A sensibilidade racional
Reconhecer suas
neuroses é bom; decidir fazer algo para resolvê-las é melhor ainda; mas fazer
esse algo, concretamente, é uma coisa totalmente diferente. Cuidado, contudo, para
que esses insights não se transformem em pensamentos do tipo: “Eu vejo com
clareza que ando me comportando de maneira idiota, portanto sou um idiota!”
A solução?
Adquirir sensibilidade racional. Em outras palavras, tornar-se sensibilizado,
mas não sensível: em termos mais claros, ensinar-se como ser sensível
sem ser vulnerável.
A
sensibilidade racional consiste em empregar seus pensamentos e emoções de
maneira que você se torne cada vez mais sensível e perceptível aos seus próprios
erros e aos erros dos outros. Ao mesmo tempo, consiste em tornar-se infinitamente
menos vulnerável, menos condenatório, quando você erra, ou quando os outros
erram. É a capacidade de agir de maneira autêntica, e deixar que os outros ajam
de maneira autêntica, sem condenar-se a si ou aos outros quando formos tolos, quando
cometermos erros ou quando agirmos de maneira autodestrutiva.
Um dos
pensamentos mais comuns nessas situações é que devemos ser castigados pelo que
fizemos. Castigo, neste sentido, não significa apenas penalização. Se você continuar
apresentando um mal desempenho o que poderá acontecer é que será penalizado: ou
seja, você não será recompensado por ter sido bem sucedido, será criticado por
cometer algum erro, não poderá continuar no projeto etc. Mas castigo significa penalização
mais condenação. Significa que só porque cometeu um erro você tem que
ser especialmente condenado a sofrer nesta terra, pois você supostamente
violou a lei da natureza de que você deve, você tem que, você precisa
ser bem-sucedido.
A
sensibilidade racional lhe mostrará, de maneira explícita e eficiente, como
desinventar os demônios e duendes que você idiotamente inventou e como substituí-los
por filosofias de vida racionais: (1) “Não é horrível que meu
departamento tenha tido um desempenho tão ruim este ano; é apenas muito
inconveniente”; (2) “É claro que eu consigo aguentar esse tipo de
fracasso. Nunca irei gostar de fracassar, mas sempre poderei lidar de
maneira elegante com isso”; (3) “Não há, nem nunca poderá haver, nenhuma
evidência de que eu seja uma pessoa indigna por ter tido um desempenho tão ruim”;
(4) “Não importa se eu continuar cometendo erros, eu nunca merecerei ser
castigado por meu comportamento ineficaz. Castigo significa condenação; e nem
eu nem ninguém seremos condenados mesmo que façamos algo tolo ou irresponsável”.
A essência de
praticamente todos os transtornos humanos reside em seu caráter ditatorial,
grandiloquente, exigente, típico de criancinhas de dois anos de idade. As
pessoas naturalmente, e facilmente, a causa de suas predisposições biológicas e
ambiente familiar degradado, creem com devoção e intolerância que elas precisam
o que elas querem, que elas precisam ter o que elas preferem,
que é um horror se elas forem privadas.
A sensibilidade
racional sensibiliza o individuo a suas próprias exigências pueris, bem como as
dos demais. Ela lhe mostra como é completamente louco lamuriar-se, reclamar,
choramingar e insistir que o universo foi feito especialmente para ele. O
indivíduo que pratica a sensibilidade racional, por outro lado, não tem certeza
de nada; ele aceita de bom grado o acaso e a probabilidade; ele percebe que nem
ele nem ninguém é uma pessoa indigna.
A sensibilidade racional e o executivo
De certa forma
o executivo é um revolucionário nato. Ele naturalmente se conforma em grande
medida às regras organizacionais vigentes: pois ele sabe perfeitamente bem que
se não as seguir não conseguirá nem mesmo aproximar-se da direção da empresa a
qual pertence.
Porém, o
líder organizacional realmente dedicado às suas atividades está sempre, de maneira
automática, procurando ineficiências por eliminar e eficiências por construir. Raramente
fica satisfeito em seguir indefinidamente as mais “bem-sucedidas” e consolidadas
políticas da empresa; de outra forma, seu trabalho se tornaria rotineiro e
tedioso. Dado que “mudanças radicais” é outro nome para “revolução”, o
executivo é sob vários aspectos (e não somente teoricamente) uma das criaturas
mais revolucionárias da terra.
O executivo,
ademais, é um ser essencialmente lógico e racional. Ou, pelo menos, deveria ser!
Pois embora seja emotivo, líder e orientado por comportamentos, ele é forte em
pensar, imaginar, planejar, estruturar e teorizar. Ele não apenas age; ele usa
a cabeça. Talvez seu ponto mais forte esteja precisamente nisso: enquanto alguns
são exímios pensadores, outros extremamente emotivos e alguns
extraordinariamente impetuosos, o executivo tende a empenhar-se nessas três formas
de comportamento.
Mas como?
Bem, tente por um momento observar o homem, não apenas sua obra. Por
que o executivo tem poder para executar? Em última instância, porque ele
realmente quer. Ele quer, prefere, gosta imensamente de liderar
os outros e dirigir empresas. Ele deseja intensamente a eficiência e o
sucesso. Ele anseia apaixonadamente atingir os objetivos da empresa. Ele
cobiça ativamente vários tipos de poder. Ele normalmente detesta,
despreza e odeia a ineficiência, a fraqueza, a desordem e o desperdício.
Ele sabe muito bem onde ele quer chegar na vida e está absolutamente determinado
a chegar lá.
Mas será
que seus desejos, gostos, vontades, ânsias, cobiças, ódios e determinações realmente
representam a epítome do desinteresse, da pura objetividade e da frieza? Não
tenha dúvida! Muitos de seus métodos podem ser incrivelmente frios e calculados.
Ora, mas e as chamas da motivação, aquela motivação que ventila e promove esses
métodos? Será que elas também são frias e calculadas?
O verdadeiro
executivo é, portanto, naturalmente racional, mas é também naturalmente, no
melhor sentido do termo, sensível. Ele não apenas sabe o que é, mas
também o que deveria ser.
A
sensibilidade racional é sensatamente dualista. Ela reconhece a existência das inclinações
totalmente centradas no prazer, as tendências incrivelmente egoístas e maravilhosamente
individualistas do cidadão saudável. Mas não se esqueça: as pessoas, em
especial os executivos, trabalham com outras pessoas.
A
sensibilidade racional o ajudará a que se sensibilize com você mesmo; com as
pessoas mais próximas a você (esposa, filhos); a seus colegas de trabalho, a
seus superiores e subordinados. Ela oferece a você uma chave para a humanidade:
entender os comportamentos incrivelmente repetitivos das pessoas ao seu redor.
Determinação
Antes de
mais nada, o executivo competente é uma pessoa determinada, que decide. Ele
pensa por meio de planos e cronogramas. Então é quando ele decide implementá-los
com determinação.
Adiar deliberadamente
uma decisão é sinal de uma necessidade terrível de aprovação.
Em primeiro
lugar, desafie-se: as decisões são parte do processo gerencial; enquanto você
for gerente, é você quem decidirá se deve ou não manter uma determinada pessoa
na equipe. Quem disse que todos devem tratar você com isenção total? Sim, é
triste mandar alguém embora; sim, haverá consequências à esposa e aos filhos do
funcionário, que certamente sofrerão; mas não é você que está encorajando
a miséria dele, mas ele mesmo.
Mas e o
excesso de determinação, ou seja, a ânsia de decidir rapidamente? Não seria isso
um problema também? Sim, pode ser. Se sua raiva, sua autodepreciação, sua baixa
tolerância à frustração, se tudo isso foi a verdadeira causa de sua decisão impulsiva,
açodada, e impetuosa de demitir o funcionário, então, sim, você maculou sua
capacidade executiva, sua posição.
Quanto mais
reativo você for em relação ao comportamento inadequado de um de seus
subordinados, tanto mais será alvo de seu ressentimento e de seu enfrentamento.
Dado que esta é a maneira que muitas (mas não todas) pessoas são, por que não aceitar
tranquilamente esse fato e até mesmo usá-lo a seu favor?
Pois se
você realmente for capaz de resolver o problema fundamental do “ego” e da “autovalorização”,
você não apenas estará à frente no jogo da eficiência executiva, mas se tornará
invulnerável à maioria dos golpes e “insultos” que certamente receberá ao longo
de sua trajetória em outras importantes áreas da vida.
Concentração
O elemento
mais importante para a competência executiva é provavelmente a capacidade de concentração
continuada.
Eis algumas
regras gerais: Tente concentrar-se nas coisas mais importantes a serem feitas,
por você e por outros, para cumprir os objetivos da empresa. Observe sua vida
social – e a dos outros – no ambiente de trabalho.
O que está bloqueando
a sua concentração eficiente? Ora, você. A principal cagada é
provavelmente sua baixa tolerância à frustração, ou, em outras palavras, seu
hedonismo de curto prazo. Sim, você sabe que não deve perder tempo com trivialidades,
com socializar excessivamente com seu chefe, seus pares, seus subordinados, que
você deve concentrar-se no que é realmente importante etc. Mas conhecimento não
é ação.
Que tipo de
merda está fazendo com você mesmo? Este deveria ser o principal aspecto sobre
você: adiar o prazer presente em prol de um ganho no futuro.
A relação com os outros
Um dos
aspectos mais importantes a que o executivo deve prestar atenção é sua relação com
os outros. É necessário manter uma relação amigável, embora não necessariamente
intima, com eles.
Você sabe
perfeitamente bem que há tarefas que deve executar, por mais chatas e
inoportunas que sejam; que há pessoas com quem deve relacionar-se, por mais
estúpidas e desprezíveis que sejam; que há prazos e processos a cumprir, por
mais draconianos e arbitrários que sejam. O problema não é a respeito no quê
você deve disciplinar-se, mas como. A falta de disciplina normalmente
é causada por uma ideia irracional básica na qual literalmente milhões de indivíduos
creem. Ela reza que é mais fácil evitar enfrentar as dificuldades e
responsabilidades da vida do que assumir formas mais recompensadoras de
autodisciplina.
Autoaceitação
A característica
humana mais valiosa talvez seja a autoaceitação plena.
Poucos psicólogos
sabem o que é autoaceitação. Frequentemente confundem autoaceitação com “autoconfiança”,
“autoestima”, “autoaprovação”, “amor próprio” e coisas do tipo, que em muitos
aspectos não só são diferentes mais contrários à autoaceitação.
A autoaceitação
incondicional significa exatamente o que parece significar: que o indivíduo se aceita
completamente a si mesmo, a sua existência, a seu ser, a sua vivacidade,
sem qualquer tipo de restrição ou condição. Por outro lado, o que normalmente chamamos
de “autoconfiança” ou “autoestima” são conceitos altamente condicionados
de aceitação. Pois se você confia em si mesmo ou estima-se a si mesmo
invariavelmente o fará por alguma razão, porque faz algo bem. E
se esse é o caso, então você imediatamente perderá essa confiança ou estima
assim que começar a fazer coisas mal feitas. “Eu sou bom não porque eu faça
algo bem feito ou porque eu seja amado pelos outros, mas pelo simples fato de
que estou vivo. Minha bondade está em minha vivacidade. Ponto final.”
A autodepreciação
frequentemente leva ao outro lado da moeda da insegurança pessoal: a exaltação compulsiva
do ego. Se você acha que não vale nada enquanto pessoa somente porque fez
coisas erradas ou mal feitas, então começará a tentar provar a si mesmo que
você na verdade é, sim, uma pessoa digna e de valor; e a maneira com que
fará isso é fazer coisas que supostamente inflem seu ego e dar-se tapinhas nas
costas por ter feito elas.
As tentativas
de inflar o ego são provavelmente os comportamentos mais destrutivos da eficiência
organizacional.
Sentimentos de hostilidade
A autoafirmação
é um dos mais saudáveis objetivos no ambiente de trabalho, e um dos que mais o ajudarão
a atingir (e manter) a eficiência executiva. Mas o problema é que é muito fácil
confundir autoafirmação com hostilidade. Dado que a hostilidade, ou raiva, nos
motiva a ser assertivos e às vezes a atingir bons resultados (ou ao menos
resultados rápidos), então muita gente conclui que (1) a raiva é um elemento necessário
da afirmação, (2) a raiva é uma demonstração de força, (3) a raiva é uma demonstração
autêntica a respeito do que está acontecendo e (4) a raiva é altamente desejável.
A afirmação
(ou assertividade) é saudável porque demonstra que você quer algo e que está
determinado a fazer alguma coisa para obter esse algo, mesmo que algumas
pessoas pensem diferente e queiram que você faça o que elas querem.
Mas a
hostilidade é algo completamente diferente. A hostilidade não é apenas batalhar
pelo que você quer; é depreciar, enquanto ser humano, àqueles que querem algo
diferente de você.
Depressão
Será que a
sensibilidade racional ensina às pessoas que elas nunca, jamais, devem
sentir-se deprimidas – nem mesmo quando alguém querido morrer ou quando uma empresa
entrar em falência? Sim, é exatamente isso que ela ensina. Pois a depressão, quando
corretamente definida, não significa apenas tristeza profunda, infelicidade ou
luto; depressão significa também autodepreciação, autopiedade e um sentimento
de total desesperança.
Pois
sentir-se frustrado, contrariado, chateado, tudo isso naturalmente o encoraja a
sentir-se triste e cabisbaixo. Mas sentir-se deprimido, desesperado, completamente
melancólico, significa, acima de tudo, que você está torturando-se a si
mesmo por ser torturado, que está exigindo e fazendo birrinha porque o
mundo deveria ser arrumado de tal forma que você nunca seja frustrado,
contrariado e chateado.
Quase todos
os transtornos de personalidade resultam do mecanismo de culpa irrealista e
exagerada – culpar a si mesmo, os outros, o mundo. Quando se comporta neuroticamente
você flagela pessoas e coisas de maneira supergeneralizada somente porque algumas
características delas são indesejadas. Ao invés de querer, desejar e
preferir que essas pessoas e coisas tenham características melhores, você
exige e ordena que elas melhorem completa e imediatamente.
Fonte: Albert Ellis, Executive Leadership, Institute for Rational Living, Nova York, NY, EUA, 1972.