Hieromonge Damascene Christensen
O Caminho cria, mas não exige nada para si ...
Controla, mas sem compulsão.
(Tao Te Ching, cap. 51 – tradução da versão de
Gi-ming Shien).
Segundo a teologia mística cristã, o Criador-Logos implantou
em cada coisa criada seu próprio logos, seu próprio princípio ou
essência interior, aquilo que faz a coisa ser o que propriamente é e que ao
mesmo tempo direciona essa coisa a seu fim próprio, isto é, a Deus. O
Criador-Logos, trazendo tudo à unidade, faz do universo um “cosmos” integrado e
harmonioso. Ele atrai todos as coisas a Si (cf. João 12:32), embora domine sem
compulsão, direcionando cada coisa naturalmente, segundo seu próprio logos.
Conforme ensina São Máximo, o Confessor, “a Origem e Causa dos seres criados
tem, enquanto Verdade, conquistado todos as coisas naturalmente, atraindo suas
atividades a Si”.
Enquanto seguidores do Criador-Logos, é nosso dever
discernir e identificar o logos de todas as coisas. Se somos chamados
ao comando de algo, devemos exercê-lo naturalmente, sem forçar, sem agir segundo
as aparências ou opiniões, mas segundo a essência interior de cada coisa. Isso
vale especialmente para a relação com outros seres humanos, os quais, a despeito de
suas carapaças, possuem implantados em si este princípio interior que tende a
Deus.
* * *
A doutrina de que o Cristo Logos é o Fim de todas as coisas
é misteriosa e profunda. Conforme dissemos acima, todas as coisas criadas
possuem seu logos, sua essência ou princípio interior. O logos de
cada coisa é uma “ideia” de Deus, e é mediante o logos que a coisa passa a existir em um
determinado tempo e lugar e de uma determinada forma, e é mediante o logos que ela se
desenvolve. O logos é o ponto de contato da coisa com Deus, ao mesmo
tempo em que é o fim ao qual ela tende. Deus introduziu nas criaturas o
amor que as faz tender a Si, atraindo-as para sua realização.
As ideias ou logoi das coisas individuais estão
contidas em ideias mais gerais ou superiores, como espécies contidas em um
gênero. O todo, por sua vez, está contido no Criador-Logos, no Princípio
Cósmico unificante. Portanto, quando buscamos penetrar nas essências ou
princípios interiores (logoi ou “verbos”) das coisas criadas, somos ao
cabo levados ao conhecimento do Verbo, da “causa operadora” e ao mesmo tempo
Fim de todas as coisas.
O Logos é o Princípio de todas as coisas porque é dEle que
fluem as emanações criativas, os logoi particulares das criaturas. Ele é
o Fim de todas as coisas porque Ele é o centro para o qual todos os seres
criados tendem. Eis o sentido místico por trás das palavras dEle: Eu sou o
Alfa e o Omega, o Princípio e o Fim (Apocalipse 1:8).
Este entendimento ajuda a compreender a natureza da doutrina
de Lao Tsé. Ao contemplar as essências interiores das coisas
criadas e ao buscar penetrar-lhes em seu fim – seus logoi –, o Velho Sábio foi conduzido
naturalmente ao conhecimento intuitivo do Logos. No capítulo 52 do Tao Te
Ching lê-se:
Encontrada a mãe, conhecemos o filho;
Conhecendo o filho, observamos pois a mãe.
(Tradução da versão de Gi-ming Shien)
São Máximo, o Confessor, explica a coisa da seguinte forma:
“Quem quer que não limite sua percepção da natureza das coisas visíveis ao que
seus sentidos são capazes de observar, mas com seu espírito sabiamente busca a
essência que reside no interior de cada criatura, encontrará também a Deus; pois
da magnificência manifesta dos seres criados apreendemos quem é a Causa de seus
princípios”.
* * *
Quando Lao Tsé fala de retornar à Simplicidade primitiva,
ele na verdade refere-se aos logoi das coisas criadas aproximando-se de
seu Fim, do Logos simples e indivisível.
* * *
Se a roda de trinta raios de Lao Tsé é uma metáfora do
universo, então Cristo Tao ou Logos é o cubo da roda para onde os raios do universo
convergem. Essa comparação corresponde ao ensinamento cristão de que o Logos
é o centro ou ponto central ao qual todos os logoi das criaturas tendem.
Situado no centro, Ele também é o ponto mais baixo.
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“O controle das paixões pela vontade é chamado de força”.
(Tao Te Ching, cap. 55 – tradução da versão de
Gi-ming Shien)
Por meio do controle das paixões somos capazes de ter um
insight das essências das coisas; por sua vez, esse insight nos ajuda a
controlar as paixões. Tal foi a experiência de Lao Tsé, Sócrates e demais
sábios pré-cristãos, e tal é a experiência dos seguidores do Caminho depois de
se fazer carne. São Máximo, o Confessor, ensinava:
“Todo espírito arrebatado por Deus extirpa a energia
das paixões bem como o turbilhão tosco de pensamentos. Além disso, conseguirá
também cessar o uso indevido e desenfreado dos sentidos. Pois as paixões,
levadas triunfalmente à sujeição ante as formas superiores de contemplação,
serão destruídas pela visão sublime da natureza”.
* * *
Quem quer que supere suas paixões, abreviando seu desejo
pelas coisas criadas, conseguirá enxergar para além das realidades sensíveis e
para dentro das essências interiores (logoi) das coisas, incluindo os
seres humanos. “Somente a alma liberta das paixões”, ensina São Máximo, “é
capaz de contemplar infalivelmente os seres criados”.
* * *
O Pe. Seraphim [Rose] dizia que Adão, a primeiro criatura
humana, encontrava-se em “estado de sobriedade: nepsis, em grego”. “Ele
mirava as coisas e as enxergava como são. Não haviam ‘pensamentos duplos’” como
os que temos “em nosso estado caído”, não havia isso de “olhar para uma coisa e
imaginar outra”.
Por meio da graça do Cristo em Sua Igreja, os santos
ortodoxos também eram capazes de retornar a esse estado pré-queda de sobriedade
e vigilância. Eles possuíam consciência pura e aberta, mediante a qual
apreendiam a natureza original do homem e as distintas naturezas das coisas
criadas, e, para além delas, as “ideias” ou “pensamentos-vontades” (logoi)
das coisas criadas que preexistem na Mente de Deus. Na teologia ortodoxa, os logoi
são os princípios incriados das coisas criadas. Eles estão contidos no Logos
(Verbo) e são separados das coisas criadas, assim como as ideias e vontades de
um artesão estão separadas da obra nas quais se manifestam. Típicos das
Energias de Deus, e não de Sua Essência, os logoi determinam as
diferenças entre as coisas criadas, incluindo aí os diferentes modos segundo os
quais as coisas participam nas Energias incriadas. Tudo na ordem da criação
recebe sua existência segundo os logoi, e tudo tende a seu fim segundo
esses mesmos logoi. Elevando-se à visão de Deus em Suas Energias, os
santos também adquiriam o conhecimento dos logoi incriados. (Cf. Melchisedec Törönen, Union
and Distinction in the Thought of St. Maximus the Confessor; Vladimir
Lossky, The Mystical Theology of the Eastern Church, p. 94-100; Fr.
Dumitru Staniloae, Orthodox Spirituality, p. 203-223. No Cristo,
os santos experienciaram não apenas a proximidade com Deus a qual Adão
desfrutou no princípio, mas a união espiritual com Deus (theosis) a qual
Adão terial angariado se não tivesse caído em desobediência.
* * *
São Nicodemos da Santa Montanha ensinou o seguinte acerca
dos logoi: “Adão foi criado por Deus sem a faculdade da imaginação. Sua
mente era pura e singular, não adquirindo nenhuma impressão ou forma sob
influência dos sentidos ou de imagens das coisas sensíveis. Ao dispensar o uso
da faculdade inferior da imaginação, Adão não visualizava os contornos, cores,
silhuetas ou dimensões das coisas, mas com a faculdade superior de sua alma,
isto é, com o intelecto, ele contemplava imaterialmente, puramente e
espiritualmente somente os princípios interiores [logoi] dos seres”.
Ilustração: Adão e Eva no Paraíso, Peter Paul RUBENS, c. 1628.