Outros livros a respeito de Filosofia Perene serão estudados, seguindo o roteiro aqui sugerido, e portanto novas perguntas serão formuladas e respondidas.
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1) O que é o homem moderno? Como ele se diferencia do homem tradicional?
Homem moderno é aquele que reúne as características típicas do homem surgido a partir da Renascença, isto é, após a Idade Média. Em suma, o homem moderno:
- É centrado na ação, isto é, despreza as causas que estão por trás dos fenômenos visíveis. Por exemplo, o homem moderno conhece muitas doenças, mas é incapaz de detectar o significado delas e sua relação com o paciente. Alguém que sofre de esclerose múltipla pode ser tratado com drogas, mas a causa da doença pode estar na psique ou no espírito ( pneuma), não necessariamente numa disfunção corporal. O homem moderno também sabe construir edifícios com robustez e grande velocidade, mas é incapaz de imprimir ao ambiente a arquitetura adequada para o viver e o lazer segundo as necessidades e objetivos do edifício. O homem tradicional, por sua vez, é centrado na contemplação, isto é, na observação meditativa que lhe pode fornecer a síntese necessária entre o mundo físico e o metafísico (supra-sensível).
- É centrado em si, isto é, é individualista. Isso quer dizer que o homem moderno não admite princípios que estejam acima de si mesmo. A negação desses princípios leva, senão explicitamente, pelo menos à negação implícita de autoridades espirituais e intelectuais.
- É materialista, isto é, nega a importância ou mesmo a existência de um mundo além.
- É racionalista, isto é, nega a eficácia ou mesmo a existência de uma intuição intelectual capaz de lidar com o mundo imaterial , reservando à razão humana o título de função máxima do homem.
A ciência, segundo a clássica definição de Aristóteles, é o conhecimento das coisas pelas causas. Ora, a ciência pode, grosso modo, ser divida em ciência primeira e ciência segunda. A ciência segunda é a Física, isto é, o estudo da natureza, do mundo sensível, do mundo material. A ciência primeira é a Metafísica, isto é, o estudo do mundo supra-sensível, intuitivo, imaterial. Se, como vimos acima, o homem moderno nega ou despreza o mundo supra-sensível, então sua ciência é manca, ou seja, restrita às observações e pesquisas mundanas, materiais, físicas.
Por exemplo, o astrônomo moderno conhece os diversos astros, suas trajetórias, compoosições físico-químicas etc. Mas o astrólogo tradicional, embora não tivesse à sua disposição os instrumentos e laboratórios atuais, conhece algo mais: a influência que os astros podem imprimir na psique a na sociedade humana.
3) Por que democracia e igualdade são conceitos tipicamente modernos?
Uma vez que o homem moderno nega autoridades espirituais superiores a si mesmo, então não há diferença entre as naturezas dos homens, ou seja, todos os homens são naturalmente iguais entre si. O homem tradicional, pelo contrário, sabe que há castas ou arquétipos distintos entre os homens.
Já que não há tais diferenças essenciais entre os homens, então elas reduzem-se a diferenças meramente substanciais. Daí conclui-se que o poder, se não vem daquele que é maior em termos qualitativos, virá daquele que é maior em termos quantitativos, isto é, da maioria dos homens. Eis o conceito de democracia: o poder baseado na opinião da maioria, ao contrário da aristocracia, que é o poder baseado numa elite inclinada e inspirada para o comando político-militar.
4) Explique o que é "forma" e "matéria", citando exemplos.
Forma e matéria são os princípios que explicam o devir (mudança, movimento). A matéria não é nem isto nem aquilo mas apenas pode ser isto ou aquilo. A forma é a coisa determinada, real.
Por exemplo, a matéria de uma casa é a madeira, enquanto sua forma é a idéia de casa. Embora ainda sejam necessários dois outros princípios para explicar o devir -- a causa motriz (o arquiteto) e a causa final (habitação) --, esses dois princípios podem ser reduzidos à forma (a idéia da casa está no arquiteto e a habitação é a forma final a que tende a casa).
No entanto, cabe aqui uma explicação importante quanto ao conceito moderno de matéria. Para o homem moderno, matéria é a composição sólida/líquida/gasosa de algo. Embora tal definição não esteja totalmente incorreta -- Aristóteles também a utilizava assim -- ela é parcial. Conforme disse acima, matéria é um princípio, ou seja, é algo que está por trás das manifestações visíveis. Tal princípio é universal, ou seja, é potencialidade pura (pode ser qualquer coisa). A substância às quais nossos olhos enxergam é também substância, mas não universal como a matéria mas relativa. A diferença entre a substância universal (matéria primeira ou materia prima) e a substância relativa (matéria segunda ou materia secunda) é que esta é caracterizada pela quantidade, enquanto aquela não pois é apenas um princípio. É por isso que Santo Tomás de Aquino chamava a matéria segunda de materia signata quantitate.
5) Qual a diferença entre quantidade e qualidade?
A diferença é que a qualidade refere-se à forma enquanto a quantidade refere-se à matéria (no sentido moderno do termo, isto é, relativo).
6) Por que a modernidade está ligada à quantidade?
Porque a modernidade nega o princípio essencial das manifestações. Por exemplo, uma doença mental pode ser estudada a partir da falta (ou excesso) de certas enzimas ou hormônios produzidos pelo corpo. No entanto, tal estudo estaria reduzindo a mente ao espaço, ignorando o fato de que a mente é algo que se desenvolve exclusivamente no tempo. Isto quer dizer que o tratamento de doenças mentais via administração de drogas cuida apenas das relações corporais que a mente exerce, e não da doença propriamente dita, que é mental.
7) Relacione materialismo com individualismo.
A matéria é o princípio que separa, que distingüe os seres, mesmo sendo da mesma espécie.
8) Relacione uniformidade com individualismo.
À medida que os homens se afastam do princípio essencial das manifestações, eles se afastam daquilo que é capaz de unir e explicar os fenômenos. Por exemplo, um homem intempestivo pode ser entendido a partir da casta e da raça a que pertence, mas para isso é necessário admitir que há arquétipos fora e acima dos homens particulares e relativos.
Reduzidos a seus aspectos quantitativos (materiais), os homens não diferem qualitativamente entre si, dando fruto assim a graus cada vez maiores de uniformidade. Não é à toa que a ciência moderna, restrita aos aspectos quantitativos das coisas, seja utilizada exclusivamente na produção em massa (industrialização), engendrando assim uma uniformização até mesmo do aspecto externo do mundo.