma
radicadas na essência dela, necessariamente, quando uma [potência] exerce com veemência
o seu ato, as outras [potências] sofrem remissão no seu ato, ou mesmo, são totalmente impedidas
dele. E isto porque toda potência, capaz de muitos atos, torna-se remissa;
onde e ao contrário, quando [uma potência] tende com veemência para um só objeto torna-se-lhe
menos possível produzir outros. Ou porque, operações da alma exigem uma certa
intensidade, e esta [operação], aplicada veementemente a um objeto, não pode atender a
outro [objeto] com a mesma veemência. E deste modo, por uma como distração, quando o movimento
do apetite sensitivo se fortifica, por uma determinada paixão, necessário
é que sofra remissão ou fique totalmente impedido o movimento próprio à
vontade, apetite racional. De outro modo, por parte do objeto da vontade, que é
o bem apreendido pela razão. Pois o juízo e a apreensão da razão ficam
impedidos pela veemente e desordenada apreensão da imaginação e pelo juízo da
faculdade estimativa, com se vê claramente nos dementes. Ora, é manifesto, a apreensão
da imaginação e o juízo da estimativa dependem da paixão do apetite sensitivo,
assim como a apreciação do gosto depende da disposição da língua. Por isso
notamos que os lesados por uma paixão não desviam facilmente a imaginação do
objeto do seu afeto. Portanto e consequentemente, o juízo da razão quase sempre
é consecutivo à paixão do apetite sensitivo; e, por conseguinte, também o
movimento da vontade, que segue naturalmente o juízo da razão. (I-II q.77 a.1)
Muito característico do desordenamento das paixões
é a maneira como o amor é encarado nos dias de hoje. Há dois modos, ambos
equivocados: ou o amor é algo puramente subjetivo (“toda forma de amor é válida”),
ou o amor é apenas um sentimento (ternura, meiguice, doçura). Em ambos os casos está ausente o amor humano,
a saber, o amor sublime, ou seja, o amor ordenado capaz de fazer a
pessoa superar os prazeres sensíveis. Somente quando as paixões começam a
ordenar-se, ou seja, quando o paciente adquire certa liberdade, que ele será
capaz de enxergar o valor das coisas à sua volta e se direcionar livremente a
elas. O “amor sensível” não liberta ninguém, mas, ao contrário, é mero fruto da
escravidão: ele é fruto da autoafirmação, que leva o paciente a concluir que
tudo que ele sente é bom e verdadeiro porque “veio dele”. Impossível não
detectar aí os males do subjetivismo e do voluntarismo. O amor, em vez de ser
um sacrifício unitivo, é um caminho para o mal e o falso. O verdadeiro amor
manifesta-se em reeducar a vontade mediante o sacrifício de prazeres sensíveis
presentes em prol de um bem maior futuro.
3. A inteligência como centro da personalidade
Personalidade é a pessoa desprovida dos vícios
que a impedem de afirmar-se pelo amor. Em outras palavras, uma vida dedicada ao
cumprimento de vícios resiste ao florescimento da personalidade porque o amor
humano permanece meramente germinal, como que atrofiado.
A inteligência é quem governa a
personalidade. Enquanto a vontade, e não a inteligência, estiver no centro da
personalidade não haverá autêntica personalidade. Isso porque somente com a
inteligência somos capazes de ver o próximo como pessoa, e não como mero objeto
do qual possamos nos servir e usar.
O primeiro passo para posicionar a inteligência
no centro da personalidade é por meio do dever, pois ele é o lugar de ordenamento.
Conforme ordenamos as paixões, torna-se possível estabelecer os deveres, os
objetivos, da vida e a eles submeter a conduta, os sentimentos e os
pensamentos.
4. Lidar com as dores
Quando por hábito possuímos um bem que
queremos então atingimos a felicidade, que, evidentemente, não será a
felicidade plena, mas a felicidade possível neste mundo. Um bem que esteja fora
da reta ordem será, portanto, um vetor de desordem. A felicidade,
conclui-se, é para os fortes, ou seja, para aqueles capazes de enfrentar a si
mesmos para se ordenarem.
5. Desenvolvimento de virtudes
Segundo Tomás de Aquino, “A virtude torna
bom quem a tem assim como as obras que pratica”. O desenvolvimento de virtudes é,
portanto, o mesmo que melhoramento, aperfeiçoamento, aprimoramento. São 4 as virtudes
cardeais:
a. Prudência.
É o conhecimento das coisas que devemos buscar e evitar. Ela é o índice da
maioridade moral, o índice da liberdade.
b. Justiça.
É atribuir a cada um o que lhe pertence, o que implica reconhecer a alteridade,
ou seja, o outro como um ser pessoal diferente do próprio ser pessoal.
c. Fortaleza.
É a capacidade de enfrentar e suportar o sofrimento pelo amor ao bem; é a
disposição de arriscar a própria vida para salvá-la, para salvar a honra, isto
é, a dignidade humana, pela fidelidade aos próprios valores. É a firmeza para
fazer o bem e suportar o mal.
d. Temperança. É moderar o amor a si mesmo. É tomar as necessidades desta vida
como a medida do uso dos prazeres. É moderar o agradável, é não dispersar o
apetite sensitivo na multiplicidade de objetos que podem atrai-lo. “Não há prazer
onde só há prazer”, como dizia Chesterton.
Entre os vícios capitais estão a vanglória
(gloriar-se de algo indigno, cujo remédio é a humildade), a avareza (apego a
posses materiais, cujo remédio é a generosidade), a luxúria (obsessão pelo prazer
sexual incapacitante para a intimidade, cujo remédio é a temperança), a ira
(dificuldade em acolher cobranças ou correções, cujo remédio é a paciência), a
gula (apetite desordenado por comida e bebida típico de fracos, preguiçosos e
egoístas, cuja remédio é a temperança), a inveja (tristeza pelos bens alheios
que inutiliza a pessoa para a comunhão social, cujo remédio é a compreensão ordenada)
e a acídia (tristeza pelo bem interior, cujo remédio é a diligência).
Fonte:
Rafael de Abreu, Introdução à psicoterapia tomista, Editora Domine,
Osasco, SP, Brasil, 2023.