27 de maio de 2011

Filosofia bizantina IV


Há entre os estudiosos da filosofia bizantina uma tendência muito natural de desprezar a influência latina no pensamento dos grandes autores do Império Bizantino. Embora parte desta postura seja justificável pelo simples fato de que as influências gregas no pensamento latino tenham sido muito maiores do que o contrário, é também fato que os autores latinos chegaram a exercer alguma influência sobre a filosofia desenvolvida pelos bizantinos.

Sten Ebbesen presta um papel importante ao resumir as influências gregas no mundo latino em “ondas”, facilitando assim o entendimento geral. Por outro lado, delineia brevemente as influências latinas no mundo grego.

Influências gregas na filosofia latina

A primeira onda situa-se nos séculos I a.C. e I d.C., quando Cícero, Varro, Lucrécio e Sêneca eram os responsáveis pelos maiores feitos filosóficos da época. As principais influências gregas situam-se no campo educacional, pois a virtual ausência de traduções latinas dos clássicos gregas – honrosa exceção feita ao Timeu, traduzido por Cícero – formava um obstáculo de difícil transposição. Esta primeira onda ainda não foi capaz de formar uma tradição filosófica latina, mas foi importante para introduzir elementos da filosofia grega na língua latina, como a ética estóica, por exemplo.

A segunda onda situa-se entre os anos 350 e 525. Novas traduções e adaptações foram feitas, sobretudo o Organon de Aristóteles, entre outras obras do Estagirita: Boécio foi o tradutor mais importante, que se considerava uma espécie de “segundo Cícero”. Prisciano esteve em Constantinopla para compor uma ampla gramática latina. Ademais, elementos do pensamento neoplatônico foram introduzidos no pensamento latino por Santo Agostinho, o qual foi responsável direto pela criação de uma tradição filosófica viva entre os latinos.

A terceira onda forma-se quando a educação superior começou a ganhar novo ímpeto no Ocidente nos dias de Carlos Magno. No século X, a onda ganhou ainda mais força, quando uma tradição genuinamente latina finalmente tomou forma. O Ars Vetus, as monografias de Boécio, a gramática de Prisciano e muitas outras obras foram fundamentais para o despontamento do então jovem escolasticismo. As principais características desta onda foram: (1) análise minuciosa de proposições e conceitos, frases e termos, (2) filosofia da linguagem e pesquisa lingüística, (3) formulação de regras lógicas que fundamentem uma estrutura argumentativa, (4) teste de hipóteses mediante a imaginação e (5) a noção de que a filosofia era uma empresa distinta da teologia. A maturidade deste período foi alcançada no século XII, com pensadores como Pedro Abelardo, Alberico de Paris, Adam Balsham Parvipontanus e Gilberto de Poitiers. É neste século que podemos dizer que a filosofia latina emancipou-se definitivamente, já que, além das razões acima, também é este o período em que Constantinopla e Tessalônica eram os únicos centros bizantinos que restaram, enquanto o mundo latino crescia por toda a Europa Meridional e Central. Curiosamente, até onde consta, ninguém no mundo bizantino interessava-se em estudar latim.

A quarta onda é uma continuação da terceira, na qual novas traduções do Corpus Aristotelicum foram disponibilizadas, bem como comentários latinos originais. Ebbesen identifica certa esquizofrenia no meio latino, já que em muitos meios a atenção voltou-se dos particulares para os universais, para as hierarquias ontológicas, para a possibilidade de mergulhar o intelecto pessoal no mar de um “intelecto universal”.

A quinta e última onda é o movimento que comumente chamamos de “Renascença”, entre 1400 e 1500, inaugurado por uma nova injeção de platonismo. O cenário tornou-se ainda mais confuso, pois todo tipo de pensamento grego estava agora disponível. Uma profusão de filósofos incompetentes e pseudofilósofos tomou subiram à superfície. Bessarion pode ser considerado um dos destaques deste período.

Influências latinas na filosofia grega

A partir da Quarta Cruzada (1202-1204), ficou cada vez mais difícil os intelectuais gregos ignorarem a academia ocidental. Já no século XIII, alguns textos latinos foram traduzidos para o grego, como Boécio, Macróbio, Donato, Santo Agostinho, Tomás de Aquino e outros. No século XIV, Barlaão da Calábria e mesmo São Gregório Palamás citaram ou aludiram a Santo Agostinho. São Gregório teria feito uso da distinção entre signos indicativos e signos comemorativos de Sexto Empírico. Ebbesen afirma, porém, que o contexto geral de tais influências eram muito modestas e pontuais.

Mais tarde, Demétrio (c. 1324-1397/8) e Prochoro Kydones (c. 1333-1369/70) traduziram importantes textos latinos para o idioma grego. Os imãos Kydones traduziram Santo Agostinho, Tomás de Aquino, Hervaeus Natalis e outros. Jorge Scholarios (c. 1400-1472/4), também conhecido como Gennadios, traduziu outras obras de Tomás de Aquino, além de Pedro da Espanha e comentários acerca do Ars Vetus, sobretudo de Radulphus Brito.

A influência latina prosseguiu durante o período otomano. Theophilos Korydaleos (1572-1646) foi um dos responsáveis por trazer o pensamento aristotélico ao mundo grego.

Conclusão

Em verdade, somente na Itália do século XV foi possível verificar uma quantidade razoável de intelectuais dos dois grupos lingüísticos travando conversações e lendo os livros uns dos outros. Nos demais períodos, as influências deram-se de maneira unidirecional, em momentos de fraqueza de um dos lados, e por isso mesmo prejudicial, pois desacompanhadas da devida elaboração e adaptação.

22 de maio de 2011

As estratégias de poder nas empresas


Bastam alguns poucos meses de experiência profissional para que uma realidade geralmente menosprezada nos cursos de formação técnica e superior se torne evidente. Os recém-ingressos no mercado de trabalho rapidamente percebem que as empresas privadas não são guiadas exclusivamente pelo cálculo econômico racional, ou seja, elas não tomam suas decisões baseando-se em considerações que estejam direta e indiretamente ligadas à otimização do lucro e redução de custos. Quem quer que observe com atenção a dinâmica de relações em uma empresa logo concluirá que há muitos outros elementos que são levados em consideração pelos gerentes em suas tomadas de decisão. Amizades, afeições, ambições, ciúmes, invejas, temores, ameaças – estes e outros são componentes perenes da ação humana que também fazem parte das empresas e que também desempenham um papel importante na vida organizacional. A ação humana possui uma dimensão social, e as organizações, por fazerem parte da sociedade, não estão isentas da ação destes elementos essencialmente humanos.

O organograma geralmente é entendido como sendo a síntese das relações de convencionais de autoridade entre estes elementos. Todavia, sabe-se, conforme mencionado acima, que há inúmeras relações que não são convencionais e que, mesmo assim, precisam ser levadas em conta pelo gerente-geral, pelos gerentes e pelos funcionários.

De que outras maneiras além das convencionais os funcionários de uma empresa, ao longo de seu desenvolvimento e maturidade, procurarão influenciar as decisões de seus superiores? Quais estratégias políticas a direção da empresa poderá adotar para se relacionar com órgãos reguladores e fiscalizadores? De que maneira os sócios poderão se beneficiar pessoalmente de sua posição privilegiada? Como os sócios poderão agir para influenciar-se mutuamente a fim de que a empresa tome a direção desejada por um ou alguns deles?

Visão geral

As “estratégias de poder” – assim chamadas em uma das obras mais importantes sobre estratégias empresarias (MINTZBERG; AHLSTRAND; LAMPEL, 1998) – são aquelas que têm por objetivo explícito influenciar politicamente pessoas e empresas. Por “politicamente” entende-se influenciar por meios que não sejam exclusivamente econômicos e mercadológicos, ou seja, por relações que vão além das atividades típicas da função empresarial. A formação de alianças é uma das estratégias políticas que vêm à mente quando se fala de poder, mas nem sempre as estratégias de poder restringem-se a meios legais; neste sentido, podemos pensar também na formação de cartéis que, embora formalmente ilegais, também devem ser classificados dentro da categoria de estratégia de poder. Portanto, as expressões “estratégia de poder” e “estratégia política” são intercambiáveis, embora etimologicamente a segunda expressão sugira um uso mais governamental e partidário do que propriamente empresarial, o que naturalmente acaba conferindo às estratégias políticas certo perfil antiético, o qual, veremos, é um tanto injusto.

No meio acadêmico, empresarial e midiático, costuma-se dar grande destaque à estratégia posicional (PORTER, 1998a), cuja característica precípua é fazer avançar a empresa mediante técnicas mercadológicas, administrativas e financeiras, ou seja, mediante técnicas que se situem dentro dos limites da atividade empresarial clássica. Por outro lado, a estratégia política, conforme dissemos acima, procura precisamente descrever e fornecer meios através dos quais o empresário, o grupo gestor, os gerentes ou mesmo os funcionários sejam capazes de afetar e manipular os principais agentes de influência que gravitam em torno da unidade empresarial, departamental ou funcional. É verdade que esta divisão não é estanque: Michael Porter também sugere em sua obra (PORTER, 1998b, p. 220) movimentos que possam ser classificados como políticos, e nem sempre toda estratégia política deixa de ser também, sob certos aspectos, econômica. Por isso, verificamos que há na realidade um continuum entre as duas estratégias.

Assim, as relações de poder podem ser divididas em duas grandes classes, dentro das quais a literatura pertinente também se dividirá respectivamente. A primeira é o micropoder, ou seja, as relações de poder intraorganizacionais. A segunda é o macropoder, ou seja, as relações de poder organizacionais. Em outras palavras, o micropoder é a relação de poder de indivíduos dentro de uma empresa, enquanto o macropoder é a relação de poder da própria empresa, ou seja, da própria unidade organizacional.

A literatura de ambas as classes é relativamente diminuta. Verifica-se que pouca atenção tem sido dada às estratégias de poder, embora curiosamente elas sejam onipresentes nas empresas. Mas como se explica esse fenômeno? Talvez a divisão de temperamentos (KEIRSEY, 1995) ajude a explicar esta situação. Enquanto empresários, empreendedores e líderes em geral tendem a ser “idealistas” e “artesãos” (nomenclatura do próprio autor), os estudiosos e formuladores de estratégias tendem a ser “racionais”. Naturalmente avessos ao ambiente disforme e irracional das relações empresariais e pessoais, os estudiosos das estratégias empresariais menosprezam muito facilmente estes aspectos, procurando apegar-se ao ambiente racional e controlado das relações econômicas e mercadológicas. Em outras palavras, as estratégias posicionais, com sua ênfase em questões de liderança em custo e diferenciação, são elevadas à condição de “relações éticas”, superiores, honrosas, enquanto as relações de poder, influência e alianças são rebaixadas a algo menos do que antiético, desprezível e mesquinho. Assim, um curioso paradoxo se forma neste âmbito: acadêmicos e pesquisadores devem aprender a observar as relações empresariais para além de suas interfaces econômicas e mercadológicas, enquanto empresários e CEOs precisam aprender a valorizar as pesquisas que lhes ajudem a compreender a ampla natureza de sua atividade e, conseqüentemente, a tornarem suas organizações mais sólidas, duradouras e lucrativas.

Micropoder

As organizações são compostas por indivíduos, isto é, são compostas pelos sonhos, esperanças, invejas, ciúmes, interesses e temores destes indivíduos. Ingênuos são aqueles que imaginam que os gerentes são seres perfeitamente racionais, ou pelo menos exclusivamente racionais, que, ao adentrarem em suas organizações, deixam para trás os aspectos a-racionais de sua psique. Similarmente, ingênuos são aqueles que imaginam que as estratégias e táticas empresariais não levam em conta estes aspectos a-racionais.

É impossível formular estratégias ótimas. Os objetivos dos indivíduos e as coalizões que são engendradas a partir da relação entre eles torna impossível que a estratégia pretendida não seja perturbada e distorcida ao longo do caminho, o que significa que toda uma gama de “jogos políticos” é desempenhada no interior das organizações, os quais desvirtuam a estratégia original.

Em um clássico artigo acerca dos movimentos sociais nas organizações (ZALD, BERGER, 1978) – a expressão “movimentos sociais” não tem a mesma acepção que a tomamos coloquialmente, ou seja, não se refere a ONGs, sindicatos e instituições similares –, três desses “jogos” são descritos:

(1) Golpes: é a tomada de poder, engendrada quando os golpistas substituem os donos do poder por si próprios, mas mantém a estrutura de poder intacta.

(2) Insurgências: não há substituição da liderança, mas apenas uma mudança de algum aspecto da função organizacional que se dê fora dos canais políticos convencionais.

(3) Movimentos de massa: meras expressões de descontentamento ou resistência a mudanças; são mais visíveis e envolvem mais pessoas do que os dois “jogos” acima.

Os “movimentos sociais” nas empresas são, na verdade, fenômenos que lembram os movimentos sociais classicamente estudados nas ciências políticas e sociais. Se guardarmos as devidas proporções, eles também ocorrem nas empresas. Trata-se de um fato facilmente verificável, mas dificilmente versado na literatura sobre estratégias empresariais.

Movimento social é aquele em que há uma expressão por uma preferência de mudança entre membros de uma sociedade. Os movimentos sociais diferem-se entre si no que tange (a) a amplitude de apoio dentro da sociedade, (b) os objetivos, (c) as estratégias e táticas e (d) a localização dos partidários na estrutura social. Há ainda dois componentes que regem a participação de partidários em movimentos sociais: a relação risco/recomepensa e a alocação de recursos.

Assim como os processos políticos da sociedade são caracterizados em termos de direitos, deveres e privilégios dos diferentes indivíduos e grupos entre si, assim também a organização define direitos e deveres dos membros e líderes em relação às decisões e comportamentos. Dentro destes limites estabelecidos é que ocorrem as políticas convencionais. As políticas anticonvencionais procuram precisamente afetar as decisões e alocações de recursos por maneiras "ilegais", ou pelo menos neutras, do ponto de vista da constituição organizacional. Os movimentos sociais são, portanto, formas de política anticonvencional.

As empresas corporativas, ou seja, as empresas que possuem um centro bem estabelecido que "possui" a empresa de maneira claramente hierarquizada são menos suscetíveis a movimentos políticos do que empresas federadas, ou seja, empresas que possuem centros decisórios difusos em diversas unidades de negócio relativamente autônomas. Nas empresas corporativas, as políticas anticonvencionais se dão em sua maior parte de maneira conspiratória e flagrante, enquanto nas empresas federadas elas se dão de maneira mais constante e permeada. Neste trabalho, dado que o interesse é mais concentrado em empresas corporativas, delinearemos três dos processos mais comuns de conspiração dentro delas.

Os movimentos sociais nas organizações são exatamente o local nos quais surgem as questões e debates políticos das mudanças sociais. As organizações não estão inseridas apenas em "ambientes", mas na sociedade como um todo. O argumento central aqui é que os conflitos nas organizações ocorrem fora dos canais normais. Trata-se, portanto, de uma "oposição anticonvencional". Assim como nos Estados-nações, nos quais os conflitos ocorrem fora dos canais institucionalizados, assim também ocorre nas organizações: a maior parte das oposições anticonvencionais podem ser analisadas com as mesmas ferramentas utilizadas pelas análises dos movimentos sociais.

Retomando-se o que foi dito acima, os três tipos de movimento social são o golpe organizacional, a insurgência burocrática e os movimentos de massa. Estes três tipos são análogos aos encontrados na literatura dos movimentos sociais. As condições internas de cada organização promovem ou inibem cada um dos três tipos, segundo as características vigentes. Ademais, estas formas de oposição ocorrem em diferentes instâncias na estrutura social, usam diferentes táticas e seus efeitos também são variados.

(a) Golpes organizacionais

Em LUTTWAK (1979), argumenta-se que os golpes não são perpetrados de fora, mas são uma tomada de poder perpetrada desde dentro do sistema. Ademais, os golpes costumam ser politicamente neutros, cujo objetivo é a mera tomada do poder. Qual política será implementada é uma questão a ser tratada depois do golpe. Por fim, LUTTWAK (1979) também ensina que os golpes nunca confrontam diretamente o adversário, mas atuam mais semelhantemente a técnicas de judô, fazendo uso do peso e do equilíbrio do adversário contra ele mesmo.

Por analogia, os golpes organizacionais são definidos como sendo infiltrações de grupos pequenos, mas críticos, desde dentro da estrutura organizacional, com o objetivo de sucederem o poder vigente. Infiltração implica em secretude, que é uma das características principais do golpe organizacional.

Há algumas condições que precisam estar vigentes para que seja possível a ocorrência de um golpe.

(1) Os subordinados devem ser muito dependentes de seus superiores. Em outras palavras, a estrutura organogramática tem de ser bem hierarquizada.

(2) Os CEOs da empresa devem tradicionalmente ser escolhidos de dentro. Um golpe pode até demover um CEO, mas sem a garantia de que um dos golpistas será eleito o novo CEO, a relação risco/recompensa torna-se alta demais.

(3) Os conspiradores têm de ter acesso ao conselho administrativo, ou seja, aos votos ou aos membros que detêm mais votos.

(4) Os CEOs incompetentes, indecisos e fracos são vítimas prováveis de tentativas de golpe.

O golpe pode resultar de duas formas: (a) o golpe deu errado, e o CEO isola ou demite os conspiradores; (b) o golpe deu certo, ou parcialmente certo, e mudanças se seguem a ele. Em geral, os golpes raramente afetam os membros dos níveis abaixo da elite.

(b) Insurgência burocrática

A insurgência burocrática não procura substituir o CEO, mas alterar algum aspecto específico da função organizacional, como as prioridades da empresa, especificações de produtos, denúncias etc. Em geral, os insurgentes são gerentes de nível médio e até mesmo profissionais qualificados. Se alguma mudança proposta for negada, estará dada a possibilidade de uma insurgência burocrática conspiracional. Como a insurgência pede apenas por reformas, as conseqüências pelo fato de ter sido descoberta não necessariamente levam à demissão, mas reduzem-se a medidas de repressão.

Um dos principais aspectos da organização que permite a insurgência é o controle deficiente do fluxo de informações e do status quo por parte das autoridades centrais. Assim, quanto maior a empresa, mais autônomas suas estruturas, mais imprecisos os relatórios e mais provável o surgimento de uma insurgência. Por outro lado, como as insurgências situam-se em um nível inferior da organização, é necessário que haja um suporte externo maior do que nos golpes. Por exemplo, os insurgentes podem procurar influenciar clientes e fornecedores e forçar a organização a se adaptar a demandas artificialmente criadas.

O resultado da insurgência depende diretamente da intensidade com que os insurgentes ameaçam a autoridade vigente e dos custos que as autoridades têm de despender para reprimir a insurgência.

(c) Movimentos de massa

Os movimentos de massa surgem quando as duas conspirações acima tomam proporções tais que comitês e mesmo convenções são formados. O objetivo é expressar ressentimentos, descontentamentos e/ou promover resistências a mudanças.

Enquanto os golpes e insurgências só se revelam claramente no fim de suas histórias, os movimentos de massa são mais evidentes. Por exemplo: operações-padrão, greves, motins, secessões, deserções em massa e protestos.

Em termos gerais, quanto maior a organização, mais ela estará exposta a movimentos de massa. Ademais, quanto mais homogêneo for o grupo de subordinados, tanto maior a probabilidade de desafiarem os superordinados. Por fim, quanto mais verticalizada a empresa, maior as chances dos canais de ressentimento e comunicação serem bloqueados. E, claro, os custos de demissão são diretamente proporcionais às chances de movimentos sociais se formarem, além da presença de membros sindicalizados intensificar a presença de tais movimentos.

As causas dos movimentos de massa variam desde a qualidade da comida no refeitório até as práticas e procedimentos de produção e ideologização dos membros do movimento.

Outra abordagem interessando do micropoder encontra-se em BOLMAN; DEAL (2008). Segundo os autores, em tempos de dificuldade, quando as condições são desfavoráveis para a empresa, as batalhas políticas podem se reconfigurar de maneiras imprevisíveis, transformando o ambiente que outrora era saudável em um atmosfera perigosamente confusa e indiscernível aos olhos da liderança.

No entanto, embora as manobras políticas possam prejudicar ou mesmo destruir as estratégias, também é verdade que estratégias possam surgir precisamente dos processos políticos. Quando as estratégias surgem desta forma, tendem a ser mais emergentes do que deliberadas, ou seja, tendem a ser menos intencionadas, a ponto de se tornarem praticamente invisíveis. Alguns atores podem agir de maneira deliberada, mas ninguém, ou praticamente ninguém, enxerga a estratégia geral que tais manobras possam estar seguindo ou produzindo. Daí serem “emergentes”, no sentido de serem efeitos de muitas e difusas causas.

Assim, embora a política possa ter efeitos evidentemente disfuncionais, divisivos e custosos, também é verdade que a política pode e deve desempenhar um papel funcional nas organizações. Há três fontes ou situações convencionais nas quais o poder é oficialmente reconhecido: a autoridade formal, a cultura consagrada e a qualificação (expertise) técnica. Porém, há uma quarta fonte, a política propriamente dita, na qual os meios não são legítimos, ou “anticonvencionais” (ZALD, BERGER, 1978), ou pelo menos não formalmente reconhecidos, mas cujos fins são perfeitamente legítimos e desejados:

(a) A política pode exercer um papel semelhante à seleção natural, isto é, permitir que os membros mais fortes de uma organização sejam trazidos para as posições de liderança que naturalmente lhes cabem.

(b) A política pode garantir que todos os lados de uma questão sejam obrigatoriamente debatidos, enquanto as demais fontes de poder podem não promover um debate assim tão profícuo.

(c) A política pode despertar mudanças necessárias que outrora permaneceriam bloqueadas pelas demais fontes convencionais de poder.

(d) A política pode facilitar a execução destas mudanças necessárias.

Interdependência, divergência de interesses, escassez e relações de poder inevitavelmente geram atividades políticas. Românticos são aqueles que desejam que a política seja eliminada das organizações. Eliminar a política significa eliminar as pessoas, eis algo que os românticos jamais admitiriam.

(1) As empresas são coalizões de indivíduos e grupos de interesse.

(2) Há diferenças permanentes de valores, crenças, informações, interesses e percepções da realidade entre os membros das coalizões.

(3) As decisões mais importantes implicam na alocação de recursos escassos.

(4) Os recursos escassos e as diferenças permanentes conferem ao conflito um papel central na dinâmica organizacional e faz do poder o recurso mais importante.

(5) Os objetivos e decisões surgem da barganha, da negociação e da manipulação entre os diversos stakeholders.

As diferenças permanentes implicam que a atividade política é mais visível e dominante sob condições de diversidade, e não de homogeneidade. O conceito de escassez sugere que a política será mais saliente e intensa em tempos difíceis. As diferenças e os recursos escassos fazem do poder um recurso essencial. O poder nas organizações define-se como sendo a capacidade de fazer as coisas acontecerem. PFEFFER (1992, p. 30) define o poder como sendo “a capacidade potencial de influenciar comportamentos, mudar o curso das ações, superar as resistências e fazer com que as pessoas façam aquilo que de outra forma não fariam”.

A proposição final da política empresarial deixa claro que os objetivos não são formulados por decreto, mas mediante um processo contínuo de negociações e barganhas. Pouquíssimas organizações possuem um vértice unitário. Quem, por exemplo, é o líder de uma empresa? O CEO? Mas o CEO responde ao conselho. O conselho é eleito e responde aos acionistas. E os acionistas são um grupo amplo de pessoas que se encontram espalhadas e ausentes, ocupadas demais para influenciar a organização da qual cada uma detém um pedaço.

Nas empresas, todos são membros de uma grande coalizão. Todos fazem exigências por recursos e todos barganham a fim de obtê-los.

A autoridade é apenas uma das muitas formas de poder. A força da política reside na maneira como os concorrentes articulam preferências a fim de mobilizar poder para obter o que querem. Neste sentido, o poder não é algo maligno.

Os dois grandes antagonistas dos jogos políticos são as “autoridades” e os “partidários”. Toda e qualquer pessoa da coalizão que deseja exercer pressão de baixo para cima é um partidário em potencial. Enquanto as autoridades são receptoras de influência e agentes de controle político, os partidários são receptores de controle político e agentes de influência. As autoridades só são capazes de exercer controle sobre os partidários na medida em que estes respeitem ou temam a autoridade de maneira que seu poder mantenha-se intacto.

As fontes de poder, conforme dissemos acima, transcendem as fontes clássicas. Elas incluem a posição de poder (autoridade), o controle de recompensas, o poder coercitivo, conhecimento técnico, reputação, poder pessoal (“carisma”), redes de alianças, controle de projetos, controle de significados e símbolos etc.

Os gerentes que confiam somente na posição de poder, ou seja, na autoridade clássica, estarão fadados a ser flanqueados, superados e esquecidos por aqueles mais capacitados ao exercício do poder e da política. Raramente a posição de poder é suficiente para o bom desempenho de um gerente. O poder de um presidente, por exemplo, reside nas zonas de indiferença, ou seja, na sensibilidade de captar qual o terreno no qual é capaz de se mover e tomar decisões e ações sem sofrer grande oposição.

ALDERFER (1972) classifica as empresas como sendo hipercoesas ou hipocoesas, ou seja, empresas cujo poder é concentrado ou empresas cujo poder é difuso. Nas empresas hipercoesas, as atividades políticas costumam ocorrer em segredo.

Do ponto de vista político, os conflitos não são necessariamente ruins ou condenáveis. Os conflitos podem ser altamente benéficos: “uma organização tranqüila e harmoniosa pode muito bem ser um lugar apático, estagnado, inflexível e indiferente. Os conflitos desafiam o status quo e estimulam o interesse e a curiosidade. Os conflitos são a raiz da mudança pessoal e social, da criatividade e da inovação. Os conflitos encorajam novas idéias e abordagens para velhos problemas, estimulando, assim, a inovação” (HEFFRON, 1989, p. 185).

Muitos acreditam que a gestão empresarial e a política são contrárias. Trata-se de uma idéia absurda: a política é uma das dimensões da vida social e, portanto, não pode ser simplesmente “desligada”.

Neste contexto, muitos gerentes acabam atuando em um dos extremos: ou são ingênuos, ou são cínicos. Os ingênuos vêem as pessoas como boas, cordiais e confiáveis. Os cínicos, ao contrario, enxergam egoísmo em tudo e em todos. No entanto, as organizações precisam mais do que nunca de “políticos benevolentes”, de gerentes que se situem entre a ingenuidade e o cinismo. No mundo da escassez crônica, os gerentes inteligentes andam na corda bamba: desenvolvem uma base de apoio e costuram relações com aliados e oponentes.

Portanto, os gerentes devem exercer quatro habilidades:

(a) Estabelecer um projeto (“agenda”). Politicamente, o projeto (em inglês, agenda) é composto de uma declaração de interesses e um cenário para a obtenção de bens. Dois elementos são fundamentais: uma visão que harmonize os interesses de longo prazo dos membros e uma estratégia para chegar à visão ao mesmo tempo em que leve em consideração os concorrentes internos e externos.

(b) Mapear o terreno político. Quatro passos são fundamentais: determinar os canais de comunicação informal, identificar os principais agentes de influência política, analisar as possibilidades de mobilizar membros interna e externamente, antecipar possíveis contraestratégias.

(c) Formar coalizões e networking. Os gerentes não devem confiar demais na razão e confiar de menos nos relacionamentos. Há quatro etapas fundamentais para o exercício da influência política: identificar os relacionamentos relevantes, avaliar quem pode resistir e por quê, desenvolver laços com oponentes em potencial a fim de facilitar a comunicação e a negociação, e caso o passo anterior fracasse, selecionar e implantar métodos sutis e contundentes.

(d) Barganhar e negociar. O objetivo nas negociações é “criar valor”, e não “exigir valor”. Os criadores de valor têm de ser inventivos e cooperativos, enquanto aqueles que exigem valor fazem tudo o que podem para extrair do oponente o que precisam. Há quatro estratégias básicas para negociar como um criador de valor: separar as pessoas dos problemas, concentrar-se nos interesses (não nas posições), inventar opções de ganho mútuo ao invés de confiar na primeira alternativa que vier à mente, e insistir em critérios objetivos (padrões de justiça aplicáveis às substâncias e aos processos).

O bom gerente-político deve apegar-se a quatro princípios éticos básicos:

(a) Reciprocidade. Todos os lados devem conhecer as regras do jogo.

(b) Generalidade. Os princípios básicos da moralidade também devem se aplicar ao caso em questão.

(c) Abertura. As decisões devem poder ser públicas e confrontáveis.

(d) Assistência. A ação política também deve se ocupar dos interesses e sentimentos legítimos dos oponentes.

Infelizmente, a maioria dos grandes gerentes e diretores raramente versa sobre questões morais. “O isolamento das pessoas – o tabu de falar sobre questões espirituais em público – lhes tolhe a coragem e o ímpeto para fazerem aquilo que, no fundo, acham que é certo”. (PORTER, 1998b, p. 144).

Macropoder

No âmbito do macropoder, que é o tipo de influência política exercida pela organização em relação ao mercado como um todo, o grande desafio é gerenciar as trocas e as relações com os diversos interesses afetados pelas suas ações. Neste sentido, as organizações podem seguir três estratégias básicas:

(a) Lidar com as demandas na medida em que surgem.

(b) Reter e revelar informações de maneira conveniente.

(c) Jogar um grupo contra o outro.

Em outras palavras, as organizações podem tentar reduzir sua dependência de relacionamentos externos, ou podem tentar se acomodar a esses relacionamentos externos. As estratégias que tentam reduzir tal dependência são amplamente conhecidas: fusões, lobby junto ao governo, aquisições, cartéis etc. De qualquer forma, o objetivo do macropoder é precisamente fechar-se às influências externas, garantindo uma sobrevivência duradoura e tranqüila. Observa-se que a estratégia política em sua dimensão macro é menos uma “posição” e mais uma “trama”. Enquanto na estratégia posicional (PORTER, 1998a) as atividades centrais são a análise sistemática, a avaliação de dados quantitativos e a elaboração cuidadosa de estratégias, a estratégia de macropoder depende de impressões, ações rápidas e intuições acerca do que os adversários possam fazer. Em suma, o macropoder tende a neutralizar a competição mediante a colaboração: é o que BRADENBURGER; NALEBUFF (1997) chamam de “coopetição”.

Conforme dissemos no início, uma das definições de política empresarial diz que todas as influências que não se concentram no âmbito econômico são políticas. Assim, uma empresa que procura formar um cartel ou que suborna funcionários públicos está tomando uma ação política. Embora tenhamos situado este tipo de influência sob o âmbito do macropoder, fato é que este tipo de comportamento, uma vez que se torna predominante em uma organização, projeta em sua estrutura conseqüências que também afetam o micropoder.

MISES (1944, p. 14) realizou um estudo muito interessante deste tipo de conseqüência.
A direção geral de uma empresa é exercida pelos acionistas [stockholders] e seus mandatários eleitos, os diretores. Os diretores indicam e demitem os gerentes. Nas empresas menores, e às vezes até mesmo nas grandes, as funções de diretor e gerente estão reunidas na mesma pessoa. Em última instância, uma empresa bem-sucedida nunca é controlada por gerentes assalariados. A emergência de uma classe gerencial onipotente não é um fenômeno do livre funcionamento do mercado. Muito pelo contrário, decorre de políticas intervencionistas que visam conscientemente a eliminação da influência dos acionistas e virtualmente a expropriação deles.
Em seguida, no contexto da intervenção estatal da economia, MISES (1944, p. 36) faz uma distinção entre “gestão burocrática” e “gestão lucrativa”. Vejamos o que ele diz para, em seguida, sintetizarmos as conseqüências da macropolitização das empresas na esfera do micropoder empresarial.
A gestão burocrática, diferentemente da gestão lucrativa, é o método usado na condução dos assuntos administrativos, cujos efeitos não têm valor em dinheiro no mercado. O bom desempenho no cumprimento dos deveres confiados a um departamento de polícia é da maior importância para a preservação da cooperação social e beneficia todos os membros da sociedade. Mas não tem preço no mercado; não pode ser vendida nem comparada. Assim sendo, não se pode confrontar o resultado obtido com as despesas incorridas. É benéfica, resulta em ganhos, mas esses ganhos não podem ser expressos em termos monetários, como é o caso dos lucros. Os métodos de cálculo econômico e, especialmente, a contabilidade de partidas dobradas não lhe são aplicáveis. O sucesso ou o fracasso das atividades de um departamento de polícia não pode ser apurado pelos procedimentos aritméticos utilizados pelas atividades com fins lucrativos. Nenhum contador pode informar se um departamento de polícia ou uma de suas subdivisões é rentável ou não.
Nos negócios com objetivo de lucro, a liberdade de ação dos gerentes e subgerentes é limitada por considerações de lucro e prejuízo. A motivação pelo lucro é a diretriz necessária e suficiente para submetê-los aos desejos dos consumidores. Não há necessidade de limitar sua liberdade de ação por instruções detalhadas e minuciosas. Se forem eficientes, essa ingerência seria no mínimo supérflua, senão perniciosa por lhes atar as mãos. Se forem ineficientes, ela não contribuiria para melhorar o seu desempenho. Tal ingerência somente lhes proporcionaria a desculpa pouco convincente de que seu fracasso foi causado por regulamentos inadequados. A única instrução necessária é evidente em si mesma e nem precisa ser explicitada: lucre.
Na administração pública, na condução dos negócios do governo, as coisas são diferentes. Neste campo, a liberdade de ação dos governantes e de seus auxiliares não é limitada por considerações de lucro e prejuízo. Se seu chefe supremo – seja ele o povo soberano ou um déspota soberano – deixar-lhes as mãos livres, estará renunciando à sua própria soberania. Esses governantes se converteriam em agentes que não precisariam prestar contas a ninguém e seu poder suplantaria o do povo ou o do déspota. Fariam o que quisessem e não o que seu chefe esperava que fizessem. Para evitar esse resultado e para submetê-los à vontade do chefe, é necessário dar-lhes instruções detalhadas de como devem proceder em cada caso. Ficam assim obrigados a cuidar de suas tarefas, obedecendo estritamente a essas regras e regulamentos. Sua liberdade para ajustar seus atos ao que lhes parece a solução mais apropriada de um problema concreto é limitada por essas normas. São burocratas, isto é, pessoas que em qualquer circunstância devem observar um conjunto de regras inflexíveis.
A gestão burocrática é uma conduta fadada a cumprir regras e regulamentos detalhados, fixados por uma autoridade superior. É a única alternativa à gestão lucrativa.
Pode-se concluir, a partir das considerações acima, que a politização da empresa, do ponto de vista do macropoder, leva necessariamente à burocratização interna dessa mesma empresa. Isso significa que quanto mais coopetitiva (e portanto menos competitiva) a empresa, menos sujeita estará às variações e flutuações de mercado. Conseqüentemente, os diretores e gerentes da empresa passarão a ser menos cobrados pelo desempenho financeiro de seus departamentos. Em outras palavras, num ambiente de pouca concorrência, o faturamento da empresa será menos suscetível às incertezas ligadas a questões como oferta, demanda e redução de custos. O faturamento de uma empresa altamente coopetitiva depende mais de suas relações e alianças com os agentes que possam garantir seu conforto mercadológico – políticos, cartéis, monopólios, oligopólios, conchavos, sociedades secretas, leis etc. – do que de seu desempenho baseado na satisfação de consumidores.

Dessa forma, os gerentes passam a exercer uma gestão muito mais burocratizada do que lucrativa, já que o controle sobre eles mesmos se dará de maneira mais relatorial, informativa e detalhista. Mas por quê? A resposta já foi dada acima: se a empresa como um todo não se lastreia em questões de lucro e prejuízo, uma vez que o lucro estaria bem garantido, tampouco as ações de diretores e gerentes se dará por estes critérios. Assim, o relaxamento natural das ações de presidente, diretores e gerentes deve ser contrabalançado por medidas que garantam que atuem dentro de limites bem estabelecidos, para que sua liberdade não resulte em desperdícios. Em outras palavras, as diretrizes top-down pensadas dentro do binômio lucro/prejuízo dão lugar a diretrizes top-down pensadas dentro do binômio regras/controles. Curiosamente, observa-se uma inversão aqui: a busca pelo lucro por parte do CEO já é o “controle” dentro da qual o restante da empresa trabalhará, tornando desnecessários muitos outros controles e relatórios; por outro lado, a ausência deste “controle” nas empresas politizadas exige medidas burocráticas rígidas que a substituam.

Em suma, a ausência do cálculo econômico implica na intensificação da burocratização.

Conclusão

As relações de poder em uma empresa transcendem as relações convencionais. Não é apenas na relação chefe-subordinado ou no acúmulo de conhecimento técnico que reside o poder. As alianças, o poder de barganha, o networking, as relações privilegiadas com fornecedores e clientes, as coalizões formadas por elementos homogêneos ou que tenham o mesmo objetivo, os contatos exclusivos com órgãos governamentais, o acesso a informações confidenciais, o carisma pessoal, a presença física privilegiada, a retenção ou distorção de informações – tudo isso são elementos que, combinados das mais diversas formas, desempenham um papel tão ou mais importante que a autoridade formal de cargos em um organograma.

Assim, a saúde de uma empresa dependerá da capacidade e da disposição de seus líderes, sobretudo daquele que ocupará a cadeira de CEO, em reconhecer todos os elementos que afetam seu quadro decisório. Viu-se, por exemplo, como é importante que ele saiba mapear o terreno político, formar um networking eficaz e dominar técnicas de negociação.

Também se verificou que quanto maior a dependência da empresa de favores governamentais, ou seja, quanto mais oligopolizado e mesmo monopolizado o mercado, tanto mais burocratizada será a estrutura organizacional, uma vez que o cálculo econômico deixa pouco a pouco de existir. Então se a empresa conseguir monopolizar ou pelo menos dificultar legalmente, através de normas e portarias, que competidores concorram pelo mesmo mercado, inicia-se a partir daí um processo inevitável de burocratização.

Referências

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HEFFRON, Florence. Organization Theory and Public Organizations: The Political Connection. 1ª edição. Upper Saddle River, Prentice Hall. 1989.

MINTZBERG, Henry; AHLSTRAND, Bruce; LAMPEL, Joseph. Strategy Safari: A Guide Throughout the Wilds of Strategic Management. 1ª edição. Nova York: The Free Press, 1998.

KEIRSEY, David. Portraits of Temperament. 3ª edição. Del Mar, Prometheus Nemesis Book Company, 1995.

LUTTWAK, Edward. Coup d'État: A Practical Handbook. 1ª edição. Cambridge, Harvard University Press, 1979.

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PORTER, Michael. Competitive Strategy: Techniques for Analyzing Industries and Competitors. 1ª edição. Nova York. The Free Press, 1998a.

PORTER, Michael. Competitive Advantage: Creating and Sustaining Superior Performance. 1ª edição. Nova York, The Free Press, 1998b.

ZALD, Mayer; BERGER, Michael. Social Movements in Organizations: Coup d´Etat, Insurgency, and Mass Movements. The American Journal of Sociology. Chicago, v. 83, nº 4, Jan. 1978.

19 de maio de 2011

Filosofia bizantina III


O objetivo da terceira parte da série "Filosofia bizantina" é descrever como o conceito de livre arbítrio é analisado por São João Damasceno (+780). Esta avaliação baseia-se no capítulo 4, de autoria de Michael Frede, publicado em Byzantine Philosophy and Its Ancient Sources, editado por Katerina Ierodiakonou.

Michael Frede inicialmente traça um panorama das principais questões acerca do livre arbítrio para, em seguida, delinear o processo da vontade em passos simples.

A compreensão da ação humana exige necessariamente que compreendamos o exercício da vontade. Curiosamente, observa-se que o uso da vontade afeta a própria vontade. A vontade será livre, e por conseguinte a pessoa será livre, se a vontade não for reduzida ou restringida – se a capacidade de fazer as escolhas certas não for reduzida, por exemplo, pelo fato de habitualmente ter-se feito escolhas erradas em determinadas situações.

Aristóteles ensinava que a pessoa que chegasse à conclusão de que algo é bom ou é um bem naturalmente a quereria. No entanto, Aristóteles nunca especificou que o homem, para querer algo, possui uma capacidade especial para isso, ou seja, nunca deixou claro que o homem possui uma faculdade como a vontade. No entanto, a partir do século I d.C., a capacidade de querer coisas passou a ser pensada como uma capacidade distinta. Ademais, São João Damasceno também não advogou nada neste sentido que possa ser encontrado no pensamento antigo. Porém, os escritos de São João sobre o assunto são um excelente exemplo de filosofia bizantina que se apóia na Antiguidade, pois, apesar de diferenciar-se dela, não deixa de contar com fontes antigas como Nemésio de Emesa e Aristóteles. Assim, o que São João procura fazer é injetar a noção de vontade na psicologia moral e na teoria da ação de Aristóteles.

O termo que São João usa para “vontade” é θέλησις. Os termos que os antigos usavam eram προαίρεσις e βούλεσις. Βούλεσις significa, desde os tempos de Platão, “desejar racionalmente”, bem como a capacidade para ter e formar tais desejos. Προαίρεσις significa “escolher”, bem como a capacidade para fazer tais escolhas. Θέλησις significa um querer ou um desejar particulares, bem como a capacidade para querer coisas genericamente falando. O fato de Deus possuir uma vontade, mas não fazer escolhas, torna o termo προαίρεσις inadequado. O fato de que as criaturas racionais não apenas desejam coisas, mas possuem a capacidade de fazer escolhas que satisfaçam esses desejos racionais, torna o termo βούλεσις igualmente inadequado. Portanto, São João lançou mão do termo θέλησις, não por motivos puramente coloquiais, nem por causa da autoridade do Novo Testamento. Ele o usa porque este é o termo que julga mais adequado para expressar o conceito que tem em mente – a vontade – que não deve ser identificada meramente como a capacidade de escolher. Vejamos como isso funciona.

São João segue a velha tradição platônica de dividir a realidade em dois mundos: inteligível e sensível. O mundo inteligível é habitado por intelectos, o mundo sensível por corpos. Porém, São João ensina que os intelectos possuem vontade. Isto soa um tanto estranho para nós, filhos que somos da modernidade, pois estamos acostumados com uma visão “intelectualística” do intelecto e da razão. Pensamos na razão em termos puramente cognitivos, o que é um erro um tanto grosseiro.

Há, porém, segundo São João, uma divisão anterior e mais radical do que a platônica: a divisão entre Deus e as criaturas, ou seja, entre o Incriado e o criado. Ele enaltece esta divisão chamando os seres que detêm intelectos criados de “racionais” (λογικόν), e não propriamente “intelectuais” (νοέρον). Um ser, pelo fato de ser intelectual, possui uma vontade; um ser, pelo fato de ser racional, possui certo tipo de vontade, a saber, uma vontade capaz de fazer escolhas, escolhas essas que um ser racional tem de fazer. Eis como São João distingue racional de intelectual (Expos 2. 27):
A razão consiste em um aspecto teorético (θεωρητικόν) e outro prático (πρακτικόν); o aspecto teorético é aquele que entende como as coisas são, enquanto o aspecto prático é aquele que delibera (βουλευτικόν), que determina como devem ser as coisas a serem feitas. Chamamos o aspecto teorético de intelecto (νους) e o aspecto prático de razão (λόγος).
Parte desta explicação baseia-se na noção platônica de que o intelecto contempla a verdade eterna; ocorre que a alma racional não apenas contempla a verdade mas ocupa-se em ordenar o mundo visível de maneira a refletir a verdade eterna, cuja atividade, no caso dos seres humanos, anjos e demônios, ou seja, de todos os intelectos criados, implica em λογισμοί e deliberações.

Enquanto os objetos físicos são passíveis de corrupção pelo fato de estarem sujeitos a mudanças físicas, os seres racionais são passíveis de corrupção pela maneira como fazem escolhas (κατά προαίρεσιν, Exp. 2. 27; 960C). Se fizerem a escolha errada, manifesta-se aí a corrupção. Uma escolha errada dá origem a outra escolha errada, e rapidamente a corrupção toma conta da capacidade de fazer escolhas. Dá-se, assim, ensejo à corruptibilidade “moral” da racionalidade. Se a mudança física dos objetos é neutra, a mudança na racionalidade pode sempre ser considerada para melhor ou para pior. Ademais, ao contrário dos objetos físicos, a racionalidade não muda pó si própria, mas pela maneira como fazemos uso dela, a ponto de o hábito de fazer escolhas certas tornar-se a segunda natureza da racionalidade.

São João conecta as duas características, quais sejam, de ser racional (λογικόν) e ser mutável (τρεπτόν), com a característica de ser αυτεξούσιον, ou seja, de autodeterminar-se o que se faz. É por causa da racionalidade que a pessoa é capaz de controlar o que está fazendo. Embora saibamos que a racionalidade é mutável, ocorre que temos controle sobre a maneira como ela muda. O quê pensamos não é uma questão da coisa que pensamos e da capacidade intelectual para pensá-la, mas também é uma questão do cuidado e da atenção que dispensamos ao pensá-la. É precisamente neste sentido que, por sermos racionais, somos αυτεξούσιοι.

No entanto, cabe aqui uma observação importante. Assim como Aristóteles, São João também atribui comportamento voluntário e involuntário aos animais. Isso significa dizer que a diferença entre o comportamento humano e o comportamento animal não reside na diferença entre o comportamento ser originado em suas próprias inclinações ou ser forçado exteriormente sobre o indivíduo/animal. A verdadeira diferença está no fato dos homens exercerem algum domínio sobre suas inclinações a-racionais, enquanto os animais não exercem tal domínio precisamente por não serem racionais. Observe a sutileza do raciocínio: o comportamento animal também pode ser voluntário; mas voluntário, aqui, significa agir segundo suas inclinações em oposição a ser forçado por circunstâncias exteriores. O homem também age voluntariamente, no sentido acima indicado, mas, além disso, também é capaz de dominar suas inclinações a-racionais.

O erro, portanto, é identificar a αυτεξούσιον com a liberdade de vontade (“livre arbítrio”) ou com a liberdade de escolha. Basta observar que São João também aplica o termo αυτεξούσιος a Deus. Ora, como Deus não faz “escolhas”, o sentido fundamental de αυτεξούσιον não pode ser livre arbítrio ou livre escolha. São João explica ainda que é da própria essência de Deus ser αυτεξούσιος, não de maneira que Ele seja apenas mais um a ser αυτεξούσιος, mas de maneira que Ele seja a própria fonte e paradigma de toda αυτεξουσιότης, à exemplo da bondade de Deus.

Os seres criados racionais, por não serem naturalmente bons, já que não são Deus, nem sempre fazem o bem. No entanto, por serem criaturas de Deus, também nem sempre fazem o mal. O mais importante é o fato de eles terem controle sobre suas ações, ou seja, de terem liberdade de ação. Sim, é verdade, a liberdade de ação implica liberdade de escolha. Mas há outras coisas que os seres racionais fazem que também estão de certa forma relacionadas à liberdade de escolha. Refiro-me ao pensamento. Antes de agir, antes mesmo de escolher, as criaturas racionais pensam sobre determinada situação de uma determinada maneira/atenção/cuidado, e, não fosse assim, não fariam esta ou aquela escolha.

É verdade que nos escritos de São João a liberdade de escolha tem certa posição de destaque. Mas isso se explica pelo fato de que é a escolha que diferencia os seres intelectuais criados dos animais e de Deus. Ademais, a ação nunca é tão livre quanto a escolha, já que a ação implica sempre em algum grau de cooperação divina. Por fim, tudo o que os seres racionais fazem, à parte a contemplação teorética, tem seu fim natural em alguma ação.

O fato dos homens escolherem o mal não advém da capacidade que lhes é inata, mas da dificuldade em exercê-la, da enorme atenção e esforço necessários para a tarefa, da racionalidade estar sujeita à corrupção e à mudança, da possibilidade de serem distraídos, e de muitos outros fatores. São João, ao contrário do que comumente se pensa, não ensina que a escolha se dá entre o certo e o errado, mas que a escolha é feita mediante a deliberação acerca de uma única opção a fim de decidir-se se ela é de nosso apreço ou desapreço. Se for suficientemente de nosso apreço, escolhemos agir da forma sugerida. Se não for de nosso apreço, não escolhemos agir da forma sugerida. Observe que isto não é o mesmo que escolher não agir da forma sugerida: ou escolhemos fazer, ou não escolhemos fazer; em outras palavras, ou isto é de nosso apreço, ou isto não é de nosso apreço. A explicação de São João não deixa margem para a possibilidade de considerarmos várias opções no decurso da deliberação. Porém, no momento em que escolhemos, as demais opções já foram eliminados por alguma outra atividade racional.

Assim, o “livre arbítrio” não é propriamente a liberdade de escolher entre o certo ou errado, ou de escolher entre isto e aquilo, mas a liberdade para escolher fazer aquilo que se está inclinado a fazer, dentro da esfera de ações possíveis. Esta capacidade para escolher fazer o que se está inclinado a fazer não é impedida pelo fato de que porventura sejamos forçados a não escolher fazer. Ora, a idéia de que o livre arbítrio significa a escolha entre o certo e o errado implica necessariamente que Deus nos garante a possibilidade de sabermos o que é certo e o errado no momento de alguma decisão, o que é falso.

Não existe “escolher” sem “querer”. Portanto, se se quer algo, será necessário pensar se algo pode ser feito para alcançar o que se almeja e, caso positivo, quais são as opções disponíveis, se há mais de uma, se são aceitáveis. É com base nestas considerações que se escolhe e se age sobre a escolha. O processo inteiro de desejo racional é descrito por São João Damasceno de maneira muito semelhante à de São Máximo, o Confessor.

(i) Considera-se se o que se quer é o tipo de coisa que está ao alcance do indivíduo. (ξήτησις ou σκέψις).

(ii) Caso positivo, passa-se à deliberação (βούλευσις) se aquilo que está ao alcance deve ser perseguido.

(iii) Forma-se um julgamento (κρίσις) sobre qual das opções é a melhor.

(iv) Não é este julgamento que decide a escolha ou a ação. Para isso é necessário a γνώμη, isto é, uma disposição favorável à ação almejada. Em outras palavras, temos de amá-la. Freqüentemente julgamos determinado curso de ação como o melhor, mas não o apreciamos. Não por acaso, Burgúndio de Pisa traduziu γνώμη como sententia, no sentido de “consentimento”.

(v) Escolhe-se (προαίρεσις) adotar o curso de ação ou não se escolhe adotar o curso de ação. Os termos “seleção” e “eleição” também cabem aqui.

(vi) Feita a escolha, o indivíduo é impelido em favor da ação. Chama-se a isso de “impulso” (ορμή).

(vii) No decurso da ação, faz-se uso (χρήσις ) da capacidade de desejar coisas, como por exemplo a capacidade de ter um apetite a-racional por algo, ou a capacidade de ter aversão a algo. Assim, a ação pode aliar-se a bom ou mau uso das capacidades desiderativas.

São João ensina que a alma é dotada da capacidade de desejar aquilo que é apropriado à natureza do ser, da capacidade de ocupar-se da integridade do ser. Em suma, a vontade é a capacidade de inclinar-se para a promoção da existência e da integridade e contra o que é prejudicial à existência e à integridade, contra aquilo que leva à corrupção e à destruição. São João sugere que naturalmente desejaríamos o que é bom ser desejado. A fonte desta capacidade reside na capacidade de formar desejos racionais corretos, ou seja de formar βουλήσεις corretos. São João estava convicto de que os homens foram criados já com certa sabedoria e virtude, que foram criados já com certa inclinação para a perfeição, na qual podem prosseguir, mas também podem regredir.

Por fim, cabe reforçar que a escolha errada pode ensejar, com a repetição, uma deficiência nos βουλήσεις, o que engendrará racionalizações dos erros e fraquezas perante os desejos a-racionais. Escolhas são moldadas pelos hábitos. Mas, conforme dissemos acima, os homens permanecem αυτεξούσιος. Frede conclui que, para São João, diferentemente de Aristóteles, a ação nunca é tomada sem uma escolha anterior. A ação até pode se basear em um desejo a-racional, mas nunca sem uma escolha.

3 de maio de 2011

Os elementos essenciais da vida espiritual


Santo Hesíquio deu os seguintes conselhos para a superação das paixões:
Aquele que está empenhado na batalha espiritual precisa apresentar, em todos os momentos, as seguintes características: humildade, extrema atenção, refutação (de pensamentos) e oração.
Humildade, para que o combatente tenha sempre próxima a ajuda de Cristo em seu coração (o Senhor resiste aos soberbos - Tiago 4:6; I Pedro 5:5), dado que os adversários nesta batalha são os demônios do orgulho.
Atenção, para que o coração não abrigue nenhum pensamento, por melhor que seja.
Refutação, para que todo pensamento que eventualmente surgir seja imediatamente repelido com raiva.
Oração, para que, depois de refutado o pensamento, o asceta possa clamar a Cristo com gemidos inexprimíveis (Romanos 8:26). Então, ele verá o inimigo ser preso ou acorrentado pelo honorável nome de Jesus, como o pó pelo vento ou como a fumaça que se desvanece com seus sonhos.
Santo Hesíquio também versou sobre a importância da oração.
Aquele cuja oração não esteja isenta de pensamentos não possui a arma certa para a batalha. A oração, conforme a entendo, é rezada incessantemente nas profundezas da alma, de maneira que o inimigo, que combate em silêncio, seja exterminado pela invocação de Cristo. Pois é necessário que tu enxergues com os olhos afiados da mente, a fim de que percebas o que entrou nela e imediatamente extermine a cabeça da serpente mediante a refutação, ao mesmo tempo em que clama a Cristo com gemidos. Com tempo e experiência, conhecerás a ajuda invisível de Deus; então, verás com clareza a verdadeira condição do coração.
Eis o que São Teófano aconselha a respeito dos ensinamentos de Santo Hesíquio:
Aquele cuja decisão de pertencer ao Senhor é sincera não se desviará do caminho descrito. Ele até pode fazer boas obras e contornar as situações das mais variadas formas, mas até que adentre neste caminho, de nada servirá. Eu estou te posicionando no caminho para que não vagueies por aí em busca de outras coisas. Sê mais diligente no teu compromisso e obterás sucesso. Porém, tu deves labutar com todas as tuas forças, pois sem esforço nada obterás.

Não existe descanso neste mundo


"Não existe descanso neste mundo para quem quer ser salvo", ensinou Santo Efraim, o Sírio. A batalha nunca acaba, seja interna ou externa. Às vezes o adversário age visivelmente através de pessoas e coisas, e às vezes invisivelmente através de pensamentos. Às vezes o adversário aparece de maneira explícita, agindo com crueldade e brutalidade, como um verdadeiro inimigo, mas às vezes age sob o manto lisonjeiro de um amigo sedutor e sagaz. As coisas que acontecem em um campo de batalha entre dois exércitos inimigos também acontecem individualmente na batalha das paixões do mundo. De fato, "não existe descanso para quem quer ser salvo". Quando a salvação vier, o descanso também virá.

Fonte: Prólogos de Ochrid, São Nicolau (Velimirovich), o Novo Crisóstomo