Segue um resumo de How To Think About God, de Mortimer J. Adler, em forma Q&A.
Qual o objetivo do autor?
O objetivo de Adler, não é extamente provar a existência de Deus, mas inferir a existência de Deus. A diferença entre provar e inferir consiste no grau de certeza que resulta do raciocínio. Provar a existência de Deus implicaria em um elevado grau de certeza, semelhante àquele que atingimos nas demonstrações matemáticas e geométricas. Este não é o caso, já que Adler prefere o termo “inferir”, que rende ao raciocínio um grau de certeza inferior, mas que ainda assim está além da dúvida razoável.
Qual o objetivo do autor?
O objetivo de Adler, não é extamente provar a existência de Deus, mas inferir a existência de Deus. A diferença entre provar e inferir consiste no grau de certeza que resulta do raciocínio. Provar a existência de Deus implicaria em um elevado grau de certeza, semelhante àquele que atingimos nas demonstrações matemáticas e geométricas. Este não é o caso, já que Adler prefere o termo “inferir”, que rende ao raciocínio um grau de certeza inferior, mas que ainda assim está além da dúvida razoável.
Ao contrário de Santo Tomás, Moisés Maimônides e Avicena, Adler não pretende lançar mão de artigos de fé ou de Escrituras Sagradas para empreender seu raciocínio. Às obras desses autores, Adler chama de teologia sacra. No entanto, mesmo Leibnitz, Descartes e demais autores que tentaram evitar se deixar influenciar pelas religiões ao pensar acerca de Deus – a chamada teologia natural – Adler crê que não obtiveram sucesso.
Adler apresenta sua obra como sendo pura teologia filosófica, completamente isenta de influências religiosas e artigos de fé.
A existência de Deus não pode ser provada simplesmente argumentando que o mundo precisa de um Criador?
Não.
As religiões ocidentais nos dizem que Deus criou o mundo. Mas tal é simplesmente um artigo de fé, sustentado por cristãos, judeus e muçulmanos. No entanto, um filósofo deve esquivar-se de aceitar esse artigo de fé como verdade comprovada.
A ciência, por outro lado, nada nos diz a respeito da criação do mundo. A teoria do Big Bang versa sobre a origem do mundo, mas do mundo que conhecemos. Isso significa que o Big Bang não explica a exniquilação do mundo, ou seja, a criação do mundo a partir do nada. ["Exniquilação" é um termo criado por Adler em contraposição a "aniquilação", ou seja, a redução de algo a nada]. A ciência não pode provar de que maneira aquela massa que explodiu foi criada, nem mesmo se havia o tempo antes dela.
A filosofia, portanto, tem duas alternativas: ou o mundo foi criado por uma agência criadora, ou o mundo sempre existiu e sempre existirá (posições assumidas por Santo Tomás e Kant, por exemplo). Como não devemos assumir justamente a opção que se deseja provar, devemos adotar a noção de que o mundo sempre existiu e sempre existirá, ou seja, o mundo tem uma existência perpétua.
E quanto à primeira causa? Não é necessário que o mundo tenha uma primeira causa que explique sua existência?
Não.
Se dissermos que, temporalmente, é necessário haver uma primeira causa não-causada que tenha colocado em marcha o movimento e a mudança do mundo, assumiríamos implicitamente que o tempo é limitado. Incorreríamos no erro anterior.
Se, por outro lado, argumentarmos que a primeira causa é superior, ou seja, está acima dos fenômenos naturais, sendo estes intrumentos na mão daquela, e não temporalmente anterior, também incorreríamos em erro. Não há no mundo natural nada que nos obrigue a considerá-lo como instrumental. Nada nele nos diz, além das próprias ciências naturais, que há um causador (ou hierarquia de causas) por detrás dele.
Como definimos "Deus"?
Para iniciarmos nossa inferência da existência de Deus, temos primeiramente de tentar definir a palavra “Deus”. Ao contrário das palavras “lápis”, “justiça” etc., que são nomes comuns, ou seja, comuns a mais de um objeto individual, “Deus” é um nome próprio, como “Edward H. Wolff” ou “Mortimer J. Adler”. Ora, sabemos que para as pessoas usarem os nomes próprios enquanto tais, devem:
(1) ser apresentadas pessoalmente ao indivíduo que leva o nome.
(2) devem ser indicadas ao indivíduo que leva esse nome.
(3) devem ser apresentadas a uma descrição que identifique o indivíduo que leva esse nome.
Ocorre que “Deus” não é alguém a quem possamos ser apresentados ou a quem possamos apontar. Mesmo no caso de Abraão, Moisés, Jesus Cristo etc., cujo conhecimento de Deus foi direto, tal conhecimento exige de nós uma fé religiosa anterior para acreditarmos.
Vemos então que “Deus” é inclassificável, não sendo, strictu sensu, um nome próprio. Não somos capazes de conhecê-lo ou apontá-lo, então precisamos de uma descrição definitória, isto é, que defina Deus.
Por que não podemos definir “Deus”?
Porque Deus, sendo um nome próprio, não é passível de ser definido, tanto quanto “Edward H. Wolff” não é passível de definição. Uma definição aplica-se a uma classe ou grupo de objetos. Um nome próprio não é uma classe de objetos, mas um indivíduo singular. Deus, portanto, deve ser descrito, não definido. Essa descrição tem de possuir um caráter identificatório, ou seja, essa descrição deve chegar ao ponto de podermos identificar Ele, e somente Ele, como objeto da descrição.
Um nome próprio é pode ser descrito de várias maneiras, encaixando-o em diversas classes. Edward H. Wolff é brasileiro, engenheiro, que nasceu em 1976, na cidade de São Paulo etc. Mas Deus é inclassificável, isto é, não é passível de ser classificado com palavras que possam ser compartilhadas com outros indivíduos. Quando uma palavra designa uma característica comum a dois objetos, essa palavra tem de ser aplicada exatamente no mesmo sentido a ambos, ou seja, ao descrevermos Deus, temos de evitar usar classes aplicáveis a outros objetos.
Adler lança um alerta contra os discípulos de Kant, que acham que a razão não deve lidar com objetos além da experiência sensorial, como é o caso de Deus. Ora, basta a ciência moderna, que lida com buracos negros, prótons, inconsciência etc., conceitos esses que a lógica moderna chama de constructos teóricos em contraposição aos conceitos empíricos, para dispensar qualquer espistemologia kantiana de nossa parte.
Como formular uma descrição de Deus?
O primeiro passo que Adler adota para formular uma descrição de Deus é lançar mão do chamado “argumento ontológico”, de Anselmo. Esse argumento nos ajudará a compor a descrição, embora Adler insista em lembrar-nos que não considera o argumento ontológico como válido como prova da existência de Deus.
Segundo Anselmo, (1) se pensarmos num ser cuja grandeza maior não há (isto é, o ser supremo), segue-se que (2) este ser tem de necessariamente existir pois, de outra forma, não seria o ser supremo, mas algo inferior a ele, além de (3) não poder não existir, ou seja, sempre existiu e sempre existirá.
O segundo passo que Adler adota para formular uma descrição de Deus é investigar a seguinte questão: “Se Deus reamente existisse, como seria a existência dele?”
Há três respostas possíveis: (a) Deus é totalmente diferente das outras coisas, (b) Deus é totalmente semelhante às outras coisas e (c) Deus é tanto diferente quanto semelhante às outras coisas.
A primeira resposta é incompatível com a pergunta porque há uma suposição, que consta na própria pergunta, que diz: “Se Deus realmente existisse”. Ora, se Deus fosse totalmente diferente de tudo, então não teria real existência.
A segunda resposta insinua que Deus é corpóreo, material, físico. Mas como Deus não pode ser parte do cosmos (senão Deus não seria supremo), nem o cosmos parte de Deus (senão o cosmos não seria a totalidade do mundo), nem o cosmos igual a Deus (senão o cosmos seria a coisa cuja grandeza maior não haveria), temos de descartá-la.
A terceira resposta, portanto, é a única resposta possível: Deus é diferente de tudo por ser imaterial e semelhante a tudo na medida que sua existência real e a existência real do mundo é analógica, não-unívoca, ou seja, Deus e as coisas do mundo existem enquanto objetos de pensamento, mas diferenciados entre aquilo que é corpóreo e incorpóreo, material e imaterial, físico e espiritual, natural e supernatural.
Em resumo, o objeto de pensamento “Deus” possui as seguintes notas descritivas:
(1) é o ser supremo
(2) possui existência real no sentido analógico do termo
(3) é imaterial, incorpóreo, não-físico
(4) é supernatural (conseqüência de ser imaterial)
(5) infinito, pois Deus não é um exemplar individual de uma classe de coisas cuja existência é finita
(6) eterno, pois a existência de Deus é necessária, e não contingente, como as coisas do mundo que nascem/morrem. Por ser necessária sua existência, Deus é independente, incondicionado, incausado e, acima de tudo, possui “aseidade” (do latim a se, isto é, existência em, através e de si mesmo.
Como inferimos a existência de Deus?
Antes de versarmos sobre a existência de Deus, versemos sobre como inferir a existência de qualquer coisa. As inferências existenciais dividem-se em dois tipos:
(a) inferências a respeito da existência real de uma entidade singular única; por exemplo: “os avós do meu amigo existem”.
(b) inferências a respeito da existência real de entidades singulares de uma dada classe de entidades; por exemplo: “elétrons existem”.
Quanto ao 1º tipo, só podemos confirmar a dada inferência por meio do contato direto perceptual. O Abominável Homem das Neves, por exemplo, pode ter sua existência inferida por alguém que o viu pessoalmente ou por alguma evidência perceptual (as pegadas na neve do Himalaia).
Quanto ao 2 º tipo, sua inferência só pode ser feita caso a existência de tais entidades seja necessária para a explicação de certo fenômeno. É a famosa regra de William of Ockham. A navalha de Ockham elimina as hipóteses cuja existência é dispensável. Os constructos teóricos que se salvam da navalha permanecem, no entanto, apenas hipóteses.
Para ambos os tipo, as inferências não podem ser chamadas de “provas”, como a força de uma prova matemática ou geométrica. Assim como num tribunal, os vereditos baseiam-se na preponderância das evidências ou além da dúvida razoável, mas ainda estão num grau abaixo da prova.
No caso da existência de Deus, por ser Deus inclassificável, sua inferência é uma mistura das características dos dois grupos, tornando-a única e singular. Ao contrário dos buracos negros ou dos elétrons, a existência de Deus não é inferida por experimentos ou observações, mas pela existência de entidades individuais ou do cosmos como um todo. No caso do elétron, o constructo teórico e derivado de observações. No caso de Deus, o constructo teórico é justamente o ponto de partida. No caso do elétron, qualquer observação incongruente pode invalidar o constructo teórico. No caso de Deus, isso não é possível.
Adler lembra ainda que o argumento ontológico de Anselmo falha porque implica em assumir a existencia de Deus como auto-evidente. Ocorre que as proposições existenciais nunca são auto-evidentes, isto é, nunca são necessariamente verdadeiras, cujo oposto é impossível. O fato de termos uma noção daquele objeto de pensamento em mente não o torna automaticamente verdadeira, mesmo que na descrição dessa noção esteja incluída a nota de que tal existência seja necessária. Adler acredita ter driblado o argumento ontológico ao propor se Deus existisse, como ele seria. Tudo não passou de uma hipótese.
Chegamos ao ponto de apresentarmos o chamado “argumento cosmológico” para a existência de Deus. Adler considera o melhor argumento, mas não livre de falhas. Para explicá-lo, é necessário antes explicarmos três termos utilizados pelo argumento cosmológico:
(a) Ser contingente. É aquele cuja existência depende da existência de outro ser. Em outras palavras, é um ser cuja existência se dá em, para e por meio de outro ser. Em latim, diz-se que sua existência é ab alio.
(b) Ser necessário. É aquele cuja existência não é causada, é independente. Em latim, diz-se que sua existência é a se.
(c) Causa do ser (causa essendi). É a causa que não explica somente o movimento/alteração/geração das coisas. Essas seriam causa fieri, como a bola de bilhar empurrada pelo taco ou o filho gerado pelos pais. Uma vez que as causa fieri cessam de atuar, a existência dos efeitos não cessa. Uma bola de bilhar não deixa de existir porque o taco cessou de empurrá-la. Similarmente, não foi o taco o responsável por sua existência. Portanto, a causa essendi deve explicar tanto a existência do ser quanto sua causa eficiente. Por exemplo, o oxigênio não é a causa essendi do fogo porque não foi ele o responsável por sua causa eficiente, mas sim o fósforo.
A partir do entendimento dos três termos acima, podemos adotar 5 premissas:
(1) A existência de um efeito implica a existência de sua causa.
(2) Aquilo que existe ou precisa ou não precisa de uma causa essendi.
(3) Um ser contingente é aquele que precisa de uma causa para sua existência a cada instante que dure sua existência, caso contrário é reduzido a aniquilação.
(4) Nenhum ser contingente é capaz de causar a existência de outro ser contingente, mas apenas ser a causa fieri de outro ser contingente.
(5) Os seres contingentes existem neste mundo e continuam a existir desde sua geração até seu perecimento.
Então, o argumento (ou inferência) cosmológico conclui que um ser necessário é a causa que age para sustentar a existência de seres contingentes. Ou seja, em suma, dado que seres contingentes existem, então Deus existe.
Por que este argumento cosmológico é falho?
Por causa de duas falhas presentes na premissa (3):
(a) Não é verdade que uma causa é necessária para explicar a existência de um ser. Adler usa o exemplo da lei da inércia. Uma vez que o taco atinge a bola e a coloca em movimento, essa bola continuaria a se mover não fosse a existência de causas eficientes contrárias ao movimento (atrito etc). Caso contrário, a bola moveria-se indefinidamente, sem uma causa que lhe imprima o efeito. Similarmente, as coisas naturais, uma vez geradas, também existiriam perpetuamente não fossem outras causas naturais que as fizessem perecer.
(b) Não há nada no mundo, nenhuma evidência, que nos mostre que coisas são aniquiladas ou exniquiladas. Quando algo perece, não há aniquilação mas transformação de uma coisa em outra. Isto significa que a contingência das coisas não é radical (ser/não ser), mas superficial (ser uma coisa/ser outra coisa).
Como corrigir o argumento cosmológico?
Adler acredita que o argumento acima não é verdadeiramente cosmológico porque não se fundamenta no cosmos como um todo.
Adler explica que a existência do cosmos tem de ser radical, isto é, não pode ser superficial. Ora, o cosmos, ou seja, a totalidade de todas as coisas, não pode transformar-se em outra coisa pois continuaria a ser o cosmos. Isso se explica pelo fato de o cosmos não ser como os outros seres individuais, cuja origem é a transformação de algo para perecer transformando-se em outro algo. Afinal, este algo teria sido o próprio cosmos. Similarmente, a totalidade de todas as coisas (cosmos) não perece transformando-se porque isso, para o cosmos, não seria um perecimento, mas simples continuação de sua existência enquanto totalidade de todas as coisas.
A partir desda compreensão, Adler estabelece as 4 premissas de seu argumento cosmológico:
(1) A existência de um efeito que requer a correspondente existência de uma causa implica na existência dessa causa.
(2) O cosmos como um todo existe.
(3) A existência do cosmos é radicalmente contingente, de maneira que, embora não precise de uma causa efeiciente que o tenha gerado (supondo o cosmos perpétuo no tempo passado), exige uma causa eficiente que o afaste da aniquilação.
(4) Dado que o cosmos precisa dessa causa eficiente que o sustente, tal causa não pode ser natural, mas sobrenatural, já que causas naturais não são capazes de aniquilar nada.
Por que o cosmos é contingente?
O cosmos é contingente porque ele é apenas um dentre muitos possíveis cosmos. É perfeitamente possível pensar num cosmos diferente, com leis naturais diferentes, com arranjos e ordens diferentes. Este cosmos em que vivemos é um numa pluralidade de cosmos possíveis. Se este cosmos é possível, isso significa que também é possível que o cosmos não exista, assim como qualquer coisa possível (isto é, não-necessária).
Ocorre que um cosmos meramente possível tem de ser um cosmos causado, caso contrário seria um cosmos necessário. O cosmos possível exige uma causa sobrenatural, um ser supremos, que sustente e preserve sua existência.
Deus é, nesta óptica, a causa preservativa do cosmos, uma vez que excluímos Deus de ser a causa criativa do cosmos em nossa premissa de um cosmos perpétuo. Se quiséssemos, poderíamos assumir Deus como a causa criadora do cosmos, já que a premissa adotada não por motivos racionais, mas por uma questão de gosto.
Vale notar que a ação preservativa de Deus é a ação preservativa de todos nós, dado que Deus preserva o cosmos da aniquilação, isto é, preserva todas as coisas da aniquilação.
Diante deste argumento, Adler afirma ter “bases razoáveis para afirmar a existência de Deus”.