22 de maio de 2009

O noûs segundo o Apóstolo Paulo


Há alguns meses, encontrei uma aparente discordância entre a explicação do Pe. John Romanides e a do Pe. Damascene Christiansen sobre o sentido que o Apóstolo Paulo atribuiu à palavra noûs.

Segundo o Pe. John Romanides:
É importante notar que há uma diferença terminológica entre o Apóstolo Paulo e os Padres [da Igreja]. O que São Paulo chama de noûs é o que os Padres chamam de dianoia. Quando o Apóstolo Paulo afirma Orarei com o espírito (I Coríntios 14:15), ele quer dizer o mesmo que os Padres quando dizem Orarei com o noûs. E quando ele afirma Orarei com o noûs, ele quer dizer Orarei com o intelecto (dianoia).
No entanto, segundo o Pe. Damascene Christiansen:
Do ponto de vista teológico, é importante ressaltar que a “renovação da mente” [Romanos 12:2] da qual fala São Paulo é, na verdade, a “renovação do noûs”. No original grego, a palavra mente é noûs. Na teologia ortodoxa, noûs é a faculdade ou poder mais elevado da alma humana. É a faculdade que conhece a Deus diretamente; é o centro de nossa personalidade, a qual tem experiência com a Pessoa de Deus em comunhão de amor. São Gregório Palamás e outros Santos Padres afirmam que é o noûs que melhor define qual a “imagem de Deus” em nós.
Portanto, segundo o Pe. John Romanides, para o Apóstolo Paulo, o noûs seria o intelecto, isto é, a faculdade racional do homem, enquanto que, segundo o Pe. Damascene Christiansen, o noûs seria para o Apóstolo Paulo o coração ou mente, isto é, a faculdade mais elevada da alma humana, que conhece a Deus diretamente.

Intrigado com essa aparente incoerência, pedi ao Pe. Damascene que me explicasse essa confusão, e ele teve a gentileza de me ensinar que, na verdade, não há confusão alguma. Compartilho com os leitores deste blog a explicação do sábio hieromonge.
Creio que o argumento do Pe. John Romanides é válido, especialmente no que se refere ao versículo que ele citou (I Coríntios 14:15). Por outro lado, não creio que São Paulo esteja se referindo somente ao intelecto (dianoia) em Romanos 12:2. Isso fica mais claro quando comparamos este versículo com Efésios, capítulo 4: "Que, quanto ao trato passado, vos despojeis do velho homem, que se corrompe pelas concupiscências do engano; e vos renoveis no espírito da vossa mente (to pneumati tou noos umon)" (Efésios 4:22-23). No primeiro versículo, São Paulo fala da renovação da mente, e neste versículo ele fala da renovação do espírito da mente. Creio que podemos dizer com segurança que ele está falando, nos dois casos, do mesmo tipo de renovação. Ao dizer "espírito da vossa mente", no último versículo, São Paulo está expressando seu pensamento de maneira mais ampla, de acordo com a terminologia que comumente emprega em suas epístolas.

5 de maio de 2009

Capitalismo e a metafísica ocidental


Na parte VI do livro Γέννημα και θρέμμα Ρωμηοί (Nascido e criado como romano), o Metropolita Hierotheos (Vlachos) de Nafpaktos, da Igreja Ortodoxa Grega, faz uma interessante digressão sobre o capitalismo e sua relação com a metafísica. O capítulo está disponível em inglês e se chama Capitalism as the offspring of Western Metaphysics (O capitalismo enquanto descendência da metafísica ocidental), mas infelizmente não há uma tradução portuguesa. O autor faz uso extensivo da obra de Max Weber, mas sem lastrear-se nela integralmente. Vou fornecer aqui um breve resumo.

* * *

1) O Ocidente adota a metafísica.
Ao contrário do que o título poderia sugerir, o Metropolita Hierotheos não se refere a uma "metafísica ocidental", mas ao fato do Ocidente adotar uma metafísica, isto é, de ter introduzido uma disciplina filosófica chamada metafísica em seu seio.

2) A metafísica sugere a predestinação.
Como a metafísica pretende ser uma explicação racional para a estrutura da realidade e do Incriado, a soteriologia também precisa acompanhar esse "racionalismo metafísico".

3) A predestinação implica em adquirir autoconfiança na salvação.
Segundo a teoria da predestinação, inventada por Santo Agostinho e posteriormente desenvolvida por Calvino e seus seguidores, Deus seleciona algumas pessoas para serem salvas, enquanto as outras estão fadadas à danação. Não há nada que possam fazer para mudar a predestinação divina, seja praticando virtudes ou vícios. Como eleitos e condenados não se distinguem externamente, a única coisa que a religião pode fazer é ajudar as pessoas a superar essa opressão pscicológica, essa solidão dramática individualista (uma vez que nem a Igreja, nem os mistérios, nem os sacerdotes, nem ninguém pode ajudá-las); em suma, a religião tem de ajudar o fiel a adquirir autoconfiança na sua salvação.

4) Adquirir a autoconfiança na salvação engendra o moralismo profissional.
Para expulsar as dúvidas e tentações que o diabo tenta imprimir nas pessoas a fim de extrair-lhes a autoconfiança, o cristão deve dedicar-se sobretudo à sua atividade profissional, de maneira diligente e perseverante.

5) O moralismo profissional implica na racionalização da vida social.
O moralismo profissional engendrou fraternidades protestantes que, para além de sua atividade missionária, eram verdadeiras empresas, sistematizando todas as atividades profissionais e sociais.

6) Por fim, a racionalização da vida social e a solidão individualista são os componentes fundamentais do asceticismo protestante, isto é, do capitalismo.