O que é amor? Amor é um sentimento? É um “gostar muito” de alguém?
É uma atração inevitável? É possível amar coisas ou se ama apenas pessoas?
Em Estudios sobre el amor, uma coletânea publicada na
Argentina de artigos que Ortega escreveu para o diário El Sol, de Madrid, em
1927, quinze breves capítulos resumem o que o filósofo espanhol pensava sobre o
assunto.
Talvez o dado mais importante sobre o amor é que, para
Ortega, ele não é nem sentimento, nem desejo, nem pensamento, nem volição, nem
ato: tudo isso são possíveis consequências do amor, possíveis efeitos dele, mas
o amor não é, em si, nada disso. Desejar um bom vinho não é amá-lo; o viciado deseja
a cocaína ao mesmo tempo em que a odeia por sua ação nociva. O desejo morre ao
ser satisfeito; o amor por sua vez perdura. Quando desejo algo, sou o centro
de gravidade para onde espero que as coisas venham a cair. Pelo contrário, no
amor tudo é mover psíquico: sou eu que “vou” ao objeto e estou nele. Não é o
objeto que gravita em mim, mas sou eu que gravito no objeto amado. O mover
físico pode existir ou não, isso não importa tanto. Ademais, o amor não é
pontual como o pensamento ou a vontade, mas um fluxo, como um fluido que emana
continuamente de uma fonte, uma “irradiação psíquica”.
Mas o ódio também não é assim? A diferença é que o amor é
pró ao objeto, enquanto o ódio é contra. O amor se ocupa de afirmar o objeto,
sem duvidar por um instante do direito dele existir. O ódio, por outro lado,
quer virtualmente matar o objeto.
Amor define-se, assim, como um ato centrífugo da alma, que
vai até o objeto em fluxo constante e o envolve em cálida corroboração, unindo-a
a ele e afirmando seu ser. O sintoma mais evidente do amor é um estar
ontologicamente unido ao amado, fiel ao destino deste, seja qual for.
A esta altura, muita gente pensa no amor como sexo. Ora, o
sexo pode ou não estar presente numa união amorosa, mas a presença do sexo não implica
necessariamente na presença de amor. O instinto sexual é sinal de pura
voluptuosidade. O amor sexual, por outro lado, é uma espécie de urgência em
dissolver sua individualidade na do outro e, vice-versa, absorver na sua a do
amado. O amor é uma atividade “sentimental” específica, distinta das atividades
sentimentais corporais ou psíquicas. A melhor maneira de captar o que é o amor
é não pensar somente no amor de um homem por uma mulher e vice-versa, mas
também pensar no amor que um homem tenha pela ciência, por exemplo. Amor não é
mania, não é obstinação.
Aliás, dizer que amor não é mania é outra forma de dizer que
amor não é estar apaixonado. O estado de estar apaixonado é uma concentração
superlativa da consciência, uma hiperatividade da alma, na qual o amor é apenas
secundário. É amor apenas em sentido lato, mas não stricto: é o amor de novelas
e romances populares, um estado inferior do espírito, uma “imbecilidade
transitória”, nas palavras de Ortega. É verdade que há situações em que a alma
fixa-se em assuntos políticos ou econômicos de gravidade, cuja urgência retém a
consciência de forma intensa. Há no entanto uma diferença importante:
nesses casos, a atenção se fixa de maneira obrigada, enquanto no estado de
estar apaixonado ela o faz por seu próprio gosto. Segundo Ortega, esse estado
de graça em que se encontra o sujeito apaixonado é semelhante ao do místico que se
une a Deus: ambos encontram-se assoberbados, absortos, desligados. Ambos
estados de graça, místico e erótico, conferem beleza e graciosidade a tudo que
vislumbram.
Como se dá o processo de escolha no amor? Os atos e palavras
que emitimos não revelam nosso verdadeiro ser, mas são os gestos e a fisionomia
que melhor o fazem. São eles que revelam com mais sinceridade e precisão nossos
“valores”, nossas predileções e rejeições. A vontade é capaz de suspender só
por alguns instantes os gestos e a fisionomia que refletem o fundo secreto que
nos define. Mas quando ama, o homem suspende mais prolongadamente esta
falsificação produzida pela vontade. São esses princípios, essas preferências
mais íntimas e arcanas, que selecionam o objeto do amor humano.
Assim, os homens que amam um mesmo tipo de mulher ao longo
da vida denunciam que seu caráter, seu ser mais íntimo, não se desenvolve. É o
caso, diz Ortega, do “bom burguês”. Normalmente, no entanto, os homens passam por
mudanças radicais, por transformações em sua trajetória moral. O sistema de
valores se altera e segue-se um novo esquema de seleção erótica.