19 de dezembro de 2022

Girard em três parágrafos


Os desejos não surgem espontaneamente no interior do homem, mas vêm do mundo exterior mediante a imitação dos desejos alheios. É o desejo mimético ou, como Girard às vezes o chama, desejo triangular. Ele ocorre quando o sujeito (pessoa A) admira e deseja ser como o modelo (pessoa B), embora superficialmente pense que deseja apenas um objeto que pertença ao modelo. O desejo do sujeito na verdade não tem a ver com o objeto, mas tem a ver com criar uma fantasia de que o modelo está em posse de algo que pode completá-lo, torná-lo diferente, melhor. O desejo do sujeito provoca por sua vez um desejo no modelo por esse objeto. A gravidade do desejo mimético depende da altura do triângulo, ou seja, se o modelo alvo do desejo de cópia do sujeito está muito além, muito distante, então estamos diantes de uma mediação externa; se está dentro de seu alcance, então trata-se de uma mediação interna, e é aqui que surge a crise mimética: a rivalidade leva ao ressentimento, que leva à violência. A interrupção do ciclo de violencia é feita mediante o recurso ao mecanismo do bode expiatório, ou seja, os membros de uma comunidade se unem como em uma gangue e escolhem uma vítima em estado vulnerável (estrangeiros, deficientes físicos, pessoas esquisitas) para culpá-la da crise. O efeito que se busca aqui é, ao perseguir a vítima, a união dos demais membros para encerrar a crise.

A vítima sacrificada trouxe paz e união ao grupo, e a comunidade passa a vê-la como um deus poderoso. Seu sacrifício é encenado uma e outra vez mediante rituais em torno dos quais se acrescentam pouco a pouco regras complexas como tabus sobre comida, sexo e status. O recontar das histórias sobre o que aconteceu tem o poderoso efeito de relaxar a ansiedade e o desconforto emocional da sociedade. As histórias sobre os bodes expiatórios são quase tão boas quanto os rituais em si: são os mitos. Os mitos reforçam a identiddade da comunidade. Com o tempo, os mitos se sofisticaram ainda mais, e se transformaram em tragédias, como as da Grécia Antiga.

Mas há alguns poucos mitos que são contados de maneira inversa, ou seja, os culpados são a comunidade e a vítima é o bode expiatório: são os anti-mitos. Há tragédias gregas nesse sentido, mas as histórias mais famosas são as do Velho Testamento e a história de Jesus Cristo, em torno da qual foi criada uma cultura religiosa que denuncia o mecanismo do bode expiaório: o Cristianismo. Girard vê no apocalipse não uma manifestação da ira divina, mas a violência humana em escala mundial, ou seja, todo o mundo se torna uma zona de guerra.

Fonte: Carly  Osborn, The Theory of René Girard, Girard Seminar, Adelaide, Austrália, 2016.